segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Pico da dengue deve ocorrer até maio, e frear alta de casos é desafio, alerta consultor da OMS

O Brasil pode chegar a 4,2 milhões de casos de dengue em 2024, segundo estimativas do Ministério da Saúde, quase o triplo do que foi registrado ano passado, cerca de 1,6 milhão. Especialistas ouvidos pelos g1 concordam que 2024 deve ter recordes históricos de casos e de mortes.

Para Kleber Luz, infectologista da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e consultor da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a elaboração de diretrizes estratégicas para prevenção e controle das arboviroses, será muito difícil reverter a explosão de casos no país.

"Isso vai acontecer, é pouco provável que o governo consiga conter [a alta nos casos]. Mas é preciso mitigar o problema. Capacitar médicos, enfermeiros, equipes de saúde para tratar a dengue de forma adequada, disponibilizar insumos, como soro, para que as pessoas sejam tratadas. O que devemos fazer é evitar as mortes", alerta o consultor da OMS.

Até 22 de fevereiro, o Brasil contava com mais de 740 mil casos prováveis de dengue, um aumento de quase 350% em relação ao mesmo período ano passado.

São 151 mortes confirmadas por dengue e 501 sob investigação. Nos dois últimos anos, além da explosão de casos, o país também registrou recorde de mortes. Foram 1.053 óbitos em 2022 e 1.094 em 2023 - em toda a série histórica (2000-2023), o Brasil nunca tinha ultrapassado a marca de mil óbitos.

Segundo o Centro de Operações de Emergências do governo federal, cinco estados (AC, GO, MG, ES e RJ) e o DF declararam emergência em saúde pública por causa da dengue.

A curva está tendo uma inclinação muito positiva desde o início do ano, e isso é ruim. O gráfico deveria subir mais lentamente, e não é isso que estamos vendo. A expectativa é que a gente bata todos os recordes de dengue em 2024, já que a largada começou com alta velocidade — Kleber Luz, infectologista e consultor da OMS

•        Mas quando deve ocorrer o "pico" da dengue?

Segundo o infectologista Alexandre Naime, coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), essa é a pergunta do milhão.

"Só dá para adivinhar o pico quem tiver a bola de cristal. Depende muito das condições climáticas. Se tivermos temperaturas muito altas, muita chuva, o pico pode ser entre abril e maio. Se ocorrer o contrário e a temperatura cair, pode ser em março e abril".

Se olharmos para 2023, o ápice da doença foi na semana epidemiológica 15 (de 9 a 15 abril). Em 2019 e 2022, dois anos em que o Brasil registrou mais de um milhão de casos, o pico ocorreu em maio. Não é possível prever em qual semana isso irá acontecer em 2024, mas os especialistas acreditam que a curva deve começar a cair no inverno.

"Junho e julho serão meses de queda de casos. É quando temos a diminuição histórica da temperatura", diz Naime.

•        Curva de casos em 2024

A curva de casos de dengue começa a "positivar" geralmente no final de março e começo de abril. Neste ano, o crescimento vem sendo observado desde janeiro.

Três semanas de 2024 tiveram números de casos superiores à semana ápice de 2023, e essa tendência deve se manter.

"Quanto maior o período de calor e chuva, maior a chance de estender o período de maior incidência de dengue por conta da maior facilidade que o mosquito tem de reproduzir. Isso tem correlação direta com mudanças climáticas", diz Alexandre Naime.

A dengue possui quatro sorotipos diferentes: DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4 — todos podem causar as diferentes formas da doença. Se você teve dengue tipo 1, você está imune a esse sorotipo. Por isso uma pessoa pode ter dengue quatro vezes na vida.

Os tipos 1 e 2 são mais circulantes, mas em 2024 o país está vendo o retorno da dengue tipo 3 (que não aparecia há 15 anos) e a presença da infecção tipo 4. O resultado?

"Se estão circulando os quatro sorotipos, a expectativa é de ter a segunda dengue e com certeza ter a explosão de casos", explica Kleber Luz.

•        O que devemos fazer

A dengue só acontece se houver a presença do mosquito Aedes aegypti. Essa é, praticamente, a única forma de transmissão da doença que causa repercussão na sociedade. Para evitar, então, não há muito segredo: precisamos acabar com os criadouros do mosquito. E o combate depende de todos, seja a sociedade em geral, governo e profissionais de saúde.

Segundo o Ministério da Saúde, cerca de 75% dos criadouros do mosquito transmissor estão nos domicílios, como em vasos e pratos de plantas, garrafas retornáveis, pingadeira, recipientes de degelo em geladeiras, bebedouros em geral e materiais em depósitos de construção (sanitários estocados, canos e outros). Esses criadouros permitem a proliferação da fêmea do mosquito Aedes aegypti (transmissora da dengue).

"O controle é vetorial, precisamos combater o mosquito. A população precisa ser educada, entender que a dengue é uma doença grave e devemos controlar o criadouro. Já os gestores precisam disponibilizar larvicidas, fumacê, distribuição de inseticidas", diz Kleber Luz.

O infectologista e consultor da OMS lembra que a dengue mata pessoas absolutamente saudáveis e de qualquer idade. Por isso, ao apresentar os primeiros sintomas, a pessoa deve procurar uma unidade de saúde para diagnóstico e tratamento adequados, visto que a infecção pode evoluir rápido e o óbito pode vir no terceiro ou quarto dia.

"A dengue é uma doença completamente tratável, com baixo índice de óbito se o paciente procurar atendimento precocemente. Se eu faço uma intervenção adequada, classifico o paciente no grupo correto e manejo adequadamente, eu tenho baixo índice de óbito", completa Alexandre Naime.

 

       Entenda por que a forma grave da Dengue não deve ser chamada de hemorrágica

 

Por muitos anos, a forma mais severa da dengue foi classificada como "dengue hemorrágica", mas o termo não é mais usado pela comunidade médica. Em 2009, a Organização Mundial da Saúde (OMS) alterou para "dengue grave", movimento aderido pelo Ministério da Saúde em 2014.

Especialistas ouvidos pelo g1 explicam que a alteração no termo ocorreu porque a hemorragia não é o principal sintoma da forma mais severa da doença. Em muitos casos, ela NÃO se manifesta:

"O termo dengue hemorrágico remete à hemorragia e o que mata na dengue não é a hemorragia, é a desidratação. Temos relatos de várias situações em que os próprios pacientes não identificam seus sintomas de agravamento por conta do nome errado dengue hemorrágica", afirma o epidemiologista André Ribas Freitas, professor da Faculdade São Leopoldo Mandic.

O infectologista Alexandre Naime, coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e professor da Unesp, reforça que o termo "hemorrágica" causou confusões até mesmo nos atendimentos médicos. "A hemorragia é apenas um dos sintomas de gravidade. Quando o paciente não tinha sangramento, muitas vezes erroneamente, a infecção era interpretada como caso leve", afirma Naime.

"Quando a dengue agrava, você tem um consumo maior de plaquetas e isso tende ao sangramento, mas nem sempre isso acontece" - Renato Kfouri, infectologista e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).

•        Classificação da infecção

Alexandre Naime explica que a dengue tem quatro tipos de classificação do ponto de vista clínico:

•        Tipo A (dengue clássica) - apresenta febre, dor no corpo, articulações, vermelhidão, mas sem sinais de alarme, sem condição especial, sem risco social e sem comorbidades. O paciente deve ser monitorado com hidratação oral.

•        Tipo B (dengue clássica) - o paciente que não apresenta sinais de alarme, mas tem condições especiais, risco social ou comorbidades, como hipertensão, ter mais de 65 anos, diabetes, asma, obesidade. Ele pode apresentar evolução desfavorável e deve ter acompanhamento diferenciado. Também é indicado o monitoramento com hidratação oral.

•        Tipo C (sinais de alarme) - o paciente apresenta sinais de alarme e a doença pode evoluir para a forma mais grave. Apresenta queda na pressão arterial, vômitos, dor abdominal, diarreia, queda nas plaquetas. Hidratação deve ser venosa.

•        Tipo D (dengue grave) - extravasamento grave de plasma, levando ao choque evidenciado por taquicardia, extremidades distais frias, pulso fraco, hipotensão arterial (pressão muito baixa), sangramento grave, comprometimento grave dos órgãos.

Naime ressalta que, no passado, os pacientes chegavam em choque, com pressão baixa e sem hemorragia e não eram diagnosticados com dengue grave, porque não tinham sangramento.

"O paciente deve procurar atendimento médico logo nos primeiros dias de sintomas. A dengue é uma doença completamente tratável, com baixo índice de óbito se o paciente procurar atendimento precocemente, quando ainda está no tipo A. Se eu faço uma intervenção adequada, classifico o paciente no grupo correto e manejo adequadamente, eu tenho baixo índice de óbito", pontua o infectologista da Unesp.

•        Sintomas da dengue

Nem sempre a infecção apresenta sintomas. O indivíduo pode ter uma dengue assintomática ou ter um quadro leve.

Mas é preciso ficar atento se a pessoa tiver febre alta (39ºC a 40ºC), de início repentino, acompanhada por pelo menos outros dois sintomas:

•        Dor de cabeça intensa

•        Dor atrás dos olhos

•        Dores musculares e articulares

•        Náusea e vômito

•        Manchas vermelhas no corpo

A forma grave é a que preocupa. Após o período febril, o indivíduo deve ficar atento aos sinais de alarme:

•        Dor abdominal intensa e contínua

•        Vômitos persistentes

•        Acúmulo de líquidos em cavidades corporais

•        Sangramento de mucosa

•        Hemorragias

O Ministério da Saúde alerta que é importante procurar um serviço de saúde para diagnóstico e tratamento adequados ao apresentar possíveis sintomas de dengue.

 

Fonte: g1

 

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