quinta-feira, 28 de março de 2024

O paralelo entre o assassinato de Marielle e a rachadinha de Flávio Bolsonaro

A razão para o assassinato de Marielle Franco foram os interesses imobiliários na zona oeste do Rio de Janeiro junto às milícias. Apesar de comprovados os responsáveis, não foram somente os irmãos Brazão que guardavam estes mesmos interesses. A família Bolsonaro, notadamente o senador Flávio Bolsonaro, também. E acusações já abertas contra ele comprovam a coincidência e até dos mesmos personagens envolvidos.

Os irmãos Brazão mandaram matar Marielle pelo ativismo da vereadora contra a expansão das milícias na zona oeste do Rio de Janeiro, incluindo Jacarepaguá, Osvaldo Cruz e Rio das Pedras, onde os mandantes detinham negócios imobiliários e interesses de regularização para o domínio das milícias.

Reprodução do inquérito da morte de Marielle Franco

Para o assassinato, os irmãos – que representam a influência política das milícias – contaram com a participação de diversos milicianos da região para a execução dos crimes. Um deles foi Ronald Paulo Alves Pereira, conhecido como Major Ronald. Apesar de não ter sido alvo de mandato policial desta semana, o miliciano foi peça chave no crime: quem passou a informação a Ronnie Lessa do paradeiro de Marielle Franco no dia do seu assassinato.

Os negócios imobiliários de Flávio com milicianos no Rio das Pedras

O enredo da morte de Marielle acima narrado repete personagens, local e interesses de uma das acusações de rachadinha contra o filho mais velho do ex-presidente Jair Bolsonaro, o senador Flávio Bolsonaro (PL).

Trata-se dos investimentos de Flávio em três construtoras (São Felipe Construção Civil Eireli, São Jorge Construção Civil Eireli e ConstruRioMZ) nas mesmas regiões de Rio das Pedras para prédios da milícia, com dinheiro de “rachadinha” do antigo gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).

O caso foi desvendado em 2020, por reportagem do Intercept, que obteve os documentos sigilosos da investigação do Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro (MP-RJ). Os procuradores cruzaram informações bancárias de 86 pessoas suspeitas no esquema ilegal que irrigava o ramo imobiliário da milícia – o mesmo que motivou o assassinato de Marielle.

>> Trecho da reportagem do Intercept

No inquérito dos prédios financiados pela rachadinha de Flávio Bolsonaro na zona oeste do Rio, o senador receberia o lucro por meio de outra figura da milícia – o ex-capitão Adriano da Nóbrega (executado em fevereiro de 2020).

Antes de ser morto pela polícia da Bahia, em circunstâncias ainda não totalmente claras, Adriano era arrolado no assassinato de Marielle Franco. Até há pouco, Ronnie Lessa alegava inocência e garantia que a intermediação do crime foi feita pelo ex-capitão da PM que foi morto. Ele deu o relato em entrevista direta à revista Veja, em março de 2022.

Ainda sobre a morte de Adriano da Nóbrega, em entrevista coletiva nesta semana, o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, afirmou que milicianos foram mortos como “queima de arquivos”: “Intermediários foram assassinados no intercurso de 6 anos”. No inquérito, os investigadores apontam como queima de arquivos a morte do miliciano Macalé e de Adriano como exemplos que obstruíram provas:

Ronnie Lessa é hoje réu confesso e detalhou como ocorreu o assassinato de Marielle. Morto, Adriano não pôde dar relatos e foi impactada a investigação se ele esteve efetivamente envolvido, por meio do Escritório do Crime, grupo que o miliciano comandava e que tinha personagens em comum do inquérito de Marielle.

Além do próprio Adriano, repetem os nomes o major Ronald. No caso das rachadinhas de Flávio que financiaram prédios da milícia da zona oeste, os documentos dos investigadores apontam que foi ele, o major, ao lado de Adriano da Nóbrega e outro PM, o tenente Maurício da Silva Costa, que usaram nomes de moradores do Rio das Pedras como laranjas para registrar as construtoras na junta comercial do Rio.

Nos pedidos de prisão do assassinato de Marielle, o mesmo ex-PM e major, que é integrante do Escritório do Crime, aparece em uma ligação a Ronnie Lessa, no dia 14 de março de 2018, informando o paradeiro de Marielle Franco naquela noite do assassinato.

Em outros episódios da investigação são revelados que ele teria se envolvido de forma direta. Em 2019, o miliciano Orlando Curicica afirmou à Polícia Federal que Ronald teve um encontro direto com Domingos Brazão, em 2017, para discutir o assassinato da vereadora. Ainda, para além do que trazem as investigações em curso, o major Ronald é considerado amigo direto do próprio senador Flávio Bolsonaro.

•        Flávio Bolsonaro aparece em inquérito de Marielle, em vídeo que o acusa de envolvimento com milícias

O nome de Flávio Bolsonaro, filho mais velho do ex-presidente, consta no inquérito da Polícia Federal sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco. No documento, o nome de Flávio aparece em vídeo do deputado Marcelo Freixo (PSOL), no qual associava o filho mais velho do ex-presidente ao armamento e às milícias do Rio de Janeiro. O vídeo foi compartilhado por Marielle, que endossava as críticas à família Bolsonaro.

<<<< O que diz o inquérito da PF

Ao trazer um amplo histórico das razões para o crime, a PF elenca a “animosidade entre os Brazão e o PSOL” em tópico próprio do relatório para as razões dos irmãos Domingos e Chiquinho Brazão em mandar matar a vereadora.

Mas no item 12.2.3, os investigadores levantam pesquisas de confrontos entre o PSOL e a vereadora Marielle Franco contra os interesses dos mandatários do crime, entre eles a criação da CPI das Milícias na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) e a nomeação de Domingos Brazão, pelo Plenário da Alerj, ao TCU do Rio de Janeiro.

Neste último episódio, a PF aponta que a nomeação foi questionada pela oposição, o PSOL, “sob a alegação de não ter sido observado o rito procedimental previsto em lei, bem como em razão de sua incapacidade para exercício do cargo, que supostamente deveria ser ocupado por um servidor de carreira”.

Segundo a PF, às vésperas do início do plano de seu assassinato, no dia 26 de outubro de 2017, Marielle compartilhou uma postagem em suas redes sociais, no qual o deputado estadual Marcelo Freixo acusa Flávio Bolsonaro por votar a favor de Domingos Brazão ao TCE-RJ.

<<<< Vídeo não era sobre Brazão, mas sobre milícias

O GGN buscou o vídeo e, apesar de trazer a denúncia de Freixo contra a nomeação de Domingos Brazão, o tema principal era outro: o projeto de desarmamento, tema também sensível às milícias do Rio de Janeiro.

Enquanto Marielle denunciava, em seu comentário, a tentativa de derrubada do projeto de desarmamento, no vídeo, Freixo atacava diretamente Flávio Bolsonaro, não somente por votar contra o projeto de desarmamento, como por ter aprovado a nomeação de Brazão e por defender as milícias:

https://www.facebook.com/freixo.marcelo/videos/freixo-responde-fascista-na-alerj/1865545936818987

Ao compartilhar o conteúdo em suas redes, às vésperas do planejamento de sua morte, Marielle Franco destacou a seguinte frase de Freixo:

“Quando tive meu irmão brutalmente assassinado, minha família foi brutalmente atingida, mas não me transformei em um fascista de plantão. Não fiz do fascismo uma carreira política de família nenhuma.”

Nesta semana, ao ser divulgado o inquérito e a responsabilidade contra os irmãos Brazão, Flávio Bolsonaro aplaudiu: “Para a frustração de algumas pessoas, o que era óbvio está ainda mais claro: Bolsonaro não tem qualquer relação com o caso. Apesar desse fato inequívoco, a esquerda quer criar uma associação que não existe. Esse tipo de farsa narrativa é perigosa e criminosa.”

 

       PF fica surpresa com atuação de ex-chefe do MP-RJ no caso Marielle

 

O relatório final da Polícia Federal sobre o caso Marielle Franco, enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), aponta que o ex-chefe do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ), Eduardo Gussem, deixou claro seu “desejo” em evitar que a investigação fosse para na esfera federal e prestou apoio ao delegado Rivaldo Barbosa, que encabeçou a Polícia Civil do estado [entenda abaixo].

No último domingo (26), Barbosa foi preso em operação da PF que investiga o assassinato da ex-vereadora do Rio pelo Psol, Marielle Franco, e do motorista Anderson Gomes. Os políticos e irmãos Domingos Brazão e Chiquinho Brazão também foram detidos na ação, autorizada pelo relator do caso no STF, ministro Alexandre de Moraes.

Conforme informações da PF, Rivaldo teria planejado “meticulosamente” a execução de Marielle e atuou para  obstruir as investigações do caso, que estava sob seu guarda-chuva.

•        Atuação contra a federalização do caso

Conforme informação do blog de Ancelmo Gois, no Globo, o relatório da PF sobre o caso chamou atenção “para a posição firme” de Gussem contra a federalização da investigação, manifesta um dia após o crime brutal, ocorrido em 14 de março de 2018.

O relatório é público e foi checado pelo GGN. Nele, os agentes da PF descrevem que a manifestação do então Procurador-Geral de Justiça do Rio “foi uma retorsão imediata ao resultado da visita institucional realizada pela então procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, ao Rio de Janeiro no dia seguinte ao crime, ocasião na qual ela anunciou que iria instaurar uma apuração preliminar do caso no Ministério Público Federal”.

Neste mesmo dia, Dodge nomeou cinco procuradores da República para acompanhar a investigação. “Entretanto, Gussem, no dia 21 de março de 2018, ingressou com um pedido no Conselho Nacional do Ministério Público para que a apuração dos procuradores da República fosse suspensa, o que foi deferido liminarmente pelo Conselho e ensejou a revogação da portaria de nomeação do grupo”.

O relatório ressalta, no entanto, que o ato “pode ser interpretado como o exercício da defesa institucional que lhe é inerente como ocupante do cargo de Procurador-Geral de Justiça”.

•        Apoio a Rivaldo Barbosa

O relatório afirma ainda que , tempos depois, Gussem chegou a ir contra seus próprios promotores após a apresentação de uma denúncia contra Barbosa.

“Na ocasião em que o primeiro [Barbosa] foi denunciado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro pela suposta prática de crimes contra a lei de licitações, por firmar contratos emergenciais na área de informática no valor de R$19,1 milhões, o então PGJ não adotou a postura de proteger sua instituição, bem como seus membros, outrora realizada com afinco, mas, de forma surpreendente, atacou os Promotores de Justiça signatários da exordial acusatória e defendeu Rivaldo Barbosa”, diz trecho do documento.

Segundo os agentes, à época Gussem enviou mensagem ao delegado se desculpando pela atuação de seus promotores, que não teriam dado oportunidade de defesa durante a investigação.

“Nesta oportunidade, durante suas férias, Eduardo Gussem, inclusive, enviou uma mensagem a Rivaldo Barbosa dizendo que foi surpreendido com o conteúdo da denúncia e que lamentava o fato de Barbosa não ter tido a oportunidade de apresentar suas razões antes dos Promotores ajuizarem a demanda”, destaca o relatório.

Sendo assim, a PF afirma que “diante de todo esse cenário, constata-se que Rivaldo conseguiu, outrossim, atingir seu segundo intento, de modo que os órgãos de persecução penal federais foram alijados das investigações”.

•        Desafeto de Bolsonaro

Vale ressaltar que, conforme opinião do jornalista Luís Nassif, Gussem foi responsável pela gestão do MP-RJ que “manteve acesa a dignidade da profissão, conspurcada pela promiscuidade da Lava Jato de Curitiba“, uma vez que “tocou inquéritos sensíveis, contra o poder ameaçador dos Bolsonaro, contra seus aliados nas milícias e no Escritório do Crime, sem se deixar intimidar“.

No ano passado, a Receita Federal passou ainda a investigar o governo Bolsonaro, que tentou acessar, ilegalmente, dados sigilosos de desafetos do ex-mandatário.

A denúncia sobre o caso, de autoria do corregedor da Receita, João José Tafner, mostrou que entre os alvos de monitoramento ilegal do governo estava Gussem, então responsável pelas investigações do esquema das “rachadinhas” da família Bolsonaro.

 

       Deputado do Novo se diz 'pasmo com pressa' para avaliar prisão de Brazão e pede vista na CCJ

 

Um pedido de vista de um parlamentar do partido Novo adiou a votação sobre a manutenção da prisão do deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), implicado no caso Marielle e acusado de ser um dos mandantes do crime. Apesar do clamor por parte de diferentes parlamentares para que o Legislativo avalie rapidamente o caso, Gilson Marques (Novo-SC) se disse "pasmo com a pressa" para a análise do processo pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados e pediu vista alegando precisar de mais tempo para apreciar a prisão.

O rito que define o passo a passo desse tipo de processo no Congresso Nacional prevê 72 horas para que a CCJ tome uma decisão sobre o parecer do caso. O relatório, feito pelo deputado Darci de Matos (PSD-SC), foi lido no colegiado nesta terça e defende a manutenção da prisão. Gilson Marques disse não ter condições de avaliar o texto porque o documento recebeu uma nova versão postada no sistema eletrônico da Câmara às 13h48min, pouco antes da reunião da comissão, que foi aberta às 15h18min.

Matos argumentou que o relatório foi protocolado duas vezes não por mudança em seu conteúdo, mas porque houve "erro formal" na escrita de duas expressões, que seriam as de "prisão preventiva" e "Primeira Turma", esta última em referência ao colegiado do Supremo Tribunal Federal (STF) que validou o mandado de prisão expedido pelo ministro Alexandre de Moraes. Apesar disso, Marques insistiu no pedido de vista e foi acompanhado pelos deputados Roberto Duarte (Republicanos-AC) e Fausto Pinato (PP-SP).

Deputados como Chico Alencar (PSOL-RJ), Rubens Pereira Jr. (PT-MA), Talíria Petrone (PSOL-RJ), Fernanda Melchiona (PSOL-RS), Sâmia Bomfim (PSOL-SP) e Pedro Campos (PSB-PE) se sucederam nos apelos por uma apreciação mais célere do caso. Alencar, por exemplo, disse que, se a CCJ não se manifestar em 72 horas sobre o assunto, a presidência da Casa tem a prerrogativa de puxar o relatório de Darci de Matos direto para o plenário para que ele seja votado pelos 513 parlamentares. "Seria uma demissão da nossa função [da CCJ], tão importante", queixou-se.

Mais incisivo, Pedro Campos disse que os parlamentares que defenderam o pedido de vista estariam "fugindo da discussão". "É uma pena que a gente não tenha a oportunidade nem de discutir essa matéria no dia de hoje. E, pior do que isso, é aceitar aqui um pedido de vista que não é um pedido de vista. É um pedido de lavar as mãos. Eu acredito que essa não seja a posição que a sociedade brasileira espera dos parlamentares, [ela não espera] que se omitam em questões difíceis, que devem ser debatidas. Esse pedido de vista é, na verdade, um pedido de socorro, de fugir do debate, de fugir da discussão e lavar as mãos", alvejou.

Campos disse ainda que outros parlamentares eventualmente alinhados a Chiquinho Brazão estariam evitando os holofotes para não dizerem realmente o que pensam sobre a prisão. "Faltou coragem, faltou decisão, faltou posição. Infelizmente, todos nós aqui dessa CCJ ficamos reféns agora desse pedido de vista que foi colocado. Eu acredito que os parlamentares devem levar essa questão ao presidente Arthur Lira (PP-AL) porque no regimento, no artigo 251, fica claro que, se essa comissão se omite, em 72 horas, a gente pode pedir que a matéria vá direto a plenário. [Defendo] que a gente possa depois ir pras nossas casas passar a Semana Santa sem ter lavado as mãos, sem ter fugido do debate, sem ter posicionamento", apelou.

O prazo regimental de 72 horas para o pronunciamento da CCJ se encerra na quinta (28), véspera de feriado, uma vez que os autos do processo foram remetidos pelo STF à Câmara na tarde de segunda (25). Ainda não está claro no jogo político quando exatamente o parecer será submetido à votação, o que dependerá também de iniciativa de Arthur Lira (PP-AL).

·        Relator

No domingo, além de Chiquinho Brazão foram presos o irmão dele, Domingos Brazão, membro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro (TCE-RJ), e o delegado Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil do Estado. Segundo indicam as investigações, os três teriam arquitetado a morte de Marielle e planejado os detalhes do assassinato, que foi alvo de uma série de protestos nos últimos seis anos e vem desde então sendo apontado por lideranças do campo da esquerda como crime político. O atentado vitimou também o motorista Anderson Gomes, que dirigia o veículo em que trafegava a vereadora.

O caso de Chiquinho Brazão foi parar na Câmara porque, por ser um parlamentar federal, ele tem foro especial e só deve ser mantido na prisão se o plenário da Casa avalizar o encarceramento. Ao redigir o relatório sobre o caso do parlamentar, Darci de Matos destacou que a Primeira Turma do STF ratificou a prisão preventiva por unanimidade. "Em síntese, são dois crimes de homicídio consumados (mediante emboscada e impossibilitando a defesa das vítimas) e uma tentativa de homicídio, além de obstrução de Justiça com o envolvimento de organização criminosa. Conforme consta da representação da autoridade policial, são eloquentes os indícios de autoria mediata por parte do deputado e de seu irmão", afirma, no parecer.

Ao corroborar a decisão dos ministros do Supremo, Matos argumentou ainda que o benefício da imunidade parlamentar não é válido para casos como o de Brazão. "Para o Supremo, se nem mesmo os direitos fundamentais são absolutos, não haveria sentido em sê-la a prerrogativa parlamentar de imunidade à prisão cautelar. Essa imunidade absoluta, se lida em sua literalidade, não estaria em consonância com uma leitura sistemática da Constituição. Não nos afigura razoável que o constituinte originário tenha imaginado a imunidade à prisão cautelar assegurada aos parlamentares em casos como o que ora se examina", disse.

 

Fonte: Jornal GGN/Brasil de Fato

 

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