quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

'Divina política': problemas e percepções sobre a relação entre religião e política na sociedade

A relegação da religião à esfera privada do indivíduo tem sido um tema recorrente da ciência política há pelo menos dois séculos. No entanto, hoje testemunhamos um ressurgimento global da religião como fator que vem sendo reivindicado por vários atores políticos importantes, nas mais diferentes partes do mundo.

Por certo, pensadores como Karl Marx e Sigmund Freud — cada um a seu tempo — propuseram a ideia de que a crença religiosa declinaria à medida que as sociedades se tornassem mais industrializadas e modernas.

Logo, o significado social e político da religião diminuiria em face de um mundo cada vez mais secular e materialista, levando a um processo de fragmentação e diferenciação social em que o Estado proveria muitos dos serviços de bem-estar até então prestados pelas instituições eclesiásticas. A diminuição do papel da religião na sociedade também seria uma consequência do predomínio da racionalidade científica.

Com isso, num mundo de atores estatais cientificamente orientados, restaria pouco espaço para atores religiosos não estatais exercerem uma influência decisiva nos processos sociais, tanto domésticos quanto internacionais.

Não obstante, abordagens analíticas sobre as relações internacionais passaram a partilhar a visão de que a religião é um elemento secundário diante de outros fatores como poder econômico e militar, considerados mais importantes para explicar o comportamento dos Estados.

Escolas de pensamento liberal, em contrapartida, atribuíram grande importância a atores transnacionais na política global, mas sem reconhecer a religião como um ator significativo, salvo o Vaticano em alguns casos.

Seja como for, a partir da década de 1980, analistas políticos e sociólogos se viram diante de um sério desafio, a saber, o de entender as razões por trás do ressurgimento global da religião como fator influente nas relações internacionais. Logo, a proclamação de Nietzsche de que Deus está morto foi colocada à prova, à medida que mais e mais pessoas ao redor do mundo abraçavam novamente a religião em meio às incertezas da modernidade.

Esse renascimento iniciou um processo de "desprivatização" da religião, com o regresso de discursos sobre o sagrado para a esfera pública. Afinal, Maquiavel já tinha salientado, ainda no século XVI, que a religião poderia ser uma ferramenta útil para um governante legitimar ou justificar uma ação política.

Em outras palavras, ocorreu um ressurgimento da religião politizada, como exemplificada pela Revolução Iraniana de 1979, onde o regime ocidental do xá foi derrubado por uma coligação islâmica liderada pelo aiatolá Khomeini.

Outro exemplo foi a eleição em 1978 de um papa mais ativista, João Paulo II, que utilizou suas viagens frequentes para promover ideais baseados na fé e na defesa dos direitos humanos. Mais recentemente, por sua vez, temos visto o fortalecimento da chamada "direita cristã" tanto nos Estados Unidos como no Brasil, formada especialmente por grupos evangélicos conservadores, que procuram conformar a vida pública a seu entendimento bíblico.

No Oriente Médio houve também uma substituição gradual do nacionalismo pelo Islã como ideologia mobilizadora principal nas lutas dos povos árabes e do mundo muçulmano em geral. O islã — em sua forma distorcida — também foi utilizado para motivar atividades extremistas e terroristas de cunho político, como evidenciado nos ataques de 11 de Setembro.

Além disso, no sul da Ásia a religião tem sido utilizada por líderes nacionalistas, como Narendra Modi na Índia, que visa mobilizar o povo indiano em torno de uma identidade propriamente hindu.

Na Índia, onde 80% da população se considera hinduísta, desenvolveu-se uma variante de nacionalismo religioso baseada na noção de Hindutva, que, entre outros pontos, baseia-se na rejeição das influências islâmicas e cristãs na sociedade.

A noção de Hindutva ganhou popularidade sobretudo na década de 1980, com a criação do Partido do Povo Indiano (BJP, de Bharatiya Janata Party) e a sua consequente representação parlamentar e participação em sucessivos governos no país. O BJP, aliás, é o partido de Modi.

Todos esses exemplos servem para mostrar que a importância da religião na política e no debate público está aumentando e o papel de determinados agentes religiosos nas relações internacionais também vem ganhando importância. Em verdade, ainda que grande parte da agenda política religiosa moderna derive de uma perspectiva mais conservadora e de defesa de valores tradicionais, isso não quer dizer que ela também não seja usada para denunciar injustiças e promover justiça social.

Basta citarmos o caso da Teologia da Libertação, promovida pela Igreja Católica, em países da América Latina, por exemplo. Já no caso da violência política de inspiração religiosa, é preciso notar que em tais casos as escrituras sagradas são frequentemente usadas de forma seletiva e instrumental, apenas para justificar ações absolutamente injustificáveis.

Em suma, as escrituras ou instruções religiosas (sejam elas judaicas, cristãs, islâmicas, hindus, budistas, etc.) não podem ser culpadas pelo que fazem em nome delas. De outro modo, também compete dizer que muitas vezes a religião é manipulada para servir de instrumento útil para discursos que alimentam o conflito ao invés da conciliação.

Logo, distinções entre diferentes confissões só levam a conflitos e à violência se determinados líderes religiosos e/ou seculares as utilizam de forma distorcida, a fim de justificar suas "guerras santas".

Isso se dá, como já mencionado, pela facilidade com que diferenças religiosas podem ser manipuladas para fins políticos, sejam eles domésticos ou internacionais, o que não quer dizer que as religiões em si sejam essencialmente belicistas ou que incentivem a agressão.

Tendo dito isso, talvez o principal problema histórico por trás da relação entre religião e relações internacionais seja justamente o seu uso político para obtenção de objetivos particulares e egoístas, sejam eles de indivíduos ou de Estados. Ainda assim, apesar de todos os pesares, o século XXI — para o bem ou para o mal — continuará servindo de palco para a "divina política".

 

       ONU: com financiamentos interrompidos, ajuda humanitária a refugiados em Gaza não passa de fevereiro

 

A agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Próximo (UNRWA, na sigla em inglês) terá que interromper suas operações em março, declarou o chefe da órgão, Philippe Lazzarini, nesta segunda-feira (29), se os cortes financeiros de vários países não forem retomados.

Pelo menos nove países suspenderam temporariamente o financiamento à UNRWA, desde a última sexta-feira (27), após suspeitas de envolvimento de funcionários nos ataques do Hamas contra Israel no dia 7 de outubro.

Com isso, os recursos para pagar os salários de 13 mil funcionários que atendem a mais de 2 milhões de pessoas em Gaza, além de compras para alimentos e outros insumos básicos para os refugiados são suficientes até fevereiro, segundo a nota.

"A assistência vital da UNRWA está prestes a acabar devido às decisões de alguns países de cortarem seu financiamento à Agência [...] Estou chocado que tais decisões sejam tomadas com base no suposto comportamento de alguns indivíduos, enquanto a guerra continua, as necessidades se aprofundam e a fome se aproxima. Os palestinos em Gaza não precisavam deste castigo coletivo adicional. Isso mancha todos nós", disse ele em seu perfil na conta da plataforma X (antigo Twitter).

A UNRWA informou que compartilha a lista de todos os seus funcionários com os países anfitriões a cada ano, incluindo Israel, e nunca recebeu reclamações sobre os membros da equipe.

"Instamos os países que suspenderam seu financiamento a reconsiderarem suas decisões antes que a UNRWA seja forçada a suspender sua resposta humanitária. A vida das pessoas em Gaza depende desse apoio, assim como a estabilidade regional", frisa a nota.

Os países que interromperam o financiamento estão entre os principais doadores governamentais da UNRWA: Estados Unidos, Alemanha, Suíça, Canadá, Holanda, Reino Unido, Itália, Austrália, França e Japão.

Mais cedo, a Comissão Europeia anunciou que determinará as próximas decisões de financiamento após uma investigação sobre as alegações.

O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, prometeu neste domingo (28) responsabilizar "qualquer funcionário da ONU envolvido em atos de terror" após alegações de que alguns funcionários da agência para os refugiados estiveram envolvidos nos ataques do Hamas em Israel, no dia 7 de outubro.

Seguindo os Estados Unidos e a Austrália, Roma e Ottawa decidiram cortar a verba destinada à agência palestina das Nações Unidas neste fim de semana, enquanto uma investigação apura suposta participação de funcionários no ataque do Hamas a Israel.

Na última sexta-feira (26), a Agência das Nações Unidas de Assistência e Obras aos Refugiados da Palestina (UNRWA) lançou uma investigação sobre as alegações de Israel de que vários funcionários da agência estiveram envolvidos nos ataques do Hamas de 7 de outubro a Israel.

 

       Barril de petróleo pode ultrapassar US$ 90 com crise no Iêmen, diz presidente da Petrobras

 

O presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, afirmou nesta segunda-feira (29) em entrevista à Bloomberg TV que, se os ataques a navios petroleiros no mar Vermelho se intensificarem, os preços do barril de petróleo podem ultrapassar US$ 90 (cerca de R$ 445) por barril.

"Temos um gargalo muito frágil para o negócio do petróleo e gás. Ninguém estava prestando atenção nisso durante décadas. Você tem o Iêmen de um lado e a Somália do outro", comentou ele no programa.

O petróleo atualmente está sendo negociado entre US$ 70 (R$ 346) e US$ 90 e deve continuar nessa média ao longo de 2024, se os ataques houthis cessarem, comentou ele.

Em meados de novembro passado, os houthis começaram a atacar navios afiliados a Israel no mar Vermelho, em solidariedade com os palestinos na Faixa de Gaza, causando uma queda acentuada no tráfego marítimo através do canal de Suez.

A Petrobras não foi afetada pelos ataques, porque não transporta muito petróleo pelo canal de Suez, acrescentou Prates.

O movimento prometeu que continuará a atacar os navios que estão associados a Israel até o fim dos bombardeios e da ofensiva israelense contra a Faixa de Gaza.

Na última semana, aviões de guerra, navios e submarinos norte-americanos e britânicos lançaram dezenas de ataques aéreos em todo o Iêmen em retaliação aos ataques do Ansar Allah (houthis) a navios comerciais, que foram forçados a desviar sua rota do mar Vermelho.

As forças dos EUA e do Reino Unido atacaram na última terça-feira (23) um local de armazenamento subterrâneo houthi, bem como instalações de mísseis e vigilância, de acordo com o Pentágono.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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