Jeferson
Miola: Exército é o principal cliente de empresa israelense de espionagem
política
1. O
Exército brasileiro, e não a ABIN, é o principal cliente da Cognyte,
empresa israelense proprietária do programa de espionagem FirstMile.
Importante
recordar que um general do Exército – o general Menandro– foi nomeado por
Bolsonaro embaixador do Brasil em Israel.
O software não
é uma ferramenta ilegal. O que é ilegal é seu uso direcionado, com fins
político-ideológicos ou de outra natureza que não prevista em lei ou cujo uso
não seja autorizado pela justiça.
Ilegal é a
forma como agentes públicos delinquentes, civis ou fardados, instrumentalizam o
uso deste dispositivo para perseguição política e para satisfazer objetivos de
facções e poderes estamentais.
2. Na
repercussão sobre a espionagem política da ABIN no período Bolsonaro, o noticiário tem ocultado a participação de um ator central
neste esquema ilegal – as cúpulas militares.
O foco de
atenção da mídia tem sido exclusivamente o esquema criminoso de Ramagem com o
clã Bolsonaro. E, também, a disputa autofágica entre servidores da ABIN e da
PF.
Essa
abordagem é conveniente para os militares, porque desvia a atenção sobre a
implicação das cúpulas militares com sistemas ilegais de espionagem de
“inimigos internos”.
O
escândalo agora em evidência, que foi cansativamente denunciado pela mídia
independente a tempo à época, tem raízes assentadas no período do usurpador
Michel Temer, com quem os generais Villas Bôas e Sérgio Etchegoyen conspiraram
para derrubar a presidente Dilma.
3. A
israelense Verint Systems Ltd, atual Cognyte Technologies
Israel Ltd, empresa proprietária do programa espião FirstMile,
multiplicou 23 vezes o faturamento no Brasil durante o período Temer
[2016/2018], como se observa na tabela:
O
faturamento do grupo israelense saltou de R$ 2,6 milhões com Dilma, em 2014,
para R$ 60,8 milhões nas contratações feitas pelo Exército, ABIN, Polícia
Rodoviária Federal e Ministério da Justiça com Temer entre maio de 2016 e
dezembro de 2018.
No governo
atual, do presidente Lula, a empresa já recebeu R$ 11,6 milhões, a quase
totalidade relativa a contratações feitas pelo Exército e Aeronáutica.
4. Desde
o primeiro registro de pagamento à Verint/Cognyte no Portal da
Transparência, em 2014, o governo pagou pelo menos R$ 127,6 milhões ao grupo.
Os valores se referem à compra de software, equipamentos e tecnologias de
vigilância, monitoramento, espionagem e contratos de manutenção, treinamentos e
serviços correlatos.
A cifra
deve ser ainda superior, porque o Portal de Transparência não disponibiliza
dados de “valores sigilosos”. Cabe ao TCU e ao Congresso Nacional apurar tais
valores, para que a sociedade brasileira conheça a magnitude de recursos
destinados à área.
Do total
de R$ 127,6 milhões, a ABIN foi responsável por contratar apenas R$ 14,7
milhões da Cognyte, ou 11,5% do total.
Por outro
lado, o Exército foi, disparado, o maior contratante da empresa. Pagou 87,5
milhões de reais, que representam 65% do que a empresa recebeu do erário no
período, conforme tabela:
5. Apesar
de o Exército ser, de longe, o maior cliente da Cognyte, o mundo
desabou só sobre a ABIN. E está sendo estimulado o confronto corporativo entre
funcionários da ABIN e da PF, o que aumenta a distração em relação aos
militares. Até mesmo a PRF, dirigida por um bolsonarista fanático, contratou
mais serviços da Cognyte que a ABIN.
Enquanto a
mídia se distrai com os atores coadjuvantes, os generais se divertem, decerto
reunidos no Alto Comando sorvendo um uísque superfaturado e envelhecido 24
anos.
6. É
intrigante, ainda, as Forças Armadas terem pago todo valor de R$ 89 milhões à
empresa israelense através da Comissão Aeronáutica Brasileira na Europa [R$ 6,5
milhões]; e da Comissão do Exército Brasileiro em Washington [R$ 82,5 milhões],
e não no Brasil.
Ora, se a
contratação foi para serviços e equipamentos a serem usados no território
brasileiro, como para o sistema de monitoramento de fronteiras, para a
intervenção federal no Rio, defesa cibernética, sistema de controle e comando
do Exército, tecnologia de comunicação e informação etc, qual a justificativa
para o Exército executar o pagamento de tais contratações via comissões no
exterior, e não por uma unidade orçamentária do Exército no Brasil?
7. No
Brasil, a ex-Verint é representada pela Cognyte Brasil
SA, sediada no centro da capital de Santa Catarina, estado natal do
ex-Diretor Geral da PRF Silvinei Vasques, atualmente em prisão preventiva
devido à interferência na eleição de 2022.
Desperta
curiosidade que a Superintendência da PRF em SC foi a Unidade Federativa
requisitante da totalidade dos serviços da empresa israelense em todo país.
8. Caio
Santos Cruz, filho do general Santos Cruz, foi representante da Verint e
da Cognyte no Brasil de fevereiro de 2016 a maio de 2023, por
coincidência o período de expansão das vendas do FirstMile ao
governo brasileiro, como demonstrado na primeira tabela.
Desde maio
de 2023, e imediatamente após desembarcar da Cognyte Brasil, Caio
Santos Cruz passou a trabalhar como consultor da Appia Informática,
ironicamente descrita no Linkedin como
dedicada ao “Combate à Lavagem de Dinheiro, Combate à Fraude, Combate ao Crime
Cibernético, Transcrição de Áudio e Vídeo”.
Suspeita-se
que a demissão do general Santos Cruz em 13 de junho de 2019 esteja associada
ao conflito de interesses dele próprio, Santos Cruz, com os interesses do
Carlos Bolsonaro e sua horda barra-pesada – Alexandre Ramagem, Ânderson Torres
e quejandos– que queria viabilizar a “ABIN paralela e particular” do Bolsonaro.
O general
Santos Cruz fazia lobby pelo software vendido pelo próprio
filho, enquanto Carlos Bolsonaro defendia a compra do programa Pegasus,
da também
O Pegasus é
um sistema de espionagem mais agressivo e invasivo, que consegue acessar
conteúdo dos telefones celulares, enquanto o FirsMile somente
permite a localização dos aparelhos celulares.
9. O
primeiro ato de Temer depois do impeachment fraudulento da Dilma foi a Medida
Provisória nº 726, de maio de 2016, que recriou o GSI, que Dilma havia extinto
em outubro de 2015. Na ocasião, a presidente petista vinculou a ABIN à
Secretaria de Governo da Presidência da República.
Ao
assumir, Temer nomeou como ministro do GSI para recriar o órgão em bases
militaristas um general. Etchegoyen retomou a ABIN para o controle militar e
começou a reestruturação acelerada da instituição nos moldes do SNI, o Serviço
Nacional de Informações da ditadura.
No GSI,
Etchegoyen reconfigurou e disseminou dispositivos de inteligência,
espionagem política, vigilância, sabotagem, chantagem e controle típicos de regimes autoritários.
O general
Augusto Heleno, assim como Etchegoyen oriundo do porão da ditadura militar,
herdou a estrutura pronta legada pelo camarada de farda. No GSI, o general
Heleno apenas tratou de avançar a concretização do projeto estratégico do poder
militar “eleito nas urnas”.
10. O
governo Lula herdou a estrutura legada pelos generais Etchegoyen e Augusto
Heleno, sem alterar nem sua aparência, totalmente dominada pelos militares, e
muito menos sua essência.
O aparelho
de espionagem e de perseguição política montada pelos militares ainda na
ditadura segue intacto e ativo. Mas os militares festejam enquanto nos
distraímos com a briga entre a ABIN e a PF.
Ø
O novo negócio dos Bolsonaro: uma
plataforma para treinar a direita
Fim de
semana estafante, o que passou, para o ex-presidente Jair Bolsonaro, instalado
na paradisíaca Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, e seus filhos presenteados
por ele com mandatos – Flávio, senador, Eduardo, deputado federal, e Carlos,
vereador, o mais esperto deles.
No sábado,
o patriarca interrompeu o descanso para participar do lançamento da candidatura
de Renato Araújo (PL) a prefeito de Angra dos Reis. E no domingo, acompanhado
pelos três filhos Zero, estrelou uma “superlive” para promover mais um negócio
promissor da família.
As duas
ocasiões serviram também para que Bolsonaro se defendesse de antigas e novas
acusações que carrega nos ombros. Uma: a de ter estado por trás do golpe do 8
de janeiro de 2023. Como é possível, ele indagou, falar-se em golpe se nenhum
tiro foi disparado?
Simples:
não houve disparos porque o golpe foi abortado a tempo. O que caracteriza
golpes não são necessariamente disparos. Houve poucos em março de 64. Próxima
questão: Bolsonaro chamou de abuso da Justiça a condenação de golpistas a penas
que vão até 17 anos de prisão. Disse:
“Hoje
vemos colegas condenados a 17 anos de prisão, muitos inocentes. E até mesmo
aqueles que porventura invadiram o Congresso, o que nós somos contra,
(receberam) uma condenação de 17 anos. Isso é um crime, uma maneira de tentar
calar todos nós.”
Colegas de
quê, cara pálida? De farda, como a que Bolsonaro usou até ser forçado a deixar
o Exército por má conduta nos anos 1980? A farda ainda não sentou no banco dos
réus. O Supremo Tribunal Federal condenou 30 golpistas pela invasão às sedes
dos Três Poderes da República.
Dois dos
golpistas a três anos de prisão cada um, penas que poderão ser cumpridas em
regime semiaberto. Dos 28 que ficariam presos em regime fechado (pena maior de
oito anos e cumprida em presídio de segurança máxima ou médio), somente oito
estão presos.
Se
bagrinhos receberam penas de até 17 anos de prisão, o que não irão receber os
tubarões inspiradores, financiadores e promotores do golpe? É isso o que
apavora Bolsonaro: ser julgado e condenado a uma pena muito mais severa. Daí porque
sai em socorro dos seus colegas de ideias.
A
“superlive” do domingo no Youtube foi uma fala descosturada e confusa de
Bolsonaro em sua própria defesa, e na dos filhos. Sobre o assassinato da
vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), ele disse que foi “massacrado por cinco
anos” pela suspeita de ter sido o mandante:
“O
possível executor morava no meu condomínio, que tem 150 casas, daí o mundo
começou a cair na minha cabeça. O que mais quero é que o fato seja elucidado. O
meu filho Carlos tinha o gabinete dele no mesmo andar da Marielle, nunca
tiveram problema”.
Bolsonaro
e os filhos abordaram suas causas ideológicas usuais, com críticas ao aborto,
legalização de drogas, marco temporal, projeto que criminaliza fake news, voto
eletrônico, o ministro Alexandre Machado, o governo atual, Lula em particular e
ditaduras de esquerda (de direita, não).
E
divulgaram a criação de uma plataforma online de treinamentos para a direita
conservadora, a exemplo da que tinha o falecido astrólogo e filósofo Olavo de
Carvalho, guru da família. Para assistir às aulas de formação política e obter
um certificado, o preço cobrado é de quase R$ 300.
Aí estava
a cereja do bolo do pronunciamento de Bolsonaro: grana, grana, grana. A família
empreendedora não se contenta com o patrimônio que acumulou, grande parte
adquirido com dinheiro vivo, outra parte com dinheiro da rachadinha, e outra
por meio de tenebrosas transações.
Apenas
entre 1º de janeiro e 4 de julho do ano passado, Bolsonaro arrecadou R$
17.196.005,80 por meio do Pix. Foi o que informou o Conselho de Controle de
Atividades Financeiras (Coaf). Com a venda de joias roubadas ao Tesouro
Nacional, ainda não se sabe quanto ganhou.
Em
novembro do mesmo ano, o governador de São Paulo, o generoso Tarcísio de
Freitas (Republicanos), que lhe deve o mandato, assinou lei que livrou
Bolsonaro de pagar mais de R$ 1 milhão em multas por ter desrespeitado medidas
de isolamento durante a pandemia da Covid-19.
Os
Bolsonaro são movidos a dinheiro, assim como o mundo.
Fonte:
Viomundo/Metrópoles
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