quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

VALERIO ARCARY: Incêndio bolsonarista

1 - A mobilização deste domingo, dia 25 de fevereiro, foi muito grande. A rigor, sejamos rigorosos, foi imensa. Foi assombrosa, quantitativa e qualitativamente. O bolsonarismo colocou na rua mais de cem mil pessoas muito exaltadas, durante mais de três horas, sob um calor escaldante. A composição social não surpreendeu: foi de classe média branca, meia-idade, furiosamente anticomunista, arrastando setores populares evangélicos. Mas a dimensão e o ardor, sim. O uniforme das camisetas amarelas da CBF, as incontáveis bandeiras de Israel, o ódio contra Lula, o ressentimento pela derrota eleitoral, a adesão explícita ao projeto golpista, a excitação com o discurso emocionado de Michelle, a adulação do chefe, a empolgação com o extremismo de Malafaia, o cenário meio avassalador e apocalíptico. A moral do neofascismo estava em alta. Saíram às ruas para lutar. A Paulista pode ter sido só o início de uma campanha. O impulso deste domingo deve alimentar novas manifestações.

2 - Não reagiram quando Bolsonaro ficou inelegível, quando estava muito acuado, mas agora voltaram com força. Ocuparam a Paulista no maior ato desde o 7 de setembro de 2021, quando estava na presidência. Só que num contexto, incomparavelmente, mais difícil: uma avalanche de provas está sendo reunida pela Polícia Federal desde a delação premiada de Mauro Cid, confirmando seu comprometimento com a preparação de um golpe de Estado. A presença de quatro governadores – de Minas Geais, Santa Catarina, Goiás e ninguém menos do que Tarcísio de Freitas, mais de cem deputados federais, centenas de prefeitos, entre eles o de São Paulo, além de incontáveis vereadores, revela que tem um respaldo institucional enorme. Sentiram-se vitoriosos.

3 - Parece espantosa esta disposição de incondicional solidariedade pública, um perigoso cálculo de riscos, quando é conclusivo que a investigação sobre os crimes de Bolsonaro, e seu círculo de generais de quatro estrelas, já reuniu provas irrefutáveis de culpa. Mas estavam todos lá. Por quê? Porque seus destinos são indivisíveis do de Bolsonaro. Todos os que foram à Paulista, no chão e no palanque, foram cúmplices do golpismo. O grito que os uniu foi um só: não prendam Bolsonaro. Não nos enganemos, deu para ouvir bem. Saíram reforçados.

4 - O cerco policial-jurídico sobre Bolsonaro apertou desde a operação na casa de Angra dos Reis em meados de janeiro e, um mês depois, quando atingiu os generais, e a extrema-direita decidiu ir para o contra-ataque. Por quê, agora? Porque confiaram que conseguiriam. Não foi somente uma convocação de sua base social para “fazer uma foto”. Foi uma demonstração de força em uma conjuntura defensiva. Quais são os seus objetivos? Não quer ser preso, por isso, dissimulou a chantagem com a fórmula da Anistia. Bolsonaro mostrou os dentes para provar que, se necessário, sabe morder. Ameaçou os Tribunais Superiores e o governo, apoiado na força das redes sociais, nas ruas e no Congresso. Quer a garantia de preservação da legalidade de seu movimento. O centro da tática, para quem ainda vacilava ou duvidava é: Prisão para Bolsonaro e os generais golpistas.

5 - Subestimar o inimigo é autoengano. Diminuir o impacto da concentração da ultradireita, em linha “negacionista” de uma parte da esquerda - o ato não “muda nada”, Alexandre de Moraes “não vai recuar” – não é, somente, uma superficialidade. Não é somente uma análise enviesada dos objetivos de Bolsonaro. Resume uma miopia estratégica. Nunca é “tudo ou nada” e “agora e já” na luta social e política. O combate ao bolsonarismo será um complexo e, talvez, longo processo de luta político-ideológico que tem dimensão internacional, e o desfecho permanece incerto. A subestimação da força social de choque dos neofascistas é um erro de análise e, taticamente, equivocada, porque desarma para necessidade de construir mobilizações de massas nos próximos 8 e 24 de março. Só serve para que se mantenha a atual “hibernação” do povo de esquerda e, também, das direções majoritárias. Tampouco as conclusões “psicologizantes” que pretendem explicar a iniciativa da mobilização porque Bolsonaro está com “medo” de ser preso. Zoar o inimigo é legítimo, e até divertido, mas não é sério. Bolsonaro é um monstro com “instinto” de poder, mas ainda tem força. Está ferido, acuado, na defensiva, mas não menos perigoso.

6 - Ser preso seria uma derrota, mas não irreversível, se conseguir preservar a influência de massas que conquistou. A linha do discurso foi uma manobra apostando na possibilidade de ampliação de alianças com a direita liberal. Já sabemos que há uma posição consolidada em frações da burguesia liberal, que defendeu a terceira via nas eleições, que denuncia Alexandre de Moraes pelos “excessos” das longas penas de prisão contra os “arruaceiros” do 8 de janeiro. Anistia, pacificação política, e defesa da legitimidade da extrema-direita como corrente eleitoral foram as bandeiras de Bolsonaro na Paulista. Explora uma brecha delicada. Não pode ser condenado, sem que os generais de quatro estrelas que estiveram até o fim ao seu lado, sejam, também, colocados na prisão. No Brasil generais golpistas nunca foram julgados e condenados.     

7 - A ultradireita está realizando um giro tático ou reposicionamento político, desde a derrota eleitoral e, sobretudo, desde o fracasso da sublevação do 8 de janeiro do ano passado. O seu projeto é garantir uma presença legal do “movimento” que assegure o direito de participar nas disputas eleitorais deste ano, e acumulação de forças para concorrer com Bolsonaro à presidência em 2026, como Trump está fazendo este ano nos Estados Unidos. Mesmo se for preso, portanto, qualitativamente, enfraquecido, Bolsonaro quer ser candidato. O ato obedece ao cálculo de que tem força social e política para tentar escapar da prisão. Bolsonaro quer negociar, mas a partir de uma posição de força.  

8 - A conjuntura colocou nas mãos da esquerda o desafio da luta pela Prisão de Bolsonaro e dos generais golpistas. O maior perigo agora seria a divisão da esquerda. A esquerda não pode recuar da bandeira Sem Anistia, sem que uma desmoralização irreparável nos atinja. Aqueles que argumentam que a luta pela prisão de Bolsonaro é uma armadilha, porque a ida para a cadeia o “martirizaria” estão errados. A base social do bolsonarismo tem várias camadas. Há um “núcleo duro”, em torno de 10% neofascistas no país, algo em torno de 15 milhões de pessoas, que é inexpugnável. Mas uma simpatia menos ideológica pela extrema-direita alcança mais 15% ou até 20%. O impacto dos julgamentos vai produzir uma erosão em dezenas de milhões de pessoas, em especial nas camadas populares. A Prisão de Bolsonaro não será somente uma batalha jurídica. Não pode repousar somente na autoridade do STF. Será uma campanha pela consciência popular. Não podemos desistir nunca da parcela da classe trabalhadora que foi atraída pelo bolsonarismo. A condenação de Bolsonaro e dos generais seria a maior vitória democrática desde a vitória eleitoral de Lula, ou até desde o fim da ditadura.

9 - Na esquerda devemos ter a lucidez de compreender que a relação social de forças não inverteu. O país continua fragmentado, e a extrema-direita mantém mais peso na parcela politicamente ativa da sociedade, mais ativista nas redes e, também, nas ruas. Mas a relação política de forças mudou, favoravelmente, porque Lula venceu as eleições. Evoluiu para melhor com a firmeza de Alexandre de Moraes contra os golpistas. Só que nada permanece estático, e o que não avança, recua. Quando foi a última vez que a esquerda botou tanta gente na Paulista? Dia da vitória de Lula, em 2022? Tsunami da educação, em 2019? Ele não, em 2018? Vai ser difícil? A única resposta honesta é sim. Mas o bolsonarismo não pode continuar mantendo hegemonia nas ruas e redes, indefinidamente. A pior derrota, já sabemos, é aquela sem luta. Todos os partidos de esquerda, os movimentos sociais populares do campo e cidade, de mulheres e negros, estudantis e da cultura, LGBT’s e ambientais estão chamados a dar um passo em frente e organizar a resposta nos dias 8 e 24 de março.

 

Ø  Lula ‘tranquiliza’ Bolsonaro: “primeiro você vai ser julgado”. Por Aquiles Lins

 

O presidente Lula concedeu entrevista ao jornalista Kennedy Alencar e criticou o pedido de anistia feito por Jair Bolsonaro na manifestação de domingo (25) na avenida Paulista. Durante entrevista à revista Oeste, Jair Bolsonaro defendeu a insólita possibilidade de o governo Lula propor ao Congresso uma anistia aos golpistas que participaram do 8 de janeiro. “No fechamento [do ato de domingo], fui para cima do apaziguamento, com anistia, e isso precisa vir do lado de lá. Eu sei que o Parlamento é o ente que decide essa questão, mas, partindo do Executivo, seria muito bem-vindo”, disse Bolsonaro, que em seguida admitiu achar “muito difícil” que o governo fizesse tal medida. Ora vejam, pedir que o presidente Lula, que assim como o povo brasileiro foi vítima de uma tentativa de golpe contra sua eleição legítima, protagonize um pedido de impunidade contra os principais responsáveis pelo levante fracassado de 8 de janeiro é uma ousadia acima da média para o bolsonarismo. E é também o desespero de alguém que está com medo da prisão. 

Diante da aflição do líder da extrema direita, o presidente Lula respondeu que Bolsonaro está confessando crimes ao pedir anistia e lembrou da trajetória judicial que aguarda o capitão. "Primeiro você vai ser julgado, você cometeu muita barbaridade. Você vai ser julgado, apreciado. Vai ter seu advogado de defesa. Eu só quero que você tenha a presunção de inocência que eu não tive. Quero que você tenha pra você dizer o que fez e o que não fez. É um direito seu, um direito da democracia. E é isso que eu garanto para o meu melhor amigo e para o meu pior inimigo: o direito de defesa pleno", afirmou o presidente na entrevista. "Está pedindo anistia? Você quer apagar a bobagem que fez? A bobagem é que ele se acovardou, pensou o golpe, não teve coragem. Foi embora para os EUA com antecedência, achando que ia acontecer [o golpe], que a sociedade iria sair todo mundo apavorado e ele ia voltar ungido pelas massas. E não foi isso o que aconteceu. O que aconteceu é que as instituições assumiram a responsabilidade pela democracia e você agora está em um processo de investigação", continuou Lula. 

A prisão de Jair Bolsonaro será uma consequência da Justiça diante de todos os crimes cometidos por ele contra o povo, a democracia e a economia do país. Seja a resposta sobre a tentativa de golpe de estado, sejam os crimes na pandemia de Covid que matou 700 mil brasileiros, seja a apropriação de joias e presentes. Anistiar Jair Bolsonaro está fora dos propósitos do sistema político e do sistema judiciário do país. Não vivemos mais na ditadura, nem Bolsonaro nem os militares receberão atestado de impunidade por atentarem contra a soberania do povo. Entretanto, a reafirmação do lema Sem Anistia deve estar na pauta política do dia. É necessário deixar cada vez mais claro que a população não irá aceitar outro desfecho que não a responsabilização de todos os golpistas, incluindo o seu líder.

 

Fonte: Fórum/Brasil 247

 

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