quinta-feira, 28 de março de 2024

Bolsonaro na embaixada da Hungria: o que muda na investigação sobre suposta tentativa de golpe?

A revelação sobre a estadia de Jair Bolsonaro por dois dias na embaixada da Hungria, em fevereiro, pode ter implicações nas investigações sobre o ex-presidente por suspeita de tramar um golpe para permanecer no poder após as eleições de 2022.

Vídeos divulgados pelo jornal americano The New York Times na segunda (25/03) mostram a chegada e a saída de Bolsonaro entre os dias 12 e 14 de fevereiro no que o jornal chamou de uma "aparente tentativa de pedir asilo político".

A defesa do ex-presidente divulgou uma nota confirmando a estadia e afirmando que a presença de Bolsonaro na embaixada — que fica em Brasília, cidade onde o ex-presidente reside — foi para "manter contatos com autoridades do país amigo".

A BBC News Brasil procurou a defesa de Bolsonaro, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

A ida de Bolsonaro para a embaixada aconteceu apenas alguns dias depois de a Polícia Federal (PF) confiscar seu passaporte e prender o coronel Marcelo Câmara, seu ex-ajudante de ordens; e Filipe Martins, ex-assessor para Assuntos Internacionais da Presidência.

Agora, a revelação do episódio e a suspeita de que Bolsonaro tenha pedido asilo vai levar a Polícia Federal a investigar as circunstâncias dessa estadia na embaixada, de acordo com uma fonte da PF ouvida pela BBC News Brasil.

Os investigadores querem saber se Bolsonaro violou ou tentou violar algumas das restrições impostas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no âmbito do inquérito que resultou na apreensão de passaporte do ex-presidente. A PF ainda não se pronunciou oficialmente sobre o assunto.

O político está proibido de viajar para fora do país por ordem do STF, pois é investigado na operação Tempus Veritatis, que investiga as suspeitas sobre a existência de uma organização criminosa para dar um golpe e manter Bolsonaro no poder após as eleições de 2022, nas quais ele perdeu.

O ministro Alexandre de Moraes, que é relator do processo no STF, também proibiu o ex-presidente de manter qualquer tipo de comunicação com os outros investigados, incluindo através de advogados.

O descumprimento dessas determinações não gera efeitos automáticos, mas pode justificar um pedido de prisão preventiva, explica a criminalista Beatriz Alaia Colin, do escritório Wilton Gomes.

A simples ida de Bolsonaro para a embaixada não configura saída do território nacional, explica o advogado Thiago Amparo, professor de direito da Fundação Getulio Vargas.

Embora seja uma confusão comum, as embaixadas não são território estrangeiro. Mas elas estão sim protegidas pela inviolabilidade prevista na Convenção de Viena, o que significa que as autoridades brasileiras não podem entrar no local sem o consentimento do país, explica Amparo à BBC News Brasil.

Bolsonaro pode ser preso caso tenha pedido asilo?

A possibilidade da decretação de prisão preventiva tem sido bastante discutida desde a revelação da passagem de Bolsonaro pela embaixada.

Criminalistas ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que existe a possibilidade de um pedido de asilo embasar uma prisão preventiva, mas acreditam que isso não é muito provável.

Diferentemente da prisão para o cumprimento de pena, a prisão preventiva é uma medida temporária que pode ser tomada no curso de um processo penal e, para ser autorizada pela Justiça, precisa cumprir diversos requisitos e ser bem fundamentada.

Segundo o criminalista Raul Abramo, além do descumprimento de medida cautelar (como as impostas a Bolsonaro), a prisão também pode ser para a "conveniência da instrução criminal", quando o suspeito ameaça testemunhas, por exemplo, ou se está forjando provas ou destruindo provas. Ou para a "garantia de futura aplicação da lei penal" ou seja, se houver provas de que o acusado está prestes a fugir para não cumprir a pena de uma eventual condenação.

"No caso de Bolsonaro se evadir para um país - especialmente um que não tem acordo de extradição com o Brasil - ele ficaria inatingível pelo Estado brasileiro, o que entraria em 'garantia de aplicação da pena'", diz Raul Abramo.

Mas a simples estadia na embaixada não poderia ser prova de que há esse risco, diz ele. E é discutível se um pedido de asilo poderia ser evidência de uma fuga iminente.

"Minha interpretação é de que não seria suficiente, mas é algo que pode ser analisado de forma diferente pela Justiça", afirma Abramo.

Já o especialista em direito criminal Miguel Pereira Neto acredita que o pedido de asilo poderia, sim, embasar a decretação de uma prisão preventiva.

"Pedir asilo em uma embaixada, quando uma série de medidas cautelares estavam sendo cumpridas, é um grande indício para frustrar a aplicação da lei e tumultuar a instrução criminal", afirma ele.

"Além de caracterizar preparação para fuga", conclui advogado, que é conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP).

A criminalista Beatriz Alaia Colin diz que, em sua interpretação, o pedido não seria suficiente. No entanto, diz ela, é possível que a Justiça entenda que "um pedido de asilo impediria, de certa forma, a aplicação da lei penal brasileira, o que, junto a outros fundamentos, poderia embasar um pedido de prisão preventiva", diz.

Especialista em direito criminal, sócio do Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri Advogados e conselheiro do IASP

O ministro Alexandre de Moraes já tomou uma decisão afirmando que pedidos de asilo político podem configurar tentativa de evitar a aplicação da lei penal e justificar a manutenção de uma prisão preventiva.

Analistas políticos têm dito, no entanto, que no caso de Bolsonaro o ministro tem evitado tomar medidas mais drásticas para evitar acusações de parcialidade.

De qualquer forma, seria preciso provar que Bolsonaro de fato pediu um asilo e tem a intenção do ex-presidente é evitar eventuais penas - algo que a PF ainda está investigando e que a defesa de Bolsonaro nega.

Moraes deu 48 horas para a defesa do ex-presidente explicar a visita à embaixada à Justiça.

 

       'Foi uma tentativa de asilo', diz deputada que pede prisão preventiva de Bolsonaro ao STF

 

O Supremo Tribunal Federal (STF) pode analisar e decidir se Jair Bolsonaro será preso pela hospedagem de dois dias na Embaixada da Hungria, em Brasília, a partir da noite de 12 de fevereiro. A informação e imagens dele no local foram divulgadas pelo jornal estadunidense The New York Times. Deputados federais acionaram tanto a Procuradoria-Geral da República (PGR) quanto o STF pedindo a prisão do ex-presidente nesta segunda-feira (25).

Uma das ações foi protocolada pela deputada federal Professora Luciene Cavalcante (PSOL-SP). A petição se baseia no fato de que Bolsonaro teve o passaporte apreendido dias antes pela Polícia Federal, ficando portanto impedido de sair do Brasil. Ele é investigado por suposta tentativa de golpe de Estado. Com a estadia na embaixada, o ex-presidente não poderia ser preso, já que o local é considerado um território estrangeiro e, assim, fora do alcance das autoridades nacionais.

"Todo mundo ficou estarrecido com essa notícia que vem do New York Times que o ex-presidente, indiciado em vários processos e que cumpre medida cautelar, realizou uma tentativa de asilo. No nosso entendimento, foi isso que aconteceu. Ele teve uma tentativa de asilo e de se refugiar e se evadir, sim, ao se hospedar de forma secreta na embaixada da Hungria. Por esse motivo, por entender que há uma violação da medida cautelar e que já há um julgado sobre isso, vários julgados de ações penais no próprio STF, que tipificam essa conduta que o ex-presidente Bolsonaro cometeu, nós acionamos o STF pedindo a prisão preventiva", argumenta.

As deputadas Fernanda Melchionna (RS) e Sâmia Bomfim (SP), também do PSOL, também enviaram ofício ao STF e à Polícia Federal pedindo a prisão. Uma solicitação do deputado Lindbergh Farias (PT) foi encaminhada à PGR.

A decisão de mandar prender ou não o ex-presidente caberá ao ministro Alexandre de Moraes. O ministro da Suprema Corte é o relator dos inquéritos de diversos crimes aos quais Bolsonaro responde. E estabeleceu o prazo de 48 horas, contadas a partir da noite desta segunda, para que o ex-presidente se explique.

"Bolsonaro responde a vários crimes. Ele saiu da CPI do dia 8 de janeiro indiciado por vários crimes, que demonstram que ele esteve por trás dessa articulação, pensando, elaborando a tentativa de golpe de Estado que culminou no dia 8 de janeiro. O ministro Moraes já pediu para que a defesa dele se pronunciasse. Eles têm 48 horas e acho que, sim, existe jurisprudência dessas situações que buscar asilo, buscar essa tentativa já configura uma intenção de fuga para ele não responder pelos crimes que ele cometeu. Só que ele também pode estar sujeito a outras medidas e uma delas é a tornozeleira eletrônica, que também seria muito importante para que a gente evitasse essa possível fuga", sugere Cavalcante.

A defesa de Jair Bolsonaro alegou que o ex-presidente ficou por dois dias hospedado na Embaixada da Hungria "a convite". Em evento na noite desta segunda no centro de São Paulo, Bolsonaro questionou se é crime dormir na embaixada e falou em perseguição.

"A mentira e a fake news é o método dessa extrema direita fazer política. É óbvio que eles vão dizer que não foi bem assim, que só estava ali pra conversar, mas veja bem: ele tem que entregar o passaporte dele. Aí, de forma secreta, sigilosa, ele se hospeda, vai para essa embaixada, que obviamente é um território dentro do Estado brasileiro, mas que tem prerrogativas de um governo que a gente sabe que também é de extrema direita, e ali ele fica fazendo essas articulações. Então, se ele não tivesse, de fato, nada a esconder, ele tinha tornado essa agenda pública, coisa que não aconteceu, a gente só ficou sabendo devido a essa notícia do New York Times. E eles ainda pediram para todos os funcionários saírem da embaixada. Então são vários os indícios que demonstram o conluio que aconteceu ali dentro. O silêncio do embaixador diante do Itamaraty também demonstra que há, sim, algo a esconder", declara Cavalcante.

 

       DEPOIS DAS NOITES HÚNGARAS, QUE PROVIDÊNCIAS TOMAR

 

Ou os bailes carnavalescos da Hungria são um arraso e ninguém sabia, ou Jair Bolsonaro precisará de uma justificativa mais convincente para sua estada de duas noites na embaixada húngara no Brasil entre a segunda-feira de Carnaval e a Quarta-feira de Cinzas. A hospedagem inusitada foi revelada pelo jornal americano The New York Times, que teve acesso a filmagens de câmeras de segurança. Os bolsonaristas nas redes sociais podem até não fazer muitos questionamentos, mas a Justiça fará. Respondê-los com banalidades como “frequento embaixadas” e “converso com embaixadores” não vai bastar para convencê-la, por várias razões.

Primeiro, porque não foi uma mera conversa. Foi uma estada de duas noites, algo incomum até mesmo quando se trata de viagens de políticos ao exterior. Neste caso, a embaixada fica em Brasília, cidade onde Bolsonaro tem casa própria e mora há décadas. Não precisaria, portanto, de um sofá onde pudesse dormir por uns dias.

Segundo, porque não foi em qualquer embaixada. A Hungria é um país comandado por um autocrata de extrema direita, Viktor Orbán, que não apenas foi um aliado internacional próximo de Bolsonaro durante sua presidência, como também tem se mostrado um apoiador fiel durante o cerco jurídico que vai se fechando contra o ex-capitão. Dias antes do Carnaval, Orbán publicou no X (antigo Twitter) uma mensagem de apoio ao aliado, que acabara de ter seu passaporte recolhido. “Um patriota honesto”, escreveu, na postagem. “Continue lutando, senhor presidente!”

Terceiro, porque a tal conversa não aconteceu num café ou na praça de alimentação de um shopping, mas em uma embaixada – território protegido por privilégios e imunidades reconhecidos por convenções internacionais, que têm o objetivo de assegurar o exercício das funções diplomáticas. Convenientemente, essas regras seriam um obstáculo caso as autoridades brasileiras precisassem entrar na embaixada para cumprir uma ordem judicial. Bolsonaro, é claro, sabe disso.

Por último, ninguém é bobo a ponto de acreditar que o ex-presidente trabalharia tão intensamente, por três dias ininterruptos, durante o Carnaval, a ponto de não conseguir pedir um Uber para voltar para casa e dormir. Tamanha disposição não se viu durante seu mandato. Difícil crer que ela daria as caras num feriado em 2024.

Por todos esses motivos, a justificativa dada por Bolsonaro é insuficiente. Os investigadores da Polícia Federal talvez abracem uma hipótese mais simples e plausível: o ex-presidente, temendo ser preso pela tentativa frustrada de golpe de Estado, abrigou-se em um lugar onde estaria a salvo das autoridades penais brasileiras caso elas viessem buscá-lo. É com essa hipótese que devemos trabalhar.

 

Fonte: BBC News Brasil/Brasil de Fato/Revista Piauí

 

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