terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

Segurança pública vira fonte de dupla pressão para Lula no Congresso

Após sofrer uma derrota no Senado com a aprovação do fim das saídas temporária de presos em datas comemorativas, o governo Lula (PT) teme que outros temas ligados à segurança pública isolem partidos de esquerda no Legislativo e deixem o presidente entre a pressão do Congresso e a de sua base eleitoral mais fiel.

O debate na votação que restringiu as saidinhas expôs a dificuldade da base do governo em lidar com propostas sobre combate à criminalidade historicamente mais vinculadas à direita.

Integrantes da bancada da bala no Congresso dizem que projetos similares também entrarão em pauta neste ano por terem apelo popular e serem vistos como pauta positiva pelos presidentes das duas Casas.

O aumento de pena para roubo de celular, as restrições à progressão de pena, o endurecimento do Código de Processo Penal e a determinação para presos arcarem com custos de tornozeleira eletrônica são alguns exemplos nesse sentido.

O Palácio do Planalto atua para que o Legislativo foque apenas nas propostas econômicas, e teme a imposição de derrotas em série ao Executivo caso os parlamentares se debrucem sobre temas vinculados à segurança pública.

Apenas os senadores Cid Gomes (PDT-CE) e Rogério Carvalho (PT-SE) votaram contra o projeto das saidinhas, contra 62 votos favoráveis. Durante a sessão, o líder do governo na Casa, Jaques Wagner (PT-BA), deixou claro o desconforto com a matéria.

"Ficou claro nesse debate, até quando se olha para o painel, o grande número de partidos que são da base do governo e orientaram voto 'sim'. Não adianta aqui eu confrontar lideranças partidárias", afirmou. "Entendi todas as razões, matéria apaixonante, fui governador por oito anos, sei o que está acontecendo na segurança", disse Wagner.

O projeto voltou para a Câmara e a tendência é que seja aprovado em breve. Depois disso, a matéria seguirá para sanção de Lula. Ele já sofre pressão de aliados mais à esquerda para vetar a proposta.

O argumento dos que defendem o veto é que a ampliação do encarceramento não é a solução para o problema do país e que o governo tem que investir em medidas de ressocialização para recuperar jovens presos.

No entanto, a articulação política do governo recomendou ao mandatário que não derrube a proposta porque a chance de o veto ser revertido é grande.

Agora, a tendência é que os deputados mantenham o texto da Casa vizinha. Depois disso, o texto será encaminhado para o presidente.

Outro projeto que pode chegar à mesa de Lula neste ano diz respeito ao aumento de penas para quem comete furto, furto qualificado, roubo, roubo com lesão corporal grave, latrocínio (roubo seguido de morte) e receptação.

Entre as mudanças aprovadas pela Câmara estão a elevação das sanções mínimas de furto (de um para dois anos de reclusão), de roubo com lesão corporal grave (de 7 anos para 16 anos de reclusão) e de latrocínio (de 20 para 24 anos de reclusão).

A previsão é que a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado aprove a matéria em março e há uma pressão para que o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), não demore a levar o caso ao plenário.

Há uma articulação para que o texto da Câmara não seja alterado, o que representaria a conclusão do debate no Congresso e a ida imediata da matéria para sanção presidencial.

Os deputados aprovaram o texto com 269 votos a favor e 87 contrários e o comportamento dos partidos deixou clara a derrota do governo.

Parlamentares governistas apresentaram requerimentos que retiravam o projeto da pauta, que adiavam a discussão da matéria e que adiavam a votação, mas não tiveram sucesso.

No Senado, a aprovação é dada como certa. Depois disso, Lula deverá enfrentar um dilema similar ao caso das saidinhas, com pressão para sancionar a fim de não contrariar a maioria da Câmara e também para vetar para se manter próximo à sua base de esquerda mais fiel.

O autor da proposta, Kim Kataguiri (União Brasil-SP), é pré-candidato a prefeito de São Paulo e afirma que a postura de seus dois concorrentes à esquerda na disputa municipal indicam a dificuldade do campo progressista com temas de combate à violência.

"Nem [os deputados] Guilherme Boulos [PSOL-SP] e Tabata Amaral [PSB-SP] votaram, porque na realidade são contra, mas sabem que a posição deles de desencarceramento e afrouxamento da lei penal é impopular, ainda mais diante do fato de que a principal pauta da eleição em São Paulo é a segurança pública", diz.

Outros projetos desta natureza também estão em curso no Legislativo. Um deles visa tornar obrigatória a decretação de prisão preventiva na audiência de custódia em casos de crimes hediondo, roubo e associação criminosa qualificada quando for configurada reincidência.

O autor, deputado Coronel Ulysses (União Brasil-AC), conseguiu a assinatura de líderes da Casa que representam 13 partidos que pedem a instituição de urgência para o texto, o que dispensa a tramitação em comissões e remete a matéria direto para análise do plenário.

A percepção entre parlamentares é que os projetos ligados à segurança pública têm apoio popular e, por isso, a chance de aprovação é sempre alta. Nesses casos, os parlamentares mais à direita conseguem o apoio das siglas de centro e conquistam maioria em favor das propostas.

Pesquisa Datafolha de setembro do ano passado apontou que seis em cada dez brasileiros sentem insegurança ao caminhar pelas ruas das cidades onde moram.

Os deputados do campo progressista, por sua vez, afirmam que endurecer as penas e aumentar a população carcerária não é o caminho para resolver os problemas do país.

As saídas temporárias, por exemplo, foram defendidas pela rede Justiça Criminal, que considera a medida um importante instrumento para manutenção de laços familiares, inserção e permanência no mercado de trabalho e para o acesso a outras oportunidades.

 

       Ministro do Trabalho acumula promessas que não saem do papel

 

O ministro Luiz Marinho (Trabalho) realizou promessas em seu primeiro ano à frente da pasta que ainda não conseguiu tirar do papel.

No rol, destacam-se a regulamentação de trabalhadores por aplicativo, que ele próprio já classificou como "semiescravo" e mudanças nas regras do saque-aniversário do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), além de pontos da reforma trabalhista.

A garantia de regras trabalhistas e previdenciárias para plataformas de serviços foi tema amplamente discutido desde a campanha eleitoral. O próprio presidente Lula (PT) cita as difíceis condições desses trabalhadores em alguns de seus discursos.

"As empresas de aplicativo exploram os trabalhadores como jamais em outro momento na história os trabalhadores foram explorados", afirmou o petista em uma dessas manifestações.

O governo realiza mesas de negociação entre entidades sindicais e das empresas de aplicativo, mas até hoje não chegaram a um acordo sobre a regulamentação.

No final do ano passado, Marinho participou da live semanal de Lula, Conversa com o Presidente, em que disse haver dificuldades para fechar uma redação da proposta que regulamenta a atividade desses trabalhadores.

"Com o transporte de pessoas, o acordo está formalizado do ponto de vista dos valores, dos procedimentos, do conceito. Nós estamos com muita dificuldade para fechar a redação do acordo porque na prática será o projeto para submeter ao Parlamento para virar lei. E aí estamos com uma dificuldade ali com os advogados, mas creio que a gente acerta neste ano", afirmou o ministro, em 5 de dezembro passado.

Ele repetiu ainda que não haveria acordo em relação aos trabalhadores de aplicativos que fazem entrega, mas que uma proposta deve ser encaminhada mesmo assim, ainda que não tenha dado prazo.

A primeira vez que o ministro prometeu um desfecho para o tema foi durante sua posse, em janeiro de 2023, quando disse que resolveria ainda no primeiro semestre do mandato de Lula.

Na ocasião, Marinho também disse que a pasta entregaria ao Congresso Nacional nos meses seguintes uma política de valorização permanente do salário mínimo, o que de fato ocorreu. O presidente sancionou a medida com a política de reajustes acima da inflação, em agosto.

Também durante a live de final de ano, ao lado do presidente Lula (PT), o ministro do Trabalho e Emprego pediu "desculpas" aos trabalhadores que foram demitidos e não conseguiram sacar seu FGTS por adesão ao saque-aniversário do FGTS. Na ocasião, ele disse que ainda não tinha sido possível concluir a proposta que muda as regras dessa modalidade.

O imbróglio até o momento não foi resolvido. Havia uma avaliação no Planalto de que a proposta pode enfrentar dificuldades durante a tramitação, porque deputados e senadores resistem a modificar ou abolir uma regra que eles próprios aprovaram.

A proposta que alterou as regras na época foi criada por meio de uma medida provisória editada pelo governo Jair Bolsonaro (PL) e ganhou o apoio das bancadas, tanto governista como de oposição.

Segundo auxiliares palacianos, o texto com as mudanças propostas já estava na Casa Civil, mas foi retirado pelo Trabalho.

O Palácio do Planalto quer levar adiante essa proposta quando fechar uma outra: a substituição do empréstimo com garantia no saque-aniversário por um crédito consignado contratado na plataforma FGTS Digital, que reunirá dados repassados pelo eSocial.

Outro tema sensível no governo é a revisão de trechos da reforma trabalhista. Auxiliares de Lula negam que seja uma prioridade de governo, mas o ministro já defendeu isso publicamente em diferentes ocasiões.

Desde a sua posse, Marinho descarta uma revogação completa da reforma, mas defende rever trechos, como o que trata da terceirização.

Uma preocupação na discussão do tema é com o custeio do movimento sindical e a autorregulação da estrutura sindical, assuntos em discussão também entre as entidades trabalhistas e patronais.

Segundo o presidente da UGT, Ricardo Patah, a dificuldade em chegar a consensos nas negociações se deu porque as empresas estiveram menos flexíveis durante as negociações, em todos os temas.

Patah espera ver um desfecho até abril, inclusive sobre a regulamentação dos serviços por aplicativos. A expectativa das centrais é poder exaltar tais conquistas nos atos de 1º de maio, Dia do Trabalhador.

"Já imaginávamos que fosse difícil, mas foi mais. Mesmo assim temos que estar valorizando esse diálogo, sem isso não vai sair nada do papel", disse.

Procurado, o Ministério do Trabalho não se manifestou sobre as promessas não cumpridas de Marinho.

•        Promessas do Ministério do Trabalho

O que não saiu do papel

Regulamentação de trabalhadores por aplicativo

Mudanças nas regras de saque-aniversário do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço)

Revisão de trechos da reforma trabalhista, como terceirização

•        O que saiu do papel

Política de valorização permanente do salário mínimo, com reajustes acima da inflação

 

Fonte: FolhaPress

 

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