quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

Jeferson Miola: Exército é o principal cliente de empresa israelense de espionagem política

1. O Exército brasileiro, e não a ABIN, é o principal cliente da Cognyte, empresa israelense proprietária do programa de espionagem FirstMile.

Importante recordar que um general do Exército – o general Menandro– foi nomeado por Bolsonaro embaixador do Brasil em Israel.

software não é uma ferramenta ilegal. O que é ilegal é seu uso direcionado, com fins político-ideológicos ou de outra natureza que não prevista em lei ou cujo uso não seja autorizado pela justiça.

Ilegal é a forma como agentes públicos delinquentes, civis ou fardados, instrumentalizam o uso deste dispositivo para perseguição política e para satisfazer objetivos de facções e poderes estamentais.

2. Na repercussão sobre a espionagem política da ABIN no período Bolsonaro, o noticiário tem ocultado a participação de um ator central neste esquema ilegal – as cúpulas militares.

O foco de atenção da mídia tem sido exclusivamente o esquema criminoso de Ramagem com o clã Bolsonaro. E, também, a disputa autofágica entre servidores da ABIN e da PF.

Essa abordagem é conveniente para os militares, porque desvia a atenção sobre a implicação das cúpulas militares com sistemas ilegais de espionagem de “inimigos internos”.

O escândalo agora em evidência, que foi cansativamente denunciado pela mídia independente a tempo à época, tem raízes assentadas no período do usurpador Michel Temer, com quem os generais Villas Bôas e Sérgio Etchegoyen conspiraram para derrubar a presidente Dilma.

3. A israelense Verint Systems Ltd, atual Cognyte Technologies Israel Ltd, empresa proprietária do programa espião FirstMile, multiplicou 23 vezes o faturamento no Brasil durante o período Temer [2016/2018], como se observa na tabela:

O faturamento do grupo israelense saltou de R$ 2,6 milhões com Dilma, em 2014, para R$ 60,8 milhões nas contratações feitas pelo Exército, ABIN, Polícia Rodoviária Federal e Ministério da Justiça com Temer entre maio de 2016 e dezembro de 2018.

No governo atual, do presidente Lula, a empresa já recebeu R$ 11,6 milhões, a quase totalidade relativa a contratações feitas pelo Exército e Aeronáutica.

4. Desde o primeiro registro de pagamento à Verint/Cognyte no Portal da Transparência, em 2014, o governo pagou pelo menos R$ 127,6 milhões ao grupo. Os valores se referem à compra de software, equipamentos e tecnologias de vigilância, monitoramento, espionagem e contratos de manutenção, treinamentos e serviços correlatos.

A cifra deve ser ainda superior, porque o Portal de Transparência não disponibiliza dados de “valores sigilosos”. Cabe ao TCU e ao Congresso Nacional apurar tais valores, para que a sociedade brasileira conheça a magnitude de recursos destinados à área.

Do total de R$ 127,6 milhões, a ABIN foi responsável por contratar apenas R$ 14,7 milhões da Cognyte, ou 11,5% do total.

Por outro lado, o Exército foi, disparado, o maior contratante da empresa. Pagou 87,5 milhões de reais, que representam 65% do que a empresa recebeu do erário no período, conforme tabela:

5. Apesar de o Exército ser, de longe, o maior cliente da Cognyte, o mundo desabou só sobre a ABIN. E está sendo estimulado o confronto corporativo entre funcionários da ABIN e da PF, o que aumenta a distração em relação aos militares. Até mesmo a PRF, dirigida por um bolsonarista fanático, contratou mais serviços da Cognyte que a ABIN.

Enquanto a mídia se distrai com os atores coadjuvantes, os generais se divertem, decerto reunidos no Alto Comando sorvendo um uísque superfaturado e envelhecido 24 anos.

6. É intrigante, ainda, as Forças Armadas terem pago todo valor de R$ 89 milhões à empresa israelense através da Comissão Aeronáutica Brasileira na Europa [R$ 6,5 milhões]; e da Comissão do Exército Brasileiro em Washington [R$ 82,5 milhões], e não no Brasil.

Ora, se a contratação foi para serviços e equipamentos a serem usados no território brasileiro, como para o sistema de monitoramento de fronteiras, para a intervenção federal no Rio, defesa cibernética, sistema de controle e comando do Exército, tecnologia de comunicação e informação etc, qual a justificativa para o Exército executar o pagamento de tais contratações via comissões no exterior, e não por uma unidade orçamentária do Exército no Brasil?

7. No Brasil, a ex-Verint é representada pela Cognyte Brasil SA, sediada no centro da capital de Santa Catarina, estado natal do ex-Diretor Geral da PRF Silvinei Vasques, atualmente em prisão preventiva devido à interferência na eleição de 2022.

Desperta curiosidade que a Superintendência da PRF em SC foi a Unidade Federativa requisitante da totalidade dos serviços da empresa israelense em todo país.

8. Caio Santos Cruz, filho do general Santos Cruz, foi representante da Verint e da Cognyte no Brasil de fevereiro de 2016 a maio de 2023, por coincidência o período de expansão das vendas do FirstMile ao governo brasileiro, como demonstrado na primeira tabela.

Desde maio de 2023, e imediatamente após desembarcar da Cognyte Brasil, Caio Santos Cruz passou a trabalhar como consultor da Appia Informática, ironicamente descrita no Linkedin como dedicada ao “Combate à Lavagem de Dinheiro, Combate à Fraude, Combate ao Crime Cibernético, Transcrição de Áudio e Vídeo”.

Suspeita-se que a demissão do general Santos Cruz em 13 de junho de 2019 esteja associada ao conflito de interesses dele próprio, Santos Cruz, com os interesses do Carlos Bolsonaro e sua horda barra-pesada – Alexandre Ramagem, Ânderson Torres e quejandos– que queria viabilizar a “ABIN paralela e particular” do Bolsonaro.

O general Santos Cruz fazia lobby pelo software vendido pelo próprio filho, enquanto Carlos Bolsonaro defendia a compra do programa Pegasus, da também

Pegasus é um sistema de espionagem mais agressivo e invasivo, que consegue acessar conteúdo dos telefones celulares, enquanto o FirsMile somente permite a localização dos aparelhos celulares.

9. O primeiro ato de Temer depois do impeachment fraudulento da Dilma foi a Medida Provisória nº 726, de maio de 2016, que recriou o GSI, que Dilma havia extinto em outubro de 2015. Na ocasião, a presidente petista vinculou a ABIN à Secretaria de Governo da Presidência da República.

Ao assumir, Temer nomeou como ministro do GSI para recriar o órgão em bases militaristas um general. Etchegoyen retomou a ABIN para o controle militar e começou a reestruturação acelerada da instituição nos moldes do SNI, o Serviço Nacional de Informações da ditadura.

No GSI, Etchegoyen reconfigurou e disseminou dispositivos de inteligência, espionagem política, vigilância, sabotagem, chantagem e controle típicos de regimes autoritários.

O general Augusto Heleno, assim como Etchegoyen oriundo do porão da ditadura militar, herdou a estrutura pronta legada pelo camarada de farda. No GSI, o general Heleno apenas tratou de avançar a concretização do projeto estratégico do poder militar “eleito nas urnas”.

10. O governo Lula herdou a estrutura legada pelos generais Etchegoyen e Augusto Heleno, sem alterar nem sua aparência, totalmente dominada pelos militares, e muito menos sua essência.

O aparelho de espionagem e de perseguição política montada pelos militares ainda na ditadura segue intacto e ativo. Mas os militares festejam enquanto nos distraímos com a briga entre a ABIN e a PF.

 

Ø  O novo negócio dos Bolsonaro: uma plataforma para treinar a direita

 

Fim de semana estafante, o que passou, para o ex-presidente Jair Bolsonaro, instalado na paradisíaca Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, e seus filhos presenteados por ele com mandatos – Flávio, senador, Eduardo, deputado federal, e Carlos, vereador, o mais esperto deles.

No sábado, o patriarca interrompeu o descanso para participar do lançamento da candidatura de Renato Araújo (PL) a prefeito de Angra dos Reis. E no domingo, acompanhado pelos três filhos Zero, estrelou uma “superlive” para promover mais um negócio promissor da família.

As duas ocasiões serviram também para que Bolsonaro se defendesse de antigas e novas acusações que carrega nos ombros. Uma: a de ter estado por trás do golpe do 8 de janeiro de 2023. Como é possível, ele indagou, falar-se em golpe se nenhum tiro foi disparado?

Simples: não houve disparos porque o golpe foi abortado a tempo. O que caracteriza golpes não são necessariamente disparos. Houve poucos em março de 64. Próxima questão: Bolsonaro chamou de abuso da Justiça a condenação de golpistas a penas que vão até 17 anos de prisão. Disse:

“Hoje vemos colegas condenados a 17 anos de prisão, muitos inocentes. E até mesmo aqueles que porventura invadiram o Congresso, o que nós somos contra, (receberam) uma condenação de 17 anos. Isso é um crime, uma maneira de tentar calar todos nós.”

Colegas de quê, cara pálida? De farda, como a que Bolsonaro usou até ser forçado a deixar o Exército por má conduta nos anos 1980? A farda ainda não sentou no banco dos réus. O Supremo Tribunal Federal condenou 30 golpistas pela invasão às sedes dos Três Poderes da República.

Dois dos golpistas a três anos de prisão cada um, penas que poderão ser cumpridas em regime semiaberto. Dos 28 que ficariam presos em regime fechado (pena maior de oito anos e cumprida em presídio de segurança máxima ou médio), somente oito estão presos.

Se bagrinhos receberam penas de até 17 anos de prisão, o que não irão receber os tubarões inspiradores, financiadores e promotores do golpe? É isso o que apavora Bolsonaro: ser julgado e condenado a uma pena muito mais severa. Daí porque sai em socorro dos seus colegas de ideias.

A “superlive” do domingo no Youtube foi uma fala descosturada e confusa de Bolsonaro em sua própria defesa, e na dos filhos. Sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), ele disse que foi “massacrado por cinco anos” pela suspeita de ter sido o mandante:

“O possível executor morava no meu condomínio, que tem 150 casas, daí o mundo começou a cair na minha cabeça. O que mais quero é que o fato seja elucidado. O meu filho Carlos tinha o gabinete dele no mesmo andar da Marielle, nunca tiveram problema”.

Bolsonaro e os filhos abordaram suas causas ideológicas usuais, com críticas ao aborto, legalização de drogas, marco temporal, projeto que criminaliza fake news, voto eletrônico, o ministro Alexandre Machado, o governo atual, Lula em particular e ditaduras de esquerda (de direita, não).

E divulgaram a criação de uma plataforma online de treinamentos para a direita conservadora, a exemplo da que tinha o falecido astrólogo e filósofo Olavo de Carvalho, guru da família. Para assistir às aulas de formação política e obter um certificado, o preço cobrado é de quase R$ 300.

Aí estava a cereja do bolo do pronunciamento de Bolsonaro: grana, grana, grana. A família empreendedora não se contenta com o patrimônio que acumulou, grande parte adquirido com dinheiro vivo, outra parte com dinheiro da rachadinha, e outra por meio de tenebrosas transações.

Apenas entre 1º de janeiro e 4 de julho do ano passado, Bolsonaro arrecadou R$ 17.196.005,80 por meio do Pix. Foi o que informou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Com a venda de joias roubadas ao Tesouro Nacional, ainda não se sabe quanto ganhou.

Em novembro do mesmo ano, o governador de São Paulo, o generoso Tarcísio de Freitas (Republicanos), que lhe deve o mandato, assinou lei que livrou Bolsonaro de pagar mais de R$ 1 milhão em multas por ter desrespeitado medidas de isolamento durante a pandemia da Covid-19.

Os Bolsonaro são movidos a dinheiro, assim como o mundo.

 

Fonte: Viomundo/Metrópoles

 

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