quarta-feira, 27 de março de 2024

Jamil Chade: ‘Caso Hungria’ é ponta de iceberg de cooperação global da extrema direita

A presença de Jair Bolsonaro numa embaixada de um país liderado por Viktor Orbán é apenas a ponta do iceberg de uma coordenação global do movimento de extrema-direita no mundo.

Com reuniões secretas, encontros virtuais e uma cooperação real, grupos extremistas no Brasil, Europa e EUA adotam posições similares em debates internacionais, copiam slogans, métodos de atuação e apoios recíprocos.

No caso húngaro, a relação entre Bolsonaro e Orbán foi construída ao longo dos quatro anos em que o brasileiro esteve no poder. Foi em seu governo que, pela primeira vez, houve uma visita de um chanceler do país para a Hungria. Foram estabelecidas posições comuns sobre temas como imigração, aborto, religião e votos na ONU. O governo de extrema-direita da Hungria de Viktor Orbán pediu ainda uma parceria com Jair Bolsonaro para financiar a ajuda comunidades de cristãos no Oriente Médio.

Mas o então chanceler Ernesto Araújo não foi o único a fazer suas peregrinações para Budapeste. No total, foram seis visitas de alto escalão entre os dois países, inclusive de Eduardo Bolsonaro e Damares Alves, em menos de doze meses.

Outro personagem central na relação era Angela Gandra, secretária de Família no Ministério de Direitos Humanos.

Durante seu mandato, Bolsonaro visitou o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán. A viagem foi usada como uma espécie de reconhecimento internacional ao projeto mais avançado da extrema-direita para impor seu modelo.

Insignificante para o comércio brasileiro, marginal no debate geopolítico, pária dentro da Europa e com um peso irrisório no palco internacional, a Hungria foi uma parada na turnê europeia de Bolsonaro que apenas atendeu aos interesses do movimento de extrema-direita.

A tríade entre Donald Trump, Jair Bolsonaro e Viktor Orbán também era evidente na diplomacia. Quando o americano foi derrotado nas urnas, ele passou para o Brasil a liderança de uma aliança ultraconservadora e que tinha como objetivo redefinir a agenda internacional na questão de direitos humanos.

Quando Bolsonaro foi derrotado nas urnas, essa liderança foi repassada do Brasil para a Hungria.

Aliado da Hungria em temas como a defesa de um modelo único de família, usando o cristianismo como instrumento de exclusão e resistente a qualquer direito ao movimento LGBT, o grupo mais radical do bolsonarismo jamais deixou de elogiar o que acadêmicos chamam de o “autocrata mais sofisticado do Ocidente”. Em doze anos, o governo abandonou alguns dos princípios básicos do estado de direito e criou uma nova realidade política.

•        Hub e campo de testes

Com espaço e apoio estatal, o movimento de extrema-direita mundial passou a ter em Orbán uma espécie de hub e campo de testes para políticas ultraconservadoras.

Orbán assumiu o poder em 2010, depois de um governo corrupto de esquerda e que admitiu que enganou a população ao adotar medidas de austeridade para lidar com a crise de 2008. Ganhou o voto de jovens, da elite urbana, da classe média e até de parte dos intelectuais. Sua guinada autoritária, porém, afastou muitos desses grupos da base de Orbán. Nos últimos anos, o húngaro conseguiu controlar a Corte Constitucional, o Ministério Público e dois terços do Parlamento. Dias depois de perder as eleições municipais em Budapeste, ele aprovou uma nova lei reduzindo as competências das prefeituras.

Uma das estratégias da extrema-direita húngara foi a de controlar rádios, televisões e jornais. Em 2018, donos de 400 meios de comunicação na Hungria decidiram doar seus impérios para uma obscura fundação. Uma semana depois, Orbán assinou um decreto isentando essa fusão de qualquer controle externo.

A coordenação entre jornais regionais, revistas, rádios e TVs passou a ser completo e, para sustentar a máquina de imprensa, o orçamento vem do estado, por meio de publicidade e compra de espaço nesses jornais para campanhas de conscientização. Já as empresas que fazem publicidade nos poucos jornais contrários ao governo temem perder contratos públicos, enquanto regiões inteiras do país passaram a depender apenas de noticias oficiais.

O governo húngaro ainda se lançou numa operação para excluir a sociedade civil de consultas ou formação de políticas públicas.

•        Movimento global da extrema-direita

A relação com a Hungria é apenas parte de uma teia maior e sólida. Na Espanha, o partido ultranacionalistas e herdeiro do franquismo, o Vox, mantém uma estreita relação com os filhos do ex-presidente. Em Portugal, o Chega tem parte de seu trabalho inspirado na extrema-direita brasileira.

Com os EUA, a aproximação envolveu até mesmo o uso das mesmas palavras e termos nos discursos feitos por Bolsonaro e por Trump, em 2019, na abertura da Assembleia Geral da ONU.

Quando o capitólio foi invadido, em 6 de janeiro de 2021, bolsonaristas minimizaram os ataques, causando a indignação de políticos americanos.

A derrota do americano contra Biden ainda foi seguida por declarações por parte de Bolsonaro que confirmavam a narrativa do movimento de apoio a Trump de que a eleição havia sido fraudada.

A cooperação também envolve a preparação de eleições e campanhas de desinformação. Fernando Cerimedo, que trabalhou na campanha eleitoral de Javier Milei na Argentina, foi apontado nos documentos da Política Federal como parte da operação que supostamente teria orquestrado uma proliferação de desinformação para abrir caminho a um golpe de Estado no Brasil.

As informações estavam na decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), que autorizou prisões e buscas contra ex-ministros e integrantes do núcleo duro do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Ao longo da campanha do vencedor da eleição na Argentina, Cerimedo atraiu a atenção da imprensa argentina, justamente por conta de suas polêmicas no Brasil.

Agora, a PF apontou que ele fazia parte do que foi chamado de “Núcleo de Desinformação e Ataques ao Sistema Eleitoral” durante as investigações. O grupo composto ainda por nomes como Mauro Cid e Anderson Torres tinha como função a “produção, divulgação e amplificação de notícias falsas quanto a lisura das eleições presidenciais de 2022 com a finalidade de estimular seguidores a permanecerem na frente de quartéis e instalações, das Forças Armadas, no intuito de criar o ambiente propício para o golpe de Estado, conforme exposto no tópico ‘Das Medidas para Desacreditar o Processo Eleitoral’ constante na presente representação”.

 

       Advogados e juristas renomados cravam: Bolsonaro deve ser preso por fuga na embaixada da Hungria

 

O fato de Jair Bolsonaro ter se refugiado por dois dias na Embaixada da Hungria no Brasil, localizada em Brasília, deve ensejar uma ordem de prisão preventiva do ex-presidente. A avaliação é feita por advogados e juristas renomados.

A revelação veio a partir de um furo do jornal norte-americano The New York Time, nesta segunda-feira (25). O periódico revelou que o ex-mandatário chegou a ficar dois dias escondido na sede da representação diplomática húngara no Brasil, supostamente, para evitar sua prisão dias após a apreensão de seu passaporte, por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e de dois de seus mais próximos assessores terem sido presos. O fato ocorreu na primeira quinzena de fevereiro.

Bolsonaro teve o documento de viagem apreendido como medida cautelar contra uma possível fuga do Brasil, uma vez que o ex-chefe de Estado é o alvo central do inquérito que investiga a tentativa de golpe de Estado perpetrada pelo antigo governo entre o final de 2022 e o começo de 2023, após a derrota do radical para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O fato do ex-presidente se refugiar na Embaixada da Hungria, que é considerado um território estrangeiro, portanto fora da jurisdição nacional, pode configurar violação de medida cautelar, o que ensejaria uma ordem de prisão preventiva. A Polícia Federal (PF) já informou, após a notícia vir à tona, que abriu inquérito para investigar a fuga de Bolsonaro.

Em entrevista à Fórum, o advogado criminalista Fernando Augusto Fernandes, doutor em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e mestre em Criminologia e Direito Penal pela Universidade Cândido Mendes, afirmou que "claramente Bolsonaro descumpriu a ordem do ministro" Alexandre de Moraes.

"Ele não poderia jamais ter se refugiado porque isso claramente fere a ordem do ministro. Bolsonaro descumpriu uma medida substitutiva da prisão preventiva que é não deixar o país. O ingresso dele na embaixada gera imediatamente a possibilidade de prisão preventiva", analisa Fernandes.

Augusto de Arruda Botelho, também advogado criminalista e que já foi secretário nacional de Justiça, trata-se de um "clássico motivo para decretação de prisão preventiva".

"A ação de Bolsonaro de se esconder na embaixada é um clássico motivo para decretação de prisão preventiva. É uma daquelas situações usadas como exemplo em livros e nas salas de aula", escreveu Botelho através das redes sociais.

O professor, advogado e jurista Pedro Serrano vai na mesma linha. Ele considera que, agora, há razões suficientes para que o STF possa decretar a prisão preventiva de Bolsonaro.

"Incrível . Quem me acompanha nas redes sabe de minha visão crítica do excesso de prisões preventivas no Brasil , inclusive de minha crítica a ideia de prender preventivamente Bolsonaro , o que me pareceu uma hipótese abusiva e inconstitucional . Agora aparece a surpreendente notícia que ele teria estado, recentemente, por 2 dias na embaixada da Hungria , depois das cautelares decretadas pelo STF. Tentativa de fuga é hipótese clássica de preventiva . Vamos aguardar as apurações e a defesa de Bolsonaro, mas sem dúvida , caso verdadeiro o fato, aumentaram muito as chances dele ser, legitimamente, preso", afirma Serrano.

•        Parlamentares

A notícia vem repercutindo, também no meio político. A deputada federal Luciene Cavalcante (PSOL-SP) enviou pedido ao STF em que pede a prisão de Jair Bolsonaro pelo fato do ex-presidente ter permanecido dois dias na embaixada da Hungria em Brasília.

Na peça, a deputada lembra que Bolsonaro foi obrigado a entregar o passaporte no dia 8 de fevereiro para a PF, atendendo a determinação do ministro Alexandre de Moraes como forma de impedir que ele deixasse o país.

A parlamentar cita ainda  a jurisprudência do próprio Alexandre de Moraes no caso Daniel Silveira: “A tentativa de obtenção de asilo político pode significar a intenção de evadir-se da aplicação da lei penal, justificando a manutenção da prisão preventiva”, escreveu o ministro Alexandre de Moraes em decisão de agosto de 2021 na Ação Penal 1044.

Já o deputado federal Lindbergh Farias acionou a Procuradoria-Geral da República (PGR), também pleiteando a prisão preventiva de Bolsonaro.

“A estadia na Embaixada sugere que o ex-presidente estava tentando alavancar a sua amizade com um colega líder de extrema direita, o primeiro ministro Viktor Orban, numa tentativa de escapar ao sistema de justiça brasileiro, enquanto enfrenta investigações criminais no Brasil”, diz o parlamentar na representação criminal.

•        Bolsonaro confirma e dá desculpa esfarrapada

O próprio Bolsonaro confirmou, em entrevista ao site Metrópoles, que passou dois dias na Embaixada da Hungria no Brasil. O presidente húngaro, Viktor Orbán é amigo dele e também de extrema direita.

“Não vou negar que estive na embaixada sim. Não vou falar onde mais estive. Mantenho um círculo de amizade com alguns chefes de estado pelo mundo. Estão preocupados. Eu converso com eles assuntos do interesse do nosso país. E ponto final. O resto é especulação”, declarou o ex-mandatário.

 

       Acredite se quiser! Defesa de Bolsonaro diz que asilo na embaixada da Hungria é obra ficcional

 

Em resposta à denúncia do jornal The New York Times, os advogados afirmaram em nota à imprensa que a estadia do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na representação em Brasília foi apenas um convite  para conversar “com inúmeras autoridades do país amigo”.

“Quaisquer outras interpretações que extrapolem as informações aqui repassadas se constituem em evidente obra ficcional, sem relação com a realidade dos fatos e são, na prática, mais rol de fake news”, informa a defesa.

Os advogados apontaram ainda que, como é de conhecimento público, Bolsonaro mantém um bom relacionamento com o premier húngaro e que o ex-mandatário estaria “atualizando os cenários políticos das duas nações”.

•        Entenda o caso

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e dois assessores passaram, de acordo com imagens obtidas pelo jornal The New York Times, dois dias asilados na Embaixada da Hungria depois que a Polícia Federal (PF) confiscou o passaporte do ex-mandatário, acusado de planejar um golpe de Estado depois da derrota no pleito de 2022.

Ao se refugiar em uma embaixada, Bolsonaro adota uma manobra para escapar da Justiça brasileira, pois não pode ser preso legalmente por estar fora do alcance das autoridades nacionais.

As imagens do circuito interno de segurança mostram que o ex-presidente passou duas noites nas dependências da embaixada. Ele chegou ao local na noite de segunda-feira, 12 de fevereiro, e partiu na tarde de quarta-feira, 14 de fevereiro.

Em off, um funcionário da embaixada confirmou o plano de receber Bolsonaro.

 

Fonte: UOL/Fórum/Jornal GGN

 

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