Unicamp cria método para garantir qualidade
na produção doméstica de remédios de maconha
Um projeto
desenvolvido pelo laboratório do Centro de Informação e Assistência
Toxicológica da Unicamp (CIATox) criou um modelo capaz de controlar a qualidade
dos óleos de cannabis produzidos de forma doméstica por famílias ou
associações.
O objetivo é dar mais
segurança para quem usa produtos medicinais à base de maconha. Nos últimos dois
anos, o trabalho analisou cerca de 900 amostras de todo Brasil e agora busca
demonstrar um avanço científico sobre o uso da planta em tratamentos de saúde.
>>> O que é o
controle de qualidade feito pela Unicamp
O controle de
qualidade realizado na Unicamp é um desdobramento do projeto de doutorado
conduzido pela pesquisadora Marilia Santoro Cardoso, que desenvolveu um método
capaz de determinar 12 canabinoides – estruturas químicas que definem a
composição desses produtos.
🔬 Entenda como o projeto funciona passo a passo:
1. Os pacientes e associações extraem os
óleos de cannabis e enviam lotes para o CIATox;
2. No laboratório, que fica em Campinas
(SP), os pesquisadores fazem uma análise de teor;
3. A avaliação é capaz de determinar quais
canabinoides estão presentes e em que quantidade;
4. Por último, os lotes são devolvidos com
detalhes da composição.
• Por que o controle de qualidade é
importante
Segundo o pesquisador
José Luiz da Costa, que coordena o CIATox, o serviço possibilita que o paciente
saiba exatamente o que compõe o óleo extraído de maneira doméstica, já que esse
tipo de produção não tem um controle regulamentado e pode apresentar alguns
riscos que são atenuados pelo projeto.
“Todo produto
medicinal precisa ter um controle de qualidade para você ter um resultado
eficaz. Você precisa saber qual a dose correta e se a substância está
adequada”.
“Às vezes o paciente
precisa tomar um produto com mais canabidiol [CBD] ou com mais
tetrahidrocannabidiol [THC]. Ele precisa ter a certeza de que está tomando o
remédio certo. Se o tratamento precisa ser constante, é importante padronizar o
extrato que conseguiu”, completa o professor.
>> Isso
significa, por exemplo, que:
• Se a análise mostrar que a fórmula não é
a ideal para aquele caso – por exemplo, se tiver mais THC do que o indicado –,
o paciente poderá fazer adaptações;
• Já se a fórmula estiver adequada, ele
poderá manter aquela receita para os próximos extratos, pois terá mais
precisão.
👨🔬 Esse cuidado é relevante porque cada pessoa tem um sistema
endocanabinoide único, ou seja, tem receptores no próprio corpo que recebem e
reagem de maneira individual aos componentes da maconha. Por isso o tratamento
deve ser personalizado.
Como ainda há uma
variedade limitada de produtos autorizados para a venda, o paciente pode ter
dificuldade de encontrar uma fórmula precisa para atender às necessidades dele.
Por isso, apesar dos riscos, há quem prefira produzir o próprio óleo para garantir
a assertividade para seu caso.
“Muitas associações e
muitos pacientes dependem dessa análise da Unicamp. Hoje o trabalho é bem
estruturado. A gente está até buscando acreditação junto ao Inmetro [Instituto
Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia] para esse ensaio, que é uma forma
dele ser reconhecido. A gente está buscando fazer essas análises dentro de um
sistema de qualidade reconhecido internacionalmente”.
• Ampliação do projeto
Costa comenta que o
projeto nasceu de forma despretensiosa, mas pela alta demanda foi ampliando
significativamente sua atuação. “A gente foi conversando com algumas
associações que chegavam e elas pediam para fazer um convênio com a Unicamp”.
“Só que, até então,
era um projeto de doutorado. Até que algumas associações falaram: 'eu te dou os
reagentes para fazer a análise, podemos fazer de tal forma'. Aí esse negócio
foi se desenvolvendo um pouco mais”, completa.
Em dezembro do ano
passado, o trabalho desenvolvido pelo CIATox foi contemplado com um edital da
Frente Parlamentar da Cannabis Medicinal e do Cânhamo de São Paulo, da
Assembleia Legislativa do estado (Alesp) e receberá uma verba de R$ 180 mil, o
que pode contribuir para sua ampliação.
Vista aérea do campus
da Unicamp, em Campinas, onde fica o CIAtox — Foto: Reprodução/EPTV
Com o investimento,
além da análise de teor das amostras, o projeto também vai avaliar a pureza dos
óleos, identificando a eventual presença de praguicidas, solventes, entre
outros componentes que poderiam comprometer a qualidade.
Um trabalho que pode
ampliar a segurança dos pacientes já que a produção "caseira" está
mais exposta a contaminações, como explica a pós-doutora pela Faculdade de
Medicina da USP e presidente da Associação Médica Brasileira de
Endocanabinologia, Ana Gabriela Hounie.
"Em remédios
caseiros há risco de contaminação por fungos e pesticida, caso não seja uma
produção orgânica feita em estufa, e por metais pesados, caso a terra usada
também não seja analisada”,
“A produção pela
indústria tem maior chance de ser fiscalizada e analisada para manter padrões
de qualidade”, completa.
• Associação beneficiada
A expectativa é
continuar contribuindo com iniciativas como a Santa Cannabis, de Santa
Catarina, que já recebe esse suporte da Unicamp. Fundada em 2019 para ajudar
pessoas que precisam do tratamento, a associação tem hoje respaldo jurídico
para cultivar, produzir e oferecer produtos medicinais a preço acessível (. Em
quatro anos, cerca de 4,5 mil pacientes foram atendidos.
"[O controle de
qualidade] dá a segurança para que os médicos possam receitar produtos de
associações. Através dessa análise, a gente sabe a quantidade de canabinoides.
Graças a esse processo, nossos produtos têm um QR Code que permite a médicos e
pacientes consultarem os componentes", afirma Pedro Sabaciauskis,
idealizador da Santa Cannabis.
Anos depois de
observar os efeitos da maconha medicinal no tratamento de sua avó dona Edna,
diagnosticada com Parkinson – e de concluir que mais pessoas deveriam ter
acesso a isso –, Pedro acredita e defende o potencial do Brasil, do cultivo ao
laboratório, em produzir medicinais canábicos tão eficientes quanto os
internacionais.
"Isso prova que a
gente consegue entregar remédio, de brasileiro para brasileiro, com qualidade
até maior do que os importados, que chegam aqui com teste de certificação de
dois, três, quatro canabinoides. A Unicamp consegue até mais. Essa segurança,
respaldo científico, reflete na aceitabilidade e efetividade, que refletem em
qualidade de vida".
Entenda os caminhos regulamentados para
ter acesso à maconha medicinal no Brasil
O uso da maconha para
fins medicinais é apontado como alternativa para, pelo menos, 20 quadros de
saúde. No entanto, a planta é proibida no Brasil e, atualmente, o acesso a esse
tipo de terapêutico é regulamentado exclusivamente por dois caminhos: a compra
de produtos autorizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)
e a importação.
Nesses processos, há
também a possibilidade de acionar a Justiça para que a obtenção seja feita pelo
Sistema Único de Saúde (SUS) ou plano de saúde.
Em busca de explicar
os trâmites para estas aquisições, o g1 consultou a Anvisa e conversou com os
advogados Leonardo Sobral Navarro, que é especialista em direito médico, e
Vanessa Sinhorini, presidente da Comissão de Saúde da OAB Campinas.
<<<< Como
comprar produtos de cannabis medicinal no Brasil
Questionada sobre o
tema, a Anvisa detalhou que divide os medicinais de cannabis em duas
categorias:
• 💊 medicamentos: para qual se aplicam todas as normas de
medicamentos, incluindo eficácia, segurança, obrigatoriedade de estudos
clínicos, entre outros;
• 🌿 produtos derivados de cannabis: que não são considerados
medicamentos, pois não atendem às mesmas exigências.
O único medicamento
autorizado hoje no país é o Mevatyl, indicado para pacientes com esclerose
múltipla. Já entre os derivados, até janeiro de 2024, estavam liberados
aproximadamente 20, incluindo óleos para consumo terapêutico.
👉 A lista é atualizada constantemente e pode ser consultada no
site oficial da Anvisa.
De acordo com a
resolução 327/2019 da agência, os pacientes podem comprar medicamentos e
derivados autorizados diretamente nas farmácias e drogarias de todo o Brasil.
Para isso:
1. o médico deve fazer a prescrição do
medicamento ou derivado liberado usando receita especial;
2. com a receita, o paciente pode comprar na
farmácia que quiser, como qualquer outro remédio.
• Como importar produtos de cannabis
medicinal para o Brasil
Outra opção prevista
pela resolução 660/2022 é a importação de produtos derivados da cannabis
fabricados em outros países. Neste caso, não há necessidade de receita médica
especial.
1. o médico prescreve o produto em receita
simples;
2. o paciente faz um cadastro pessoal no
site da Anvisa;
3. o paciente cadastra a receita e registra
o pedido de importação;
4. se a Anvisa autorizar, o paciente poderá
importar de forma regular;
5. munido da autorização, o paciente pode
fazer a importação por remessa expressa, licenciamento de importação no
Siscomex ou bagagem acompanhada. .
📈 Dados da Anvisa mostram que essa modalidade tem registrado
aumento nos últimos anos. Apenas em 2023, a agência concedeu cerca de 126 mil
autorizações para importação de janeiro a novembro. No ano anterior, até
dezembro, foram 80 mil.
• Fornecimento pelo SUS ou plano de saúde
Embora sejam
possibilidades, compra e importação não são acessíveis para todo mundo. Entre
os derivados de cannabis, o valor de um frasco, que pode variar de acordo com o
laboratório e a formulação, pode passar dos R$ 2 mil. Quem não tem condição de
pagar pode acionar a Justiça, como afirma o advogado.
“O paciente pode
judicializar, desde que comprove todos os requisitos. Essa judicialização pode
ser contra o SUS [Sistema Único de Saúde] ou contra os planos de saúde. Existem
requisitos específicos, mas a pessoa pode judicializar o fornecimento dessas medicações.
Isso vem acontecendo e a gente observa que o comportamento do judiciário é
sempre no resguardo à saúde”.
🏥 Como acionar o SUS
Vanessa explica que o
paciente deve fazer o pedido à secretaria Municipal ou Estadual de Saúde, que poderão
responder de forma negativa. “A partir do momento que a pessoa tiver uma
negativa do SUS, que pode levar mais de 70 dias para acontecer, ela consegue
ajuizar uma solicitação”.
“Eu costumo recomendar
que meus clientes façam o pedido administrativo e, a partir do momento que eles
tiverem esse protocolo, já acionem a justiça. É um pouco moroso a resposta. Em
alguns município é mais de 60 dias, isso quando respondem”.
Apesar da espera, a
advogada explica que a Justiça tende a ser favorável nesses casos, pois
envolvem direito à saúde.
🏥 Como acionar o plano de saúde
Por outro lado, a
advogada diz que o plano de saúde tende a ser mais rápido. “A partir do momento
que tiver a prescrição, o paciente faz o pedido no plano. Tem um prazo
estabelecido pela ANS [Agência Nacional de Saúde Suplementar] que é de 21 dias
úteis. No momento que negou, tem 24 horas para dar a negativa por escrito e, a
partir disso, a pessoa pode pedir na justiça a medicação”.
• Estado de São Paulo
👉 No estado de São Paulo esse processo se propõe a ser
simplificado. Um decreto publicado no ano passado regulamenta a política de
distribuição gratuita de medicamentos à base de canabidiol vegetal, derivado da
planta da maconha, por meio do SUS, para alguns casos. Para isso, o paciente
precisa ter prescrição médica, passar por acompanhamento periódico e seguir
protocolos clínicos.
• Associações de cannabis terapêutica
Há ainda a
possibilidade de recorrer às associações brasileiras que se organizam para
produzir, vender a baixo custo ou oferecer gratuitamente produtos terapêuticos
de cannabis. Embora a prática não seja regulamentada e, em tese, configure
crime, essas entidades contam com o respaldo de habeas corpus. O documento
obtido por via judicial garante a liberdade, impedindo a prisão de responsáveis
ou apreensão das produções.
Uma médica de Campinas
(SP) que preferiu não se identificar contou ao g1 que tem orientado seus
pacientes a recorrerem a essa alternativa. "Eu comecei a fazer contato com
as distribuidoras e importadoras. Todas eu achava o preço bastante absurdo para
o meu público, porque eu trabalho com saúde pública. No caso das associações,
eu encontrei um valor bem possível. O produto custa menos da metade, um terço,
da medicação importada".
"Grande parte das
associações têm também o que elas chamam de atendimento social. Então, eles
estudam o caso da pessoa, têm médicos que atendem e fazem uma consulta sem
cobrar e a associação oferece o tratamento gratuitamente".
Fonte: g1
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