Pico da dengue deve ocorrer até maio, e
frear alta de casos é desafio, alerta consultor da OMS
O Brasil pode chegar a
4,2 milhões de casos de dengue em 2024, segundo estimativas do Ministério da
Saúde, quase o triplo do que foi registrado ano passado, cerca de 1,6 milhão.
Especialistas ouvidos pelos g1 concordam que 2024 deve ter recordes históricos
de casos e de mortes.
Para Kleber Luz,
infectologista da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e consultor da
Organização Mundial da Saúde (OMS) para a elaboração de diretrizes estratégicas
para prevenção e controle das arboviroses, será muito difícil reverter a
explosão de casos no país.
"Isso vai
acontecer, é pouco provável que o governo consiga conter [a alta nos casos].
Mas é preciso mitigar o problema. Capacitar médicos, enfermeiros, equipes de
saúde para tratar a dengue de forma adequada, disponibilizar insumos, como
soro, para que as pessoas sejam tratadas. O que devemos fazer é evitar as
mortes", alerta o consultor da OMS.
Até 22 de fevereiro, o
Brasil contava com mais de 740 mil casos prováveis de dengue, um aumento de
quase 350% em relação ao mesmo período ano passado.
São 151 mortes
confirmadas por dengue e 501 sob investigação. Nos dois últimos anos, além da
explosão de casos, o país também registrou recorde de mortes. Foram 1.053
óbitos em 2022 e 1.094 em 2023 - em toda a série histórica (2000-2023), o
Brasil nunca tinha ultrapassado a marca de mil óbitos.
Segundo o Centro de
Operações de Emergências do governo federal, cinco estados (AC, GO, MG, ES e
RJ) e o DF declararam emergência em saúde pública por causa da dengue.
A curva está tendo uma
inclinação muito positiva desde o início do ano, e isso é ruim. O gráfico
deveria subir mais lentamente, e não é isso que estamos vendo. A expectativa é
que a gente bata todos os recordes de dengue em 2024, já que a largada começou
com alta velocidade — Kleber Luz, infectologista e consultor da OMS
• Mas quando deve ocorrer o
"pico" da dengue?
Segundo o
infectologista Alexandre Naime, coordenador científico da Sociedade Brasileira
de Infectologia (SBI), essa é a pergunta do milhão.
"Só dá para
adivinhar o pico quem tiver a bola de cristal. Depende muito das condições climáticas.
Se tivermos temperaturas muito altas, muita chuva, o pico pode ser entre abril
e maio. Se ocorrer o contrário e a temperatura cair, pode ser em março e
abril".
Se olharmos para 2023,
o ápice da doença foi na semana epidemiológica 15 (de 9 a 15 abril). Em 2019 e
2022, dois anos em que o Brasil registrou mais de um milhão de casos, o pico
ocorreu em maio. Não é possível prever em qual semana isso irá acontecer em
2024, mas os especialistas acreditam que a curva deve começar a cair no
inverno.
"Junho e julho
serão meses de queda de casos. É quando temos a diminuição histórica da
temperatura", diz Naime.
• Curva de casos em 2024
A curva de casos de
dengue começa a "positivar" geralmente no final de março e começo de
abril. Neste ano, o crescimento vem sendo observado desde janeiro.
Três semanas de 2024
tiveram números de casos superiores à semana ápice de 2023, e essa tendência
deve se manter.
"Quanto maior o
período de calor e chuva, maior a chance de estender o período de maior
incidência de dengue por conta da maior facilidade que o mosquito tem de
reproduzir. Isso tem correlação direta com mudanças climáticas", diz
Alexandre Naime.
A dengue possui quatro
sorotipos diferentes: DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4 — todos podem causar as
diferentes formas da doença. Se você teve dengue tipo 1, você está imune a esse
sorotipo. Por isso uma pessoa pode ter dengue quatro vezes na vida.
Os tipos 1 e 2 são
mais circulantes, mas em 2024 o país está vendo o retorno da dengue tipo 3 (que
não aparecia há 15 anos) e a presença da infecção tipo 4. O resultado?
"Se estão
circulando os quatro sorotipos, a expectativa é de ter a segunda dengue e com
certeza ter a explosão de casos", explica Kleber Luz.
• O que devemos fazer
A dengue só acontece
se houver a presença do mosquito Aedes aegypti. Essa é, praticamente, a única
forma de transmissão da doença que causa repercussão na sociedade. Para evitar,
então, não há muito segredo: precisamos acabar com os criadouros do mosquito. E
o combate depende de todos, seja a sociedade em geral, governo e profissionais
de saúde.
Segundo o Ministério
da Saúde, cerca de 75% dos criadouros do mosquito transmissor estão nos
domicílios, como em vasos e pratos de plantas, garrafas retornáveis,
pingadeira, recipientes de degelo em geladeiras, bebedouros em geral e
materiais em depósitos de construção (sanitários estocados, canos e outros).
Esses criadouros permitem a proliferação da fêmea do mosquito Aedes aegypti
(transmissora da dengue).
"O controle é
vetorial, precisamos combater o mosquito. A população precisa ser educada,
entender que a dengue é uma doença grave e devemos controlar o criadouro. Já os
gestores precisam disponibilizar larvicidas, fumacê, distribuição de
inseticidas", diz Kleber Luz.
O infectologista e
consultor da OMS lembra que a dengue mata pessoas absolutamente saudáveis e de
qualquer idade. Por isso, ao apresentar os primeiros sintomas, a pessoa deve
procurar uma unidade de saúde para diagnóstico e tratamento adequados, visto que
a infecção pode evoluir rápido e o óbito pode vir no terceiro ou quarto dia.
"A dengue é uma
doença completamente tratável, com baixo índice de óbito se o paciente procurar
atendimento precocemente. Se eu faço uma intervenção adequada, classifico o
paciente no grupo correto e manejo adequadamente, eu tenho baixo índice de óbito",
completa Alexandre Naime.
Entenda por que a forma grave da Dengue
não deve ser chamada de hemorrágica
Por muitos anos, a
forma mais severa da dengue foi classificada como "dengue
hemorrágica", mas o termo não é mais usado pela comunidade médica. Em
2009, a Organização Mundial da Saúde (OMS) alterou para "dengue
grave", movimento aderido pelo Ministério da Saúde em 2014.
Especialistas ouvidos
pelo g1 explicam que a alteração no termo ocorreu porque a hemorragia não é o
principal sintoma da forma mais severa da doença. Em muitos casos, ela NÃO se
manifesta:
"O termo dengue
hemorrágico remete à hemorragia e o que mata na dengue não é a hemorragia, é a
desidratação. Temos relatos de várias situações em que os próprios pacientes
não identificam seus sintomas de agravamento por conta do nome errado dengue hemorrágica",
afirma o epidemiologista André Ribas Freitas, professor da Faculdade São
Leopoldo Mandic.
O infectologista
Alexandre Naime, coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia
(SBI) e professor da Unesp, reforça que o termo "hemorrágica" causou
confusões até mesmo nos atendimentos médicos. "A hemorragia é apenas um dos
sintomas de gravidade. Quando o paciente não tinha sangramento, muitas vezes
erroneamente, a infecção era interpretada como caso leve", afirma Naime.
"Quando a dengue
agrava, você tem um consumo maior de plaquetas e isso tende ao sangramento, mas
nem sempre isso acontece" - Renato Kfouri, infectologista e
vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
• Classificação da infecção
Alexandre Naime
explica que a dengue tem quatro tipos de classificação do ponto de vista
clínico:
• Tipo A (dengue clássica) - apresenta
febre, dor no corpo, articulações, vermelhidão, mas sem sinais de alarme, sem
condição especial, sem risco social e sem comorbidades. O paciente deve ser
monitorado com hidratação oral.
• Tipo B (dengue clássica) - o paciente
que não apresenta sinais de alarme, mas tem condições especiais, risco social
ou comorbidades, como hipertensão, ter mais de 65 anos, diabetes, asma,
obesidade. Ele pode apresentar evolução desfavorável e deve ter acompanhamento
diferenciado. Também é indicado o monitoramento com hidratação oral.
• Tipo C (sinais de alarme) - o paciente
apresenta sinais de alarme e a doença pode evoluir para a forma mais grave.
Apresenta queda na pressão arterial, vômitos, dor abdominal, diarreia, queda
nas plaquetas. Hidratação deve ser venosa.
• Tipo D (dengue grave) - extravasamento
grave de plasma, levando ao choque evidenciado por taquicardia, extremidades
distais frias, pulso fraco, hipotensão arterial (pressão muito baixa),
sangramento grave, comprometimento grave dos órgãos.
Naime ressalta que, no
passado, os pacientes chegavam em choque, com pressão baixa e sem hemorragia e
não eram diagnosticados com dengue grave, porque não tinham sangramento.
"O paciente deve
procurar atendimento médico logo nos primeiros dias de sintomas. A dengue é uma
doença completamente tratável, com baixo índice de óbito se o paciente procurar
atendimento precocemente, quando ainda está no tipo A. Se eu faço uma intervenção
adequada, classifico o paciente no grupo correto e manejo adequadamente, eu
tenho baixo índice de óbito", pontua o infectologista da Unesp.
• Sintomas da dengue
Nem sempre a infecção
apresenta sintomas. O indivíduo pode ter uma dengue assintomática ou ter um
quadro leve.
Mas é preciso ficar
atento se a pessoa tiver febre alta (39ºC a 40ºC), de início repentino,
acompanhada por pelo menos outros dois sintomas:
• Dor de cabeça intensa
• Dor atrás dos olhos
• Dores musculares e articulares
• Náusea e vômito
• Manchas vermelhas no corpo
A forma grave é a que
preocupa. Após o período febril, o indivíduo deve ficar atento aos sinais de
alarme:
• Dor abdominal intensa e contínua
• Vômitos persistentes
• Acúmulo de líquidos em cavidades
corporais
• Sangramento de mucosa
• Hemorragias
❗O Ministério da Saúde alerta que é importante procurar um
serviço de saúde para diagnóstico e tratamento adequados ao apresentar
possíveis sintomas de dengue.
Fonte: g1
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