Famílias Bolsonaro e Brazão têm muito em
comum: ligação com a milícia e terrenos na zona oeste do Rio
FOI HOMOLOGADA no STF
a delação premiada do miliciano Ronnie Lessa, apontado como assassino de Marielle Franco e Anderson
Gomes. Como havia adiantado o Intercept Brasil em janeiro, a delação aponta
como mandante do crime Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do
Rio de Janeiro.
Nesta semana,
Guilherme Amado, do site Metrópoles, trouxe a informação que Ronnie Lessa
também teria mencionado o nome do deputado federak Chiquinho Brazão, irmão de
Domingos, na delação.
No depoimento à
Polícia Federal, Ronnie Lessa, apontado como matador de aluguel do Escritório
do Crime, contou detalhes das reuniões feitas com os irmãos Brazão para o
planejamento do assassinato da vereadora.
Forneceu também uma
série de indícios e provas sobre a participação dos mandantes do crime. Segundo
ele, Marielle se tornou um alvo porque se opunha aos interesses da exploração
imobiliária comandada pelas milícias ligadas à família Brazão na zona oeste do
Rio de Janeiro.
Quando Chiquinho era
vereador, foi presidente da Comissão de Assuntos Urbanos e legislou em causa
própria ao permitir a regularização e parcelamento do solo em áreas dominadas
pela milícia. Os irmãos Brazão pretendiam regularizar um condomínio inteiro na
região de Jacarepaguá sem respeitar o critério de área de interesse social. O
objetivo era conseguir o título de propriedade para especulação imobiliária.
Marielle, por outro lado, defendia a ocupação de terrenos por pessoas de baixa
renda e reivindicava que o processo fosse acompanhado por órgãos da Defensoria
Pública do Rio.
Apesar do burburinho
nas ruas e redes sociais, não há qualquer indício que ligue diretamente a
família Bolsonaro ao assassinato de Marielle. Qualquer insinuação nesse sentido
seria uma leviandade.
Mas nunca é demais
reforçar a natureza da formação política da família Bolsonaro, os caminhos que
a fizeram alcançar a Presidência da República e suas conexões obscuras com o
crime organizado. As ligações políticas, financeiras e pessoais dos Bolsonaros com
Lessa e os integrantes da família Brazão são fortes e indiscutíveis.
Apontar a proximidade
do Bolsonaro com os mandantes e o executor do homicídio da vereadora não é uma
ilação, mas a mera constatação dos fatos. Vejamos. Ronnie Lessa era um dos
matadores de aluguel do Escritório do Crime, grupo liderado por Adriano da Nóbrega,
assassinado em fevereiro de 2020 .
Ambos passaram pelo
curso de formação do Bope ao mesmo tempo
em que atuavam paralelamente como seguranças de famílias de bicheiros do Rio de
Janeiro. Apesar de disputarem entre si o
título de melhor matador profissional do Rio de Janeiro, Lessa e Nóbrega com
frequência se uniam para eliminar alvos em comum. A relação dos ex-policiais
com com a família Bolsonaro vem desde essa época.
Como se sabe, Flávio
Bolsonaro empregou em seu gabinete a mãe e a esposa de Adriano. Quando ele foi
assassinado, o então presidente Jair Bolsonaro o chamou de “herói”.
Ronnie Lessa morava no
mesmo condomínio do ex-presidente e os filhos dos dois chegaram a namorar. Em
2009, ele perdeu uma perna durante um atentado a bomba enquanto trabalhava como
segurança do bicheiro Rogério de Andrade.
As famílias Bolsonaro
e Brazão se elegeram para vários cargos, atuam na zona oeste do Rio e mantêm
ligações umbilicais com a milícia.[//pullquote]
Sabe qual político
intercedeu na Associação Brasileira
Beneficente de Reabilitação do Rio de Janeiro para que o atendimento do
criminoso fosse priorizado? Ele mesmo, o
então deputado Jair Bolsonaro.
Apesar de tudo isso,
Lessa nega conhecê-lo pessoalmente. Acho difícil que isso seja verdade, mas
mesmo que seja, é impossível negar o fato de que os dois fazem parte do mesmo
entrelaçamento que une as milícias à política.
A proximidade e as
semelhanças dos Bolsonaros com a família Brazão são ainda mais claras. São
famílias de políticos que se elegem para vários cargos ao mesmo tempo, atuam
tradicionalmente na zona oeste do Rio de Janeiro e mantêm ligações umbilicais
com a milícia da região.
Flávio Bolsonaro e
Chiquinho Brazão chegaram a subir juntos num carro de som em uma carreata
eleitoral para apoiar a candidatura de Jair Bolsonaro, em 2022. Além de fazerem
campanhas políticas juntos, Flávio e Chiquinho mantiveram negócios imobiliários
associados com milícias na zona oeste do Rio de Janeiro.
Ambos compartilham do
interesse pela especulação imobiliária irregular na região. Como apontou o
Intercept em 2020, documentos do Ministério Público do Rio de Janeiro revelaram
que Flávio Bolsonaro usou dinheiro da rachadinha feita em seu gabinete para financiar
a construção ilegal de prédios pela milícia.
Queiroz, então chefe
de gabinete de Flávio Bolsonaro e amigão de Lessa e de Nóbrega, confiscava 40%
dos salários dos funcionários do gabinete e repassava para o Escritório do
Crime. Segundo o inquérito, o lucro com a venda dos prédios seria dividido com Flávio
Bolsonaro. Foi justamente essa investigação do MP que motivou o ex-presidente
Jair Bolsonaro a pressionar o ex-ministro Sergio Moro pela troca do comando da
Polícia Federal no Rio e em Brasília.
Lembremos que o que
motivou o assassinato de Marielle foram justamente os negócios imobiliários
irregulares nessa mesma região do Rio de Janeiro. A vereadora representava uma
pedra no sapato daqueles que lucravam alto com a especulação imobiliária ilegal.
Mesmo não havendo
qualquer indício do envolvimento de Flávio Bolsonaro com o crime, é fato que
ele seria um dos beneficiários. Afinal de contas, assim como os irmãos Brazão,
ele lucraria com a venda de prédios construídos com a verba pública que saiu de
dentro do seu gabinete. Lembremos também que a Abin de Bolsonaro monitorou
ilegalmente os passos da promotora do caso Marielle. O que teria motivado isso?
O assassinato de
Marielle caminha para ser solucionado completamente. O país precisa conhecer a
fundo os detalhes, os personagens e as circunstâncias que levaram uma
associação entre políticos e milicianos a assassinar uma vereadora de esquerda
que lutava pelos direitos dos mais pobres.
É fundamental que se
puxe o fio completo da trama, porque ela ajuda a explicar o Brasil de hoje e a
ascensão dos reacionários associados ao crime organizado ao poder.
DOMINGOS BRAZÃO: QUEM É O HOMEM APONTADO
COMO MANDANTE DA MORTE DE MARIELLE. Por Carol Castro
DOMINGOS BRAZÃO foi
apontado pelo ex-policial Ronnie Lessa como um dos mandantes da morte de
Marielle Franco e Anderson Gomes, em crime ocorrido em março de 2018. Essa
informação foi publicada de forma exclusiva pelo Intercept Brasil nesta
terça-feira, 23.
Domingos Brazão nega
qualquer envolvimento no crime. Em entrevista ao site Metrópoles, ele foi
veemente em rebater as acusações. Nós também havíamos falado com seu advogado,
Márcio Palma, que disse desconhecer essa informação na delação dada por Ronnie
Lessa.
Lessa está preso desde
março de 2019 e é acusado de ter disparado a submetralhadora usada no crime.
Mas quem é Domingos Brazão? E por que ele teria contratado um ex-policial do
Bope para executar a vereadora do Psol?
Domingos é o mais novo
dos seis irmãos da família Brazão, mas é ele quem lidera o clã político do
grupo. Foi também o primeiro a entrar para a política, ainda em 1996, quando se
elegeu vereador da cidade do Rio de Janeiro pelo PL.
Dois anos depois, no
PTdoB, conquistou uma cadeira na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, a
Alerj. Em 2000, saiu candidato a prefeito – amargou o oitavo lugar nas
disputas, mas ganhou ainda mais poder e visibilidade, que lhe garantiram
consecutivas reeleições, na época filiado ao MDB.
Outros dois irmãos
seguiriam seus passos: Chiquinho Brazão, vereador do Rio de Janeiro de 2004 a
2018, e deputado federal pelo Avante há cinco anos e Pedro Brazão, o
primogênito, que entrou apenas em 2018 nas disputas eleitorais, pelo Partido da
República, o PR.
Domingos Brazão só
abandonaria o cargo de deputado estadual em 2015, para assumir uma cadeira de
conselheiro no Tribunal de Contas do Estado, o TCE. Na época, o então
governador Luiz Fernando Pezão nomeou Brazão após ele ser escolhido em sessão
plenária na Alerj onde recebeu 61 dos 66 votos. Também se desfiliou do MDB para
assumir o posto.
• Domingos Brazão já foi preso e tem vida
marcada por denúncia de corrupção
Seus anos anos na
Alerj foram marcados por denúncias de corrupção, aumento patrimonial suspeito,
compra de voto e improbidade administrativa.
Em 2011, ele chegou a
ter o mandato cassado por fazer assistencialismo com a ONG Centro de Ação
Social Gente Solidária, ligada à família dele, mas recuperou na justiça o
direito ao cargo.
Ao longo dos mandatos,
o clã Brazão passou a investir pesado no ramo de combustíveis. E acumulou uma
fortuna: Domingos conquistou o primeiro milhão em 2006 e, quatro anos depois,
declarou um patrimônio superior a R$ 5 milhões. Mas o valor pode ser bem maior.
Segundo Chico de Gois,
no livro “Os bens que os políticos fazem”, por diversas vezes Brazão declarou
participação societária menor nas empresas do que realmente tinha. “Não é
correta a informação, constante no TRE, de que sua cota de 50% no Posto Gasolina
Imperador, na Pavuna, limitava-se a R$ 65 mil. Na Junta Comercial ele constava
como sócio desde 2010, com participação de R$ 105 mil”, diz trecho do livro.
• Domingos Brazão já matou um homem
atirando pelas costas
Em março de 1987,
quando tinha 22 anos, Domingos Brazão matou a tiros um homem e feriu outro por
causa de uma desavença entre vizinhos.
O inquérito policial
mostrou que ele perseguiu os dois homens e efetuou os disparos pelas costas.
Ele alegou legítima defesa. O caso nunca foi submetido a júri popular e
tramitou durante 15 anos até a denúncia ser rejeitada pela corte especial do
Tribunal de Justiça, quando Brazão era deputado estadual.
“A autoridade policial
destacou, à época, a índole violenta e perigosa do réu, que constantemente
portava arma e se unira a ‘grileiros’ que disputavam a posse das terras na
região”, afirmou em 2002, José Muiños Pinheiro Filho, então procurador-geral de
Justiça, chefe do Ministério Público do Rio de Janeiro, e posteriormente
desembargador.
Essa “união com os
grileiros” acompanhou a família Brazão nos negócios e nos gabinetes – o próprio
Domingos chegou a ser investigado pela polícia por invadir áreas de proteção
ambiental e vender lotes ilegalmente, mas o processo não deu em nada.
Segundo Gois, João do
Aterro, taxista e amigo pessoal de Domingos, foi sócio de Chiquinho e Pedro
numa empresa de autopeças e veículos. Ele foi acusado de adulterar
combustíveis, grilagem de terra e venda de tratores roubados – e acabou
assassinado em maio de 2008, quando estava brigado com a família.
João do Aterro era
amigo de outro funcionário de Brazão: o advogado Marcelo Penna, lotado no
gabinete do deputado estadual até maio de 2009. Ele foi preso em uma operação
da Polícia Civil do Rio que investigava um grupo de milicianos de Anchieta, na
zona norte da cidade e pertencia ao grupo batizado de Milícia do Mirra, por ser
liderada pelo ex-policial militar Fabrício Fernandes Mirra.
O grupo teria sido
contratado por milicianos de Rio das Pedras, na zona oeste do Rio, e reduto
eleitoral dos Brazão, para matar duas pessoas: Marcelo Freixo e o delegado
Vinícius George.
• As disputas entre Brazão e Marcelo
Freixo
Ao longo dos mandatos
na Alerj, Brazão colecionou brigas com um deputado em especial: Marcelo Freixo,
eleito em 2007 pelo Psol. Marielle Franco, assassinada a tiros em 2018,
trabalhou como assessora de Freixo por 10 anos, até ser eleita vereadora, em
2016.
Logo em seu primeiro
ano de mandato, Freixo tentou emplacar uma CPI para investigar o dinheiro vindo
das partidas de futebol. Segundo o livro “Os bens que os políticos fazem”, de
Chico de Gois, Brazão, amigo do ex-presidente do Vasco, Eurico Miranda, lutou
bravamente para derrotar o colega da Alerj. E ainda deixou um recado: “O
Romário já dizia que quem chega agora não senta na janela, não, vai demorar um
pouquinho para dar olé em todo mundo. (…) Não passa direto do júnior para a
seleção brasileira, demora um pouquinho para dar olé na maioria dos veteranos
que estão aqui”, disse em plenário.
No ano seguinte, no
entanto, o “júnior” conseguiu a aprovação e presidência de uma CPI para
investigar as milícias no Rio de Janeiro.
No relatório final
elaborado pela equipe de Freixo, Domingos e Chiquinho são citados como
influentes políticos em bairros dominados por milicianos – mas não chegaram a
ser indiciados. O ex-vereador Nadinho, assassinado em 2009, ligado à milícia,
prestou depoimento à CPI e relatou que Domingos Brazão havia feito campanha em
Rio das Pedras no ano anterior – em
áreas dominadas por milicianos são liberadas apenas propagandas eleitorais de
políticos amigos.
Apesar de não ter
indiciado Brazão ao final da CPI, Freixo seguiu incomodando o ex-deputado. Ele
tentou barrar, em 2015, a indicação de Brazão ao TCE. Não deu certo, Brazão foi
escolhido pela casa para assumir o cargo de conselheiro do TCE – o único partido
a se opor foi o Psol de Freixo, mas sem sucesso.
Dois anos depois,
Domingos Brazão seria preso na Operação
“O quinto do ouro”, um desdobramento da Lava Jato no Rio, que investigou
esquema de pagamento de propina entre agentes do Estado e empresas contratadas
por órgãos públicos. Ele foi preso temporariamente em março de 2017, mas
liberado depois.
Naquele mesmo ano, a
Operação Cadeia Velha, deflagrada em novembro de 2017, cinco meses antes do
assassinato da vereadora, puxaria outros aliados de Brazão para a cadeia. Nomes
fortes do MDB no estado foram presos nesta operação da Polícia Federal, a exemplo
dos deputados estaduais Paulo Melo, Edson Albertassi e Jorge Picciani, morto em
maio de 2021.
Albertassi, pouco
antes de ser preso, havia sido indicado para uma vaga no TCE. Dessa vez, a
investida funcionou. Freixo obteve uma liminar na Justiça impedindo a posse do
deputado no TCE. No dia 14 de novembro, o parlamentar desistiu do cargo.
Naquele mesmo mês,
ele, Melo e Picciani foram presos por esquema de corrupção na Assembleia
Legislativa. Segundo o Ministério Público Federal, os três receberam propina
para ajudar a aprovar medidas legislativas em benefício de empresas de
transportes públicos e construção civil.
Freixo defendeu a
manutenção da prisão dos três deputados no plenário da Assembleia Legislativa.
A Comissão de Constituição e Justiça da casa votou no dia 17 de novembro de
2017 um relatório favorável à soltura dos deputados. Freixo enfatizou sua
posição contrária aos colegas da Casa.
“O que está em jogo
agora é uma denúncia das mais graves e que tem relação com o que foi feito nos
últimos 10 anos. Se hoje a gente tem uma crise social profunda, se tem uma
crise financeira profunda, isso se dá por um modus operandi que está ali dentro
e que hoje, segundo o Tribunal de Justiça, estão respondendo por fazer parte de
uma organização criminosa. É sobre isso que vamos votar e sobre isso que
seremos cobrados na rua, como determina a boa democracia, quem tem vida pública
não tem medo de ser cobrado na rua. Evidente que vamos votar contrário ao
relatório da CCJ”, disse Marcelo Freixo.
Fonte: Por João Filho
em The Intercept
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