sábado, 23 de março de 2024

Exército posicionou tropas e blindados para impedir prisão da esposa e da filha do general Villas Bôas no acampamento

O general Júlio César Arruda assumiu o comando do Exército em 30 de dezembro de 2022 no lugar do general Freire Gomes, que junto com os insubordinados comandantes bolsonaristas da Aeronáutica e da Marinha abandonou o comando.

Tudo porque eles não reconheciam o resultado da eleição e não aceitavam ter de bater continência ao presidente eleito pela soberania popular para ser o comandante supremo das Forças Armadas.

O general Arruda comandou o Exército brasileiro apenas durante os 21 dias iniciais do governo Lula; foi o mais breve no cargo na história da República.

Ele acabou demitido em 21 de janeiro de 2023 por descumprir ordem do presidente Lula de anular a nomeação do Mauro Cid para o comando do 1º Batalhão de Ações e Comandos do Exército, sediado em Goiânia.

Mas Arruda poderia [ou deveria] ter sido demitido bem antes, e inclusive recebido voz de prisão dos ministros Flávio Dino e José Múcio ou do interventor Ricardo Capelli ainda na noite de 8 de janeiro.

Naquela ocasião, ele afrontou o judiciário e o poder civil ao posicionar ostensivamente tropas e blindados para impedir o cumprimento da ordem judicial da Suprema Corte de prisão dos criminosos acampados no QG do Exército.

Sabia-se até então que o general Arruda teria agido dessa maneira para esconder delinquentes fardados e impedir a prisão de oficiais da ativa e da reserva e integrantes da família militar que participaram dos atentados no STF, no Congresso e no Planalto e depois se amotinaram no Quartel-General do Exército brasileiro juntamente com outros criminosos lá acampados.

Sabe-se hoje, no entanto, graças à bombástica apuração da competente jornalista Denise Assis, que o motivo real para decisão tão grave do general Arruda, que poderia lhe custar o próprio cargo, foi as presenças da esposa e da filha do general Villas Bôas dentre os criminosos amotinados no QG do Exército.

Arruda mandou posicionar as tropas e blindados em linha de combate contra a PM do Distrito Federal para impedir que fosse executada a prisão da Dona Cida, como é conhecida Maria Aparecida Villas Bôas, e de Ticiana Hass Villas Bôas, que lá se encontravam.

Denise Assis confirmou com “uma fonte muito considerada do meio militar” que a esposa e a filha do general Villas Bôas estiveram na Praça dos Três Poderes durante as depredações do 8 de janeiro, e depois se refugiaram no acampamento do QG do Exército, onde “correram o risco de serem levadas para o presídio da Papuda”.

Arruda teria combinado a manobra “com o general Gustavo Henrique Dutra, chefe do Comando Militar do Planalto, e teve como objetivo ganhar tempo na negociação que passaria a ocorrer a partir daquele momento”, ela explica.

O enredo descrito pela jornalista Denise Assis sobre aquelas horas tensas é cinematográfico: “Enquanto Arruda se apressou em posicionar os blindados, […] o general Dutra ligou para o general Gonçalves Dias. Precisava falar urgentemente com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que àquela altura já retornara de sua viagem a Araraquara (SP)”.

Denise descreve que no telefonema para o presidente Lula, o general Dutra “tinha o objetivo de abrir o jogo. Ser claro. Não havia como liberar as prisões, sob pena de expor o general Eduardo Villas Boas, um dos quadros mais considerados pelos militares, prendendo a filha e a esposa daquele a quem todos chamam, segundo a fonte, de ‘o Líder’”.

“Aterrorizado com a ideia da desmoralização de Villas Boas, o que mancharia ainda mais a imagem das Forças Armadas, e do ‘Líder’, Dutra se encorajou e conseguiu que o general Gonçalves Dias passasse o telefone para Lula. Dutra então expôs para o presidente o porquê da atitude de Arruda e o risco de sublevação, caso D. Cida fosse colocada em um dos ônibus, juntamente com a filha, rumo ao presídio”, descreve Denise.

Com a concessão feita por Lula para evitar um banho de sangue, conforme versão oficial divulgada, “os acampados –[leia-se: Dona Cida, Ticiana, oficiais da ativa, da reserva e familiares de militares]–, tiveram a noite toda para deixar o acampamento” e conseguirem escapar da prisão.

Dona Cida era uma frequentadora assídua do acampamento no QG do Exército. Era tratada como celebridade pela horda que preparava a “festa da Selma”.

As investigações da PF indicam que a esposa do general Villas Bôas teve envolvimento ativo na preparação do golpe. Provavelmente representando o marido, que padece de doença degenerativa limitante, ela participou de pelo menos uma das diversas reuniões das cúpulas militares que discutiram a conspiração.

Apesar do avanço das investigações evidenciar o envolvimento institucional e sistêmico das cúpulas militares na tentativa de golpe, a maioria dos oficiais implicados, muitos deles ainda na ativa, estão conseguindo passar incólumes e preservando privilégios.

O general Villas Bôas, por exemplo, peça-chave em toda engrenagem de desestabilização do país e na gestação do golpe –da conspiração com Temer para derrubar Dilma, passando pelo tweet de ameaça ao STF até a sustentação do governo militar com Bolsonaro– não só goza da mais absoluta impunidade, como é brindado pelo Exército com a regalia de residir no Prédio Residencial Nacional do Exército [PRN], condição restrita a oficiais da ativa.

“Por questão de humanidade, ele está muito doente –e até mesmo em respeito à liderança que ele é–, foi-lhe facultado o direito de permanecer no PRN”, revelou para Denise Assis sua fonte, acrescentando que “ele [Villas Bôas] é muito respeitado. O que se sabe é que naquele episódio da demissão dos três comandantes [30/3/2021], ele chegou a dizer entre amigos que se estivesse bem de saúde, tiraria Bolsonaro do cargo e assumiria o poder. E seria apoiado, se o fizesse”.

Diante de tantas evidências e provas da atuação institucional das cúpulas das Forças Armadas na tentativa de golpe contra a democracia, não é aceitável nem a empulhação de que os militares salvaram a democracia, e tampouco a decisão do presidente Lula de proibir a rememoração dos 60 anos do golpe de 1964, cujos ecos estão muito vivos no presente.

 

       Versão de heroísmo do general é empulhação que falsifica a história

 

A mídia encampou a versão diversionista do heroísmo dos militares, agora incensados como salvadores da democracia.

A versão farsesca foi editorializada, e padroniza a abordagem enviesada de analistas e colunistas de TV, jornais, portais e mídias sociais – infelizmente, inclusive de alguns veículos da mídia contra-hegemônica.

Em editorial tão burlesco quanto reunião de condomínio [Marx e Freire Gomes, 19/3], a Folha de São Paulo invocou Karl Marx para louvar o general Freire Gomes como um daqueles “grandes homens, os gênios, os heróis [que] fazem a história”.

Para este jornal que colaborou com a ditadura de 21 anos instalada com o golpe de 31 de março de 1964, o ex-comandante do Exército “teve coragem e papel decisivo na preservação da democracia no país. A atuação é digna de registro em futuros livros de história”, registrou com ufanismo.

A postura editorial da Folha é apenas um sintoma do acordo nefasto construído entre o governo Lula, a PGR e o STF com as cúpulas das Forças Armadas para delimitar a responsabilidade pelos atentados à democracia a Bolsonaro e a um punhado de oficiais descartáveis e, com isso, preservar a instituição militar.

O ministro da Defesa e porta-voz da caserna Múcio Monteiro celebra o êxito da estratégia diversionista: “agora a suspeição tem nome, saiu do CNPJ [das Forças Armadas] para os CPFs [de “alguns” indivíduos fardados]”.

Para sedimentar essa versão salvacionista sobre os vilões fardados que passaram os últimos anos acossando a democracia, tanto a mídia, a PF como o judiciário repetem o famigerado método lavajatista: definido qual é o objetivo estratégico da “narrativa”, seguem o itinerário até chegar no alvo.

Os depoimentos prestados à PF pelos ex-comandantes Freire Gomes, do Exército, e Baptista Júnior, da Aeronáutica, mais se parecem com delações premiadas combinadas para corroborar os elementos que levam à versão dos acontecimentos que se pretende tornar oficial. Bem fiel ao estilo Lava Jato.

As justificativas daqueles oficiais não se sustentam a um escrutínio minimamente diligente. As contradições entre os depoimentos deles e a realidade deveriam ser, pelo menos, levadas em conta pela PF e STF, mas são providencialmente deixadas de lado.

Nem é necessário discorrer muito sobre o envolvimento pessoal dos dois comandantes na conspiração; está tudo fartamente descrito e documentado.

O general Freire Gomes, por exemplo, hoje incensado como legalista, teve toda trajetória no comando do Exército comprometida com a mecânica do golpe, que foi uma diretriz institucional das cúpulas das três Forças.

Basta relembrar que o general Freire Gomes, assim como o almirante Almir Garnier e o brigadeiro Baptista Júnior, também se insubordinou e abandonou o posto de comando do Exército para não ter de bater continência ao eleito soberanamente pelo povo brasileiro para ser o comandante supremo das Forças Armadas – o presidente Lula.

E foi o general Freire Gomes que, no seu penúltimo dia à frente do Exército, em 29 de dezembro de 2022, impediu que o acampamento da família militar com outros criminosos no QG do Exército fosse desmontado, para deixar a bomba armada que veio a explodir no 8 de janeiro de 2023.

A versão de heroísmo do general é empulhação que falsifica a história.

O auto-engano oficial sobre os acontecimentos ofende o direito do povo brasileiro à memória, à verdade e à justiça, e mantém a débil democracia do Brasil em permanente ameaça de repetição de golpes e rupturas institucionais pelos mesmos atores de sempre.

 

       Os tapas de Lira e dos militares na cara de Lula

 

Não foram só as pesquisas de opinião que causaram dissabores ao presidente Lula nesses últimos dias, que inclusive convocou de surpresa uma reunião ministerial para a próxima segunda-feira, 18/3.

Outros dois episódios também devem ter deixado Lula no mínimo desapontado e, por que não dizer, também com sentimento de ter sido traído pelos militares e por Arthur Lira.

Apesar de Lula ter proibido o governo de realizar atividades de rememoração dos 60 anos do golpe, decisão considerada equivocada e que está sendo duramente criticada, o Clube Militar programou almoço para celebrar os “60 anos do Movimento Democrático de 31 de março de 1964”.

Embora o Clube Militar seja uma entidade privada, a instituição muitas vezes funciona como ventríloquo das cúpulas das Forças Armadas, como porta-voz político da caserna.

A celebração do golpe de 1964 como um “Movimento Democrático” é uma atividade ilícita, pois faz apologia de dois crimes cometidos pelos militares na ruptura institucional de 31 de março de 1964:

[1] o crime de abolição violenta do Estado de Direito, e

[2] o crime de deposição do presidente legitimamente eleito, João Goulart. Esses dois crimes estão tipificados nos artigos 359-L e 359-M do Código Penal brasileiro.

O evento soa, portanto, como uma provocação da caserna.

É um ultraje; um tapa dado pelos militares na cara do Lula mesmo depois do gesto equivocado dele, de “não remoer o passado”.

É significativo neste caso o silêncio omisso dos comandantes das três Forças a respeito da iniciativa provocativa e ilícita do Clube Militar.

Já o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, também não fica atrás dos militares em matéria de traição, ingratidão e deslealdade para com Lula, que tem feito a ele muitas concessões e atendido a muitas das suas chantagens, extorsões e achaques.

No governo Lula, ao qual ele faz oposição ideológica e programática, Lira arrancou recordes de emendas parlamentares.

O bando dele já ganhou ministérios, a Caixa Econômica Federal, diretorias da CODEVASF e outras sinecuras. E Lira ainda arrota ter obtido o apoio do Lula para fazer seu sucessor na presidência da Câmara.

Isso tudo, no entanto, parece insuficiente para fazer Lira retribuir ao governo com um mínimo de lealdade política e institucional.

Nesta terça-feira, 12 de março, enquanto a tormenta das pesquisas desabava sobre o Planalto, Lira jantava com Bolsonaro e o governador de São Paulo Tarcísio de Freitas na sede do PL.

Como prato principal do jantar, a articulação da candidatura do bloco de direita e extrema-direita para derrotar o próprio Lula em 2026.

O encontro do Lira com Bolsonaro acontece em meio a mais uma séria derrota que ele impôs à base do governo.

Desta vez, na distribuição de Comissões estratégicas da Câmara para o PL, partido do Bolsonaro, deixando o governo ainda mais na defensiva e inflacionando o valor do pedágio que Lula precisará pagar a ele próprio, Lira.

O presidente Lula tem feito concessões e mais concessões a Arthur Lira e às cúpulas das Forças Armadas, e por isso tem sofrido desgastes consideráveis perante sua base social e aliados políticos.

Apesar de tamanhas concessões, contudo, Lula não tem recebido em troca reciprocidade política e institucional do Lira e dos militares, mas sim tapas na cara.

 

Fonte: Por Jeferson Miola, em Viomundo

 

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