sábado, 30 de março de 2024

A OMS propõe uma economia voltada à saúde para todos

A 154ª reunião do Conselho Executivo (EB154) da Organização Mundial da Saúde (OMS) começou em 22 de janeiro de 2024, com uma nova agenda intitulada “Economia e Saúde para Todos”. Desde então, os membros da OMS estão deliberando sobre propostas delineadas em um primeiro relatório publicado pelo Conselho da OMS sobre a Economia da Saúde para Todos, em maio de 2023.

Estabelecido no final de 2020, o conselho, liderado pela renomada economista professora Mariana Mazzucato, é composto por outras 10 mulheres economistas e especialistas em saúde, que passaram dois anos desenvolvendo um plano estratégico para priorizar a “Saúde para Todos” nas considerações econômicas. A criação deste Conselho se deve, evidentemente, à crise socioeconômica sem precedentes desencadeada pela pandemia de covid-19. Esta crise desafiou a estabilidade e a unidade globais, escancarando a ligação inseparável entre saúde e economia. Uma abordagem renovada da economia global era urgentemente necessária.

·        O que consta no relatório?

O relatório do Conselho enfatiza a priorização do bem-estar humano e planetário sobre o crescimento econômico, reestruturando sistemas de inovação e financiamento para um acesso equitativo à saúde, e fortalecendo a capacidade governamental para que possa oferecer cuidados de saúde de maneira eficaz. Esses são os pilares para as 13 recomendações descritas no documento, destinadas a remodelar práticas econômicas para alcançar metas universais de saúde por meio de esforços colaborativos entre setores, reconhecendo a interdependência da saúde e economia em todos os níveis.

As treze recomendações defendem: valorizar a saúde como um investimento de longo prazo; fazer cumprir a saúde como um direito humano; priorizar a saúde planetária; adotar abordagens de financiamento estáveis; assegurar financiamento e governança adequados para a OMS; redesenhar a arquitetura financeira para equidade, usando métricas mais amplas que vão além do PIB; fomentar alianças público-privadas; projetar governança do conhecimento para acesso equitativo; alinhar a inovação com os objetivos de saúde; promover abordagens integradas de governo; investir em capacidades do setor público; e fomentar transparência e engajamento público para responsabilidade.

·        Recomendações promissoras, porém faltando praticidade imediata

O lançamento do relatório foi bem-sucedido e aclamado como uma “mudança radical” no pensamento econômico. Embora ressalte a urgência de remodelar a percepção dos serviços de saúde como investimentos, e não “gastos”, ele fica aquém em explorar estratégias concretas de implementação. Reconhecendo a ligação intrincada entre atividades econômicas e resultados de saúde, o relatório defende medidas ousadas, como excluir investimentos em saúde dos déficits fiscais soberanos e suspender pagamentos de dívidas durante crises de saúde.

No entanto, ele não faz uma análise mais aprofundada das raízes das crises de saúde, desigualdade e climáticas – correndo o risco de que suas recomendações permaneçam simbólicas sem uma teoria clara de mudança. Embora proponha reformas como a regulação da propriedade intelectual, o relatório carece de estratégias acionáveis para a transformação social.

A ideia de um “Painel para uma economia saudável” sugere otimismo no uso da informação para provocar transformações, mas carece de um mecanismo real para alterar dinâmicas políticas. O relatório do Conselho, e também o da Secretaria, não aborda os obstáculos que limitam a capacidade da OMS de progredir – como as repetidas negações do mandato da OMS pelos Estados Unidos e as políticas restritivas dos países de alta renda.

Por exemplo, na semana do lançamento do relatório do Conselho, surgiram documentos que alegam que os EUA ameaçaram reter financiamento da OMS, a menos que suas exigências sobre “destinação específica” das contribuições norte-americanas fossem integradas à decisão sobre a proposta de reabastecimento. Essa ação minou o objetivo da resolução de impulsionar a necessidade urgente da OMS por financiamento flexível, crucial para o cumprimento de seus mandatos. É necessária uma análise mais aprofundada das causas raízes das crises interconectadas, barreiras à implementação das recomendações e construção de consenso para o alívio da dívida internacional.

·        Perspectivas dos Estados Membros

Durante o EB154, o relatório da Secretaria (EB154/26) estabeleceu a base para as respostas oficiais dos membros da OMS ao trabalho do Conselho. Embora muitos tenham expressado apreço pelos esforços, outros abordaram o assunto com cautela. Marrocos enfatizou a imperatividade de priorizar a justiça social. Togo elogiou o foco em aumentar a capacidade pública nas recomendações, e o Brasil pediu por mais consultas entre a OMS e seus membros. Os EUA manifestaram preocupações sobre os potenciais altos custos associados à abordagem proposta. A China aconselhou uma implementação cuidadosa para prevenir a exploração por entidades comerciais e defendeu que a OMS tenha maior consideração das sugestões do Sul Global.

Bélgica e Namíbia fizeram contribuições notáveis para a discussão. A Bélgica elogiou o relatório por desafiar a suposição de que a intervenção governamental inibe a inovação farmacêutica, enquanto o Reino Unido advertiu a OMS contra o “perigo” de que seja minado o arcabouço de direitos de propriedade intelectual. A Namíbia enfatizou a necessidade urgente de confrontar a injustiça do sistema financeiro global. Bangladesh sublinhou a necessidade de retificar o sistema econômico, que perpetua a distribuição desigual de dividendos e amplia as disparidades de saúde. A Namíbia destacou a alarmante duplicação das taxas de dívida nos países da África Subsaariana em apenas uma década, instando a OMS a engajar-se com instituições financeiras internacionais para enfrentar a crise da dívida e reforçar o financiamento da saúde.

O relatório reconhece a inevitabilidade da colaboração da OMS com instituições como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, mas ignora o histórico dessas duas entidades em não prevenir ou abordar as crises de dívida e a degradação social e ambiental resultante de seus programas de empréstimos e políticas neoliberais. Dada a improvável perspectiva de essas instituições mudarem suas práticas, é imperativo que o Conselho forneça orientações sobre como a OMS pode colaborar com instituições financeiras internacionais para alcançar seus objetivos ambiciosos sem comprometer seus princípios.

·        Há alinhamento com os objetivos ambiciosos da Declaração de Alma Ata?

Em suas palavras finais, o Dr. Bruce Aylward, Diretor-Geral Assistente da OMS, enfatizou a missão do Conselho de unir economia e saúde para concretizar a saúde para todos, conforme vislumbrado na Declaração de Alma Ata. Embora o relatório do Conselho tenha representado um passo radical para a frente, ele ficou aquém da resolução ambiciosa da Assembleia Geral da ONU de 1974, referenciada na Declaração de Alma Ata, que mostrou o caminho para a saúde igualitária, e que buscava transformar fundamentalmente o status quo no sistema econômico global.

Nela estavam contidas uma série de propostas destinadas a melhorar a posição das nações em desenvolvimento na economia global. Incluíam: conceder aos Estados controle sobre seus recursos naturais, regulamentar as corporações transnacionais, facilitar transferências de tecnologia sem condicionamentos do norte para o sul, fornecer preferências comerciais aos países do sul, e perdoar certas dívidas devidas pelos estados do sul aos contrapartes do norte.

 

Fonte: Por Dian Maria Blandina, no People’s Health Dispatch | Tradução: Gabriela , em Outra Saúde

 

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