segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Nilo Meza: A Política Externa brasileira no divã

Presidente Lula abalou o tabuleiro da diplomacia mundial com sua declaração crítica às ações de Israel em Gaza, durante a Cúpula da União Africana.

·        Quadro essencial

Lula, dando sinais de liderança global, fez uma comparação dramática e correta, associando a política do governo israelense na Faixa de Gaza com a campanha de Hitler, anos antes da Segunda Guerra Mundial, para exterminar o povo judeu. Na Etiópia, ele negou que exista uma guerra, e sim um há “genocídio”. Uma guerra é “entre soldados” e o que vemos na Faixa de Gaza é o conflito “entre um exército bem preparado contra mulheres e crianças”. Isso é genocídio.

Lula não falou sobre o Holocausto realizado pelo regime de Hitler contra os judeus da Europa durante a Segunda Guerra Mundial. Ele falou sobre a decisão nazista-alemã de exterminar os judeus. Mas esta verdade não importa para aqueles que defendem o sionismo bárbaro. Todos os meios de comunicação possuem os vídeos. A mídia escrita tem acesso aos depoimentos. Mas, para a direita brasileira liderada por Bolsonaro, aliada ao sionismo nazista, é melhor fazer as pessoas acreditarem que Lula disse o que não disse. “Uma verdade repetida mil vezes acaba virando verdade” diz a máxima, e resta saber se ela é capaz de fazer avançar um processo de impeachment fomentado pelos bolsonaristas.

Pela primeira vez no mundo, diante da vergonhosa e reiterada genuflexão do Conselho de Segurança da ONU frente aos Estados Unidos (terceiro veto seguido a uma resolução de cessar-fogo), o presidente Lula chama pelo nome o que está acontecendo na Faixa de Gaza. Netanyahu reagiu como um legítimo nazista, ao declarar Lula persona non grata. O brasileiro, enquanto isso, avalia a melhor forma de responder a tal atitude. O mais provável é que ele o faça utilizando as melhores armas da diplomacia.

A posição de Lula desencadeou reações múltiplas e diversas. Entre as positivas e visionárias, podemos citar a iniciativa da Fundação Perseu Abramo, em colaboração com a Fundação Rosa Luxemburgo, que, de forma colaborativa, decidiu organizar um “Curso de Formação para Internacionalistas”, que não só contribuirá para a compreensão da componente teórica e metodológica de Política Externa, mas nos permitirá ter ferramentas adequadas para enfrentar processos complexos de dinâmica internacional nos quais o Brasil é um ator significativo.

·        A necessidade de rigor conceitual

Portanto, compreender a Política Externa com toda a sua carga conceitual é uma obrigação para quem almeja trilhar esses caminhos, que não são fáceis, mas fascinantes. O Brasil e sua longa história como referência para a diplomacia regional e global merecem um curso como o que começou neste sábado (24/02), nas instalações da Fundação Perseu Abramo.

O conceito de Política Externa faz parte da Teoria das Relações Internacionais. Isto pode parecer simples, mas a confusão está logo em seguida, quando percebemos que as definições conceituais de Política Externa podem se sobrepor indevidamente com definições conceptuais derivadas da teoria das Relações Internacionais e, muito mais frequentemente, com o conceito de Políticas Públicas. É hora, então, de fazer um pequeno escaneamento das semelhanças e diferenças entre ambos, para que, na hora de tomar decisões, o objetivo e os caminhos de ação em direção a eles fiquem completamente claros.

As orientações da Política Externa, geralmente do Estado, constituem elementos substanciais na concepção de políticas e ações neste domínio e, em coerência com o que foi dito, na concepção de políticas internas. Embora estes últimos possam variar com cada período de governo, os outros deverão transcendê-los. Em ambos os casos, deve-se levar em conta que o mundo atual navega com a proeminência de dois polos, deixando a multipolaridade como alternativa, pelo menos por enquanto. Os Estados Unidos e a China, ao que parece, emergem como líderes polares no meio de uma disputa pela hegemonia mundial. Esse é o cenário.

·        Sionismo e judaísmo, atores casuais?

No dia 7 de outubro de 2023, o Hamas atacou criminalmente contingentes armados e civis em Israel, desencadeando a mais violenta retaliação sionista, quase um extermínio contra o povo palestino na Faixa de Gaza. Desde então, passaram a circular profusamente nos meios de comunicação globais muitos conceitos que não são dominados pela maioria esmagadora da população que, compreensivelmente, não os assimilou plenamente. Dois deles são os mais recorrentes: “judaísmo” e “sionismo”.

O judaísmo é uma religião que inclui crenças religiosas e origens étnicas, uma raça, um povo. Daí o “povo de Israel”. O sionismo surge em resposta ao antissemitismo. O termo refere-se ao Monte Sião, nome bíblico de Jerusalém, e assume uma posição política ligada ao judaísmo, mas reivindicando para si um Estado judeu na “terra prometida” onde, precisamente, vive o povo palestino.

Se na época da sua criação (finais do século XIX) o sionismo não recorreu à violência para atingir o seu propósito, hoje tornou-se um movimento secular e nacionalista que, sem deixar de usar o judaísmo, reivindica o território palestino como seu usando extrema violência, como estamos vendo na Faixa de Gaza.

·        Os conceitos em jogo

Política Externa: é habitual concebê-la como um conjunto de princípios que orientam a ação e a interação de uma autoridade política fora das suas fronteiras, incluindo o setor privado.

A Política Externa é um tema de pesquisa vinculado à Ciência Política e às Relações Internacionais. Observa e avalia fenômenos políticos, econômicos, sociais e culturais dentro dos Estados, e também dentro do sistema internacional. Diz-se, com razão, que poderá estar no auge das atividades políticas que são notoriamente difíceis de definir num Estado soberano.

O governo, quando se trata de Política Externa, atua em nome de uma unidade soberana, e as ações de negociação têm precedência sobre as puramente legislativas.

Sua visão vem mudando, de uma que está mais voltada à história para outra mais complexa, que dá mais atenção às decisões, aos fatos concretos, aos novos atores e processos. Então, começam a surgir impressões na sua conceituação. Por isso, é necessário defini-la, diferenciando-a especialmente das Relações Internacionais e das Políticas Públicas, em comparação com todos os atores envolvidos no ambiente interno e externo.

Relações Internacionais: é considerada uma disciplina acadêmica vinculada à Ciência Política e tem a Política Externa como objeto de estudo.

As Relações Internacionais são definidas como um conjunto de eventos que envolvem uma ampla gama de atores, que interagem no sistema internacional. O conceito possui dois critérios definidores: localização geográfica e atores envolvidos que, individualmente ou em conjunto, ajudam a diferenciar as Relações Internacionais da Política Externa. Por exemplo, o critério de “localização geográfica” aproxima ambos os conceitos, uma vez que se referem a territórios fora das suas fronteiras.

O critério dos “atores envolvidos” teria mais poder para diferenciar a Política Externa das Relações Internacionais, nas quais estão envolvidos atores não estatais, razão pela qual será útil compreender como estas são incluídas no âmbito da Política Externa. Pode acontecer de um interveniente não estatal decidir dispensar uma autorização estatal para “as suas Relações Internacionais”? Nessa lógica, conceitualmente, as Relações Internacionais acabariam sendo “inclusivas” enquanto a Política Externa seria mais específica. São questões que certamente serão abordadas no curso.

Políticas Públicas: as Políticas Públicas, assim como a Política Externa, são ações oficiais pensando no cidadão e nos seus problemas. Ambos passam por processos complexos de aprovação e execução. Geralmente, os atores políticos estão interessados nas Políticas Públicas, incluindo a Política Externa, pensando em acumular riqueza eleitoral. Enquanto os grupos de interesse pressionam a aprovação de políticas que produzam ganhos específicos.

Embora a Política Externa e as Políticas Públicas possam ter procedimentos semelhantes para sua aprovação, possuem especificidades que se diferenciam em objetivos e resultados. As Políticas Públicas internas, essencialmente nacionais, precisam ser negociadas e legisladas, mesmo considerando pressões externas. A Política Externa é essencialmente negociação com atores, embora sem desconsiderar questões internas.

Um bom livro sobre estes temas é Foreign Policy in the 21st Century, Christopher Hill, publicado em 2016.

 

Ø  Lula volta a acusar governo de Israel de genocídio e endossa criação do Estado palestino

 

Durante lançamento do novo edital do Programa Petrobras Cultural no Rio de Janeiro, presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), nesta sexta-feira (23), declarou mais uma vez que o que Israel faz na Faixa de Gaza não é guerra, mas genocídio. Conflito já provocou a morte de mais de 30 mil pessoas em quatro meses.

Na segunda agenda do dia no Rio de Janeiro, após participar da inauguração do Terminal Gentileza, na zona portuária, o presidente Lula esteve no lançamento do novo programa cultural da Petrobras que vai conceder R$ 250 milhões em financiamentos.

Na ocasião, Lula voltou a criticar a atuação de Israel frente ao conflito na Faixa de Gaza, que já deixou mais de 90% da população em situação de fome, além de 100 mil pessoas mortas, feridas ou desaparecidas.

"Quero dizer pra vocês que da mesma forma que o quando estava preso não aceitava nenhum acordo para sair da cadeia, porque eu não trocava a minha dignidade pela minha liberdade, eu quero dizer pra vocês agora que eu não troco a minha dignidade pela falsidade. Quero dizer pra vocês que sou favorável à criação do Estado Palestino, livre e independente, e posso ter o Estado Palestino convivendo com o Estado Israel", afirmou Lula sob aplausos do público, que contou com artistas, ministros e autoridades de Estado.

Para Lula, o que o governo de Israel faz com o povo palestino, que é bombeado diariamente pelo Exército sob a justificativa de destruir o Hamas, não é uma guerra, mas um genocídio contra homens, mulheres, trabalhadores e crianças. O presidente disse ainda que a fala do último fim de semana, após reunião da cúpula da União Africana na Etiópia, foi mal interpretada.

Na ocasião, Lula comparou o conflito ao Holocausto do regime de Adolf Hitler na

"Tem que interpretar a entrevista que eu dei, leia a entrevista em vez de ficar me julgando pelo que disse. O que está acontecendo em Israel é um genocídio, são milhares de crianças mortas, milhares desaparecidas, e não está morrendo um soldado, estão morrendo mulheres e crianças dentro do hospital. Se isso não é genocídio, eu não sei o que é genocídio, eu quero dizer pra vocês o que é", defendeu.

·        Conselho de Segurança da ONU 'não representa nada'

Lula também comentou sobre uma das principais propostas do Brasil para a presidência do G20 neste ano, que é a reforma da governança global. Mesmo diante da magnitude de uma guerra como a de Gaza, o presidente criticou a falta de efetividade das ações da Organização das Nações Unidas (ONU) e do Conselho de Segurança.

"O Conselho de Segurança da ONU hoje não representa nada, não toma decisão para nada e não faz mais nada. Teve uma proposta aprovada pelo ministro Mauro Vieira [em outubro do ano passado] que teve 12 votos favoráveis, duas abstenções e um voto contra dos Estados Unidos, que depois de votar contra, simplesmente vetou, porque tem o direito do veto. Ontem foi aprovada outra decisão que teve 13 votos a favor, um voto contra e uma abstenção, um voto contra dos Estados Unidos, que vetou a proposta. A lógica da ONU não é agir de forma democrática”, criticou.

·        Evento cultural da Petrobras

As declarações do presidente Lula aconteceram durante o lançamento do edital do programa Petrobras Cultural, que terá o maior investimento da história.

Criado para financiar projetos que valorizem a economia criativa e a diversidade, o Programa Petrobras Cultural teve as inscrições iniciadas nesta sexta-feira (23) e a expectativa é que sejam encerradas em 8 de abril. Ao todo, serão destinados R$ 250 milhões através da Lei Rouanet e da Lei do Audiovisual para projetos e iniciativas culturais.

Neste ano, o objetivo da iniciativa é valorizar as regionalidades, com o elemento brasilidade como norteador.

 

Ø  Apoio a Lula por condenar Israel é 'firme e pleno', diz ministra da Bolívia em visita ao Brasil

 

A ministra da Secretaria da Presidência da Bolívia, María Nela Prada, afirmou nesta quinta-feira (22/02) em entrevista ao Brasil de Fato que o apoio do governo boliviano às declarações de Lula sobre o massacre de Israel na Faixa de Gaza é "firme e pleno".

A Bolívia foi um dos países que se solidarizou com Lula após o presidente brasileiro ser declarado "persona non grata" por Israel. A ação ocorreu após o mandatário comparar as ações israelenses contra palestinos ao Holocausto cometido pela Alemanha nazista contra o povo judeu.

"Nosso presidente, Lucho Arce, se solidarizou justamente após as declarações de Lula e da investida que [as autoridades israelenses] estavam fazendo ao declará-lo 'persona non grata' em Israel. Os presidentes da Colômbia e da Bolívia foram criticados por essa solidariedade com Lula que, seguramente, é firme e plena", afirmou.

Prada está em Foz do Iguaçu, no Paraná, para participar da Jornada Latino-americana e Caribenha de Integração entre os povos.

"Estamos em uma luta que é mundial pelos direitos do povo palestino, pela Palestina livre e soberana. Claro que a voz que levantamos em espaços como esses é fundamental para que o povo palestino saiba que não está sozinho", disse.

Em outubro, a Bolívia rompeu relações com Israel e classificou como um "genocídio" as ações do país em Gaza que já deixaram mais de 29 mil mortos. Prada era chanceler interina da Bolívia à época e foi ela quem anunciou o rompimento de relações.

"Nós também aderimos ao processo da África do Sul na CIJ, em Haia, para se sejam investigados os crimes que estão sendo cometidos na Faixa de Gaza", disse.

 

Fonte: Opera Mundi/Sputnik Brasil/Brasil de Fato

 

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