segunda-feira, 4 de março de 2024

À PF, ex-comandante do Exército confirma reuniões sobre minuta golpista

O ex-comandante do Exército durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), general da reserva Marco Antônio Freire Gomes, confirmou em depoimento à Polícia Federal (PF) que participou de reuniões onde foram discutido os termos da "minuta do golpe". A informação é da CNN Brasil.

A oitiva do militar ocorreu durante oito horas, até às duas horas da manhã deste sábado (2), na sede da PF, em Brasília. O general respondeu a todos os questionamentos realizados pela corporação, na condição de testemunha.

A íntegra do depoimento de Freire Gomes é mantida em sigilo para não comprometer os desdobramentos da investigação.

Freire Gomes tornou-se um desafeto do general Braga Netto, investigado nessa operação da Polícia Federal, que demonstrou muita irritação com oficiais das Forças Armadas que se recusaram a participar de uma ação golpista. Na investigação, a PF detectou mensagens nas quais o ex-candidato a vice na chapa de Jair Bolsonaro faz referências indecorosas sobre os comandantes do Exército e da Aeronáutica.

Braga Netto, segundo a apuração, se referiu ao então comandante do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, como um "cagão" por se recusar a aderir a um possível golpe para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva. Cerca de 20 depoimentos já foram feitos no âmbito da operação Tempus Veritatis, autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes. 

No último dia 22, Bolsonaro prestou depoimento na sede da PF, mas se manteve em silêncio. Porém, em ato na Avenida Paulista, em São Paulo, no último domingo (25/2), o ex-líder do Executivo reforçou a narrativa de perseguição política.

"Nós podemos até ver um time de futebol sem torcida ser campeão, mas não conseguimos entender como existe um presidente sem povo ao seu lado. Nós sabemos o que foi o período de 2019-2022. Levo pancada desde antes das eleições de 2018. Passei 4 anos perseguido também enquanto presidente da República e essa perseguição aumentou sua força quando deixei a Presidência da República", declarou na data.

·        General omitiu reunião golpista em audiência na Câmara

Em 6 de janeiro, Gomes compareceu a uma audiência pública na Comissão de Relações Exteriores, na Câmara, ao lado dos outros dois comandantes das Forças — Aeronáutica e Marinha — e do ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira. Como os demais representantes do governo no encontro, o general omitiu a realização da reunião da véspera, e seu conteúdo, ainda que o assunto sobre urnas eletrônica e sistema eleitoral tenha sido discutido na audiência.

O então comandante discorreu sobre os projetos do Exército, sobre a defesa da soberania e fez um histórico das atribuições da Força. Ao contrário de Gomes, o ministro da Defesa e o comandante da Marinha, Almir Garnier, criticaram a suposta fragilidade das urnas eletrônicas. O representante do Exército não levantou qualquer dúvida ou fez restrições à Justiça Eleitoral.

·        Depoimento de general que participou da reunião golpista durou 7 horas

O depoimento do general Marco Antônio Freire Gomes à Polícia Federal, nesta sexta-feira (1°/3), durou cerca de sete horas. Iniciou às 15h e se encerrou às 22h. O militar depôs na condição de testemunha, o que o obriga a assinar termo de compromisso em falar a verdade. O oficial foi comandante do Exército no final do governo de Jair Bolsonaro.

Gomes foi ouvido no processo que investiga a tentativa do grupo do ex-presidente em implantar um golpe de Estado no país, nas eleições de 2022.

Os esclarecimentos dele são tidos como importante para a apuração. O general teria se recusado a apoiar a iniciativa de confrontar a democracia e implementar um regime ditatorial no país, para evitar o terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva.

A resistência a essa tentativa de golpe irritou o general Walter Braga Netto, que foi vice na chapa de Bolsonaro. Braga Netto se referiu a Gomes como um "cagão", em dezembro de 2022, segundo mensagens obtidas pela PF.

O ex-comandante do Exército, por outro lado, aponta a apuração, teria se reunido com Bolsonaro e discutido sobre a minuta do golpe, que seria um decreto de estado de sítio no país.

 

Ø  Quebra de silêncio em depoimentos na PF pode estragar planos eleitorais do PL

 

O depoimento de mais de sete horas do ex-comandante do Exército, general Freire Gomes, na sexta-feira, à Polícia Federal (PF), na condição de testemunha, tem o potencial de causar profundo estrago nas pretensões eleitorais da extrema direita — e não apenas para as eleições municipais de outubro, mas também para 2026. Ao responder a todas as perguntas sobre a arquitetura golpista montada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e alguns dos seus então principais auxiliares, o militar também rompe o pacto de silêncio e se soma à postura adotada pelo presidente do PL, Valdemar Costa Neto, e pelo ex-ministro da Justiça Anderson Torres, em 22 de fevereiro.

Pelo inquérito conduzido pela PF, no governo anterior uma organização criminosa dividida em seis ramos — desinformação, incitação de militares, jurídico, operacional, inteligência paralela e núcleo de oficiais de alta patente — atuou no coração do Estado. A investigação aponta que a reunião de 5 de julho de 2022, na qual alguns dos participantes propuseram uma quartelada, o tumulto no dia 12 de dezembro — data da diplomação de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente eleito — e a invasão das sedes dos Três Poderes, são datas de um mesmo calendário para a quebra da ordem democrática.

Passada uma semana, a manifestação bolsonarista, na Avenida Paulista, em 25 de fevereiro — que levou aproximadamente 180 mil apoiadores do ex-presidente, segundo cálculos da Universidade de São Paulo (USP) —, já é vista como insuficiente para garantir ao partido do ex-presidente a conquista de mil prefeituras que Costa Neto pretendia faturar. Isso porque alguns atores que pretendiam surfar na onda da extrema direita estão reavaliando o caminho que seguirão.

É o caso, por exemplo, do PSDB em São Paulo. Se antes pretendia embarcar no projeto da reeleição de Ricardo Nunes — que apareceu envergonhadamente no evento da Paulista, mas não quis se atrelar à pauta bolsonarista ao vestir uma camisa verde com dizeres sobre a adoção responsável —, nos bastidores do partido essa adesão é repensada. Mesmo porque, a convenção do partido, que foi no mesmo dia 25, não fechou acordo para a formação da executiva estadual.

"Nunes é o candidato com um vice do PL que o Valdemar Costa Neto articulava. No entanto, hoje, depois desses desdobramentos, não sabemos como será costurada essa aliança", lembra o cientista político André César.

·        Reposicionamento

Atualmente, o PL tem 371 prefeituras. Para alcançar a meta de mil municípios, de qualquer porte, em 2024, o partido apostava na polarização com o PT — sobretudo nas capitais, nas quais o eleitorado é mais atento aos efeitos das disputas polítricas nacionais — e na figura de Bolsonaro como principal cabo eleitoral. Mas, como o ex-presidente já é apontado como o maior suspeito de ser o mentor da arquitetura golpista para reverter o resultado das eleições de 2022, legendas que tendiam a embarcar nas candidaturas de extrema direita aguardam os efeitos dos depoimentos de Freire Gomes, Costa Neto e Torres.

"A princípio, as operações ainda não foram capazes de afetar o 'núcleo duro' do eleitor bolsonarista. Por outro lado, é natural que a legenda passe por um processo de aumento de resistência na busca de um maior eleitorado", avalia Wilton Gomes, especialista em direito público e eleitoral.

"Estamos em março e muita coisa ainda deve aparecer. O que a PF sabe que a gente ainda não tem ideia? O PL virou um 'partido ônibus', no qual muita gente pega carona. Tem uns 20 que votam, sim, com o governo Lula. Muitos deles podem pular fora da sigla durante a janela partidária", salienta André César.

·        Congresso

Por ora, os efeitos mais claros do avanço das investigações da Polícia Federal (PF) são percebidos dentro do Congresso. Na semana passada, começou a circular com mais intensidade uma proposta de emenda constitucional que impede a PF de fazer operações em gabinetes parlamentares. A ideia, sobretudo dos bolsonaristas — que tiveram dois deputados alvos de operações de busca e apreensão de documentos, Carlos Jordy e Alexandre Ramagem, ambos do PL-RJ —, é criar uma camada a mais de proteção contra operações policiais que têm grande impacto midiático.

Porém, o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), acenou que a PEC tem tudo para ser natimorta. "Qualquer iniciativa que busque extinguir a possibilidade de investigação contra qualquer cidadão, inclusive aqueles que ostentam em autoridade pública, é algo que pode gerar algum tipo de perplexidade, e até de questionamento do ponto de vista constitucional", alertou.

·        Anistia

Outro efeito é um pedido de anistia, feito pelo próprio Bolsonaro em discurso na Paulista, em 25 de fevereiro, para aqueles sobre os quais as suspeitas de tramarem um golpe de Estado se avoluma. Autor do PL 5.064/23, o senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) abriu consulta pública sobre a viabilidade de um projeto de lei que libera de penas todos aqueles que foram condenados por terem alguma relação com o vandalismo de 8 de janeiro de 2023. Até ontem, o Não à anistia tinha 514.940 votos contra o Sim, que obteve 466.696.

Além disso, a relatoria do texto foi entregue ao senador governista Humberto Costa (PT-PE), que já sinalizou seu arquivamento.

 

Fonte: Correio Braziliense

 

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