'Divina
política': problemas e percepções sobre a relação entre religião e política na
sociedade
A
relegação da religião à esfera privada do indivíduo tem sido um tema recorrente
da ciência política há pelo menos dois séculos. No entanto, hoje testemunhamos
um ressurgimento global da religião como fator que vem sendo reivindicado por
vários atores políticos importantes, nas mais diferentes partes do mundo.
Por certo,
pensadores como Karl Marx e Sigmund Freud — cada um a seu tempo — propuseram a
ideia de que a crença religiosa declinaria à medida que as sociedades se
tornassem mais industrializadas e modernas.
Logo, o
significado social e político da religião diminuiria em face de um mundo cada
vez mais secular e materialista, levando a um processo de fragmentação e
diferenciação social em que o Estado proveria muitos dos serviços de bem-estar
até então prestados pelas instituições eclesiásticas. A diminuição do papel da
religião na sociedade também seria uma consequência do predomínio da
racionalidade científica.
Com isso,
num mundo de atores estatais cientificamente orientados, restaria pouco espaço
para atores religiosos não estatais exercerem uma influência decisiva nos
processos sociais, tanto domésticos quanto internacionais.
Não
obstante, abordagens analíticas sobre as relações internacionais passaram a
partilhar a visão de que a religião é um elemento secundário diante de outros
fatores como poder econômico e militar, considerados mais importantes para
explicar o comportamento dos Estados.
Escolas de
pensamento liberal, em contrapartida, atribuíram grande importância a atores
transnacionais na política global, mas sem reconhecer a religião como um ator
significativo, salvo o Vaticano em alguns casos.
Seja como
for, a partir da década de 1980, analistas políticos e sociólogos se viram
diante de um sério desafio, a saber, o de entender as razões por trás do
ressurgimento global da religião como fator influente nas relações
internacionais. Logo, a proclamação de Nietzsche de que Deus está morto foi
colocada à prova, à medida que mais e mais pessoas ao redor do mundo abraçavam
novamente a religião em meio às incertezas da modernidade.
Esse
renascimento iniciou um processo de "desprivatização" da religião,
com o regresso de discursos sobre o sagrado para a esfera pública. Afinal,
Maquiavel já tinha salientado, ainda no século XVI, que a religião poderia ser
uma ferramenta útil para um governante legitimar ou justificar uma ação
política.
Em outras
palavras, ocorreu um ressurgimento da religião politizada, como exemplificada
pela Revolução Iraniana de 1979, onde o regime ocidental do xá foi derrubado
por uma coligação islâmica liderada pelo aiatolá Khomeini.
Outro
exemplo foi a eleição em 1978 de um papa mais ativista, João Paulo II, que
utilizou suas viagens frequentes para promover ideais baseados na fé e na
defesa dos direitos humanos. Mais recentemente, por sua vez, temos visto o
fortalecimento da chamada "direita cristã" tanto nos Estados Unidos
como no Brasil, formada especialmente por grupos evangélicos conservadores, que
procuram conformar a vida pública a seu entendimento bíblico.
No Oriente
Médio houve também uma substituição gradual do nacionalismo pelo Islã como
ideologia mobilizadora principal nas lutas dos povos árabes e do mundo
muçulmano em geral. O islã — em sua forma distorcida — também foi utilizado
para motivar atividades extremistas e terroristas de cunho político, como
evidenciado nos ataques de 11 de Setembro.
Além
disso, no sul da Ásia a religião tem sido utilizada por líderes nacionalistas,
como Narendra Modi na Índia, que visa mobilizar o povo indiano em torno de uma
identidade propriamente hindu.
Na Índia,
onde 80% da população se considera hinduísta, desenvolveu-se uma variante de
nacionalismo religioso baseada na noção de Hindutva, que, entre outros pontos,
baseia-se na rejeição das influências islâmicas e cristãs na sociedade.
A noção de
Hindutva ganhou popularidade sobretudo na década de 1980, com a criação do
Partido do Povo Indiano (BJP, de Bharatiya Janata Party) e a sua consequente
representação parlamentar e participação em sucessivos governos no país. O BJP,
aliás, é o partido de Modi.
Todos
esses exemplos servem para mostrar que a importância da religião na política e
no debate público está aumentando e o papel de determinados agentes religiosos
nas relações internacionais também vem ganhando importância. Em verdade, ainda
que grande parte da agenda política religiosa moderna derive de uma perspectiva
mais conservadora e de defesa de valores tradicionais, isso não quer dizer que
ela também não seja usada para denunciar injustiças e promover justiça social.
Basta
citarmos o caso da Teologia da Libertação, promovida pela Igreja Católica, em
países da América Latina, por exemplo. Já no caso da violência política de
inspiração religiosa, é preciso notar que em tais casos as escrituras sagradas
são frequentemente usadas de forma seletiva e instrumental, apenas para
justificar ações absolutamente injustificáveis.
Em suma,
as escrituras ou instruções religiosas (sejam elas judaicas, cristãs,
islâmicas, hindus, budistas, etc.) não podem ser culpadas pelo que fazem em
nome delas. De outro modo, também compete dizer que muitas vezes a religião é
manipulada para servir de instrumento útil para discursos que alimentam o
conflito ao invés da conciliação.
Logo,
distinções entre diferentes confissões só levam a conflitos e à violência se
determinados líderes religiosos e/ou seculares as utilizam de forma distorcida,
a fim de justificar suas "guerras santas".
Isso se
dá, como já mencionado, pela facilidade com que diferenças religiosas podem ser
manipuladas para fins políticos, sejam eles domésticos ou internacionais, o que
não quer dizer que as religiões em si sejam essencialmente belicistas ou que
incentivem a agressão.
Tendo dito
isso, talvez o principal problema histórico por trás da relação entre religião
e relações internacionais seja justamente o seu uso político para obtenção de
objetivos particulares e egoístas, sejam eles de indivíduos ou de Estados.
Ainda assim, apesar de todos os pesares, o século XXI — para o bem ou para o
mal — continuará servindo de palco para a "divina política".
ONU: com financiamentos interrompidos,
ajuda humanitária a refugiados em Gaza não passa de fevereiro
A agência
das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Próximo
(UNRWA, na sigla em inglês) terá que interromper suas operações em março,
declarou o chefe da órgão, Philippe Lazzarini, nesta segunda-feira (29), se os
cortes financeiros de vários países não forem retomados.
Pelo menos
nove países suspenderam temporariamente o financiamento à UNRWA, desde a última
sexta-feira (27), após suspeitas de envolvimento de funcionários nos ataques do
Hamas contra Israel no dia 7 de outubro.
Com isso,
os recursos para pagar os salários de 13 mil funcionários que atendem a mais de
2 milhões de pessoas em Gaza, além de compras para alimentos e outros insumos
básicos para os refugiados são suficientes até fevereiro, segundo a nota.
"A
assistência vital da UNRWA está prestes a acabar devido às decisões de alguns
países de cortarem seu financiamento à Agência [...] Estou chocado que tais
decisões sejam tomadas com base no suposto comportamento de alguns indivíduos,
enquanto a guerra continua, as necessidades se aprofundam e a fome se aproxima.
Os palestinos em Gaza não precisavam deste castigo coletivo adicional. Isso
mancha todos nós", disse ele em seu perfil na conta da plataforma X
(antigo Twitter).
A UNRWA
informou que compartilha a lista de todos os seus funcionários com os países
anfitriões a cada ano, incluindo Israel, e nunca recebeu reclamações sobre os
membros da equipe.
"Instamos
os países que suspenderam seu financiamento a reconsiderarem suas decisões
antes que a UNRWA seja forçada a suspender sua resposta humanitária. A vida das
pessoas em Gaza depende desse apoio, assim como a estabilidade regional",
frisa a nota.
Os países
que interromperam o financiamento estão entre os principais doadores
governamentais da UNRWA: Estados Unidos, Alemanha, Suíça, Canadá, Holanda,
Reino Unido, Itália, Austrália, França e Japão.
Mais cedo,
a Comissão Europeia anunciou que determinará as próximas decisões de
financiamento após uma investigação sobre as alegações.
O
secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, prometeu neste domingo
(28) responsabilizar "qualquer funcionário da ONU envolvido em atos de
terror" após alegações de que alguns funcionários da agência para os
refugiados estiveram envolvidos nos ataques do Hamas em Israel, no dia 7 de
outubro.
Seguindo
os Estados Unidos e a Austrália, Roma e Ottawa decidiram cortar a verba
destinada à agência palestina das Nações Unidas neste fim de semana, enquanto
uma investigação apura suposta participação de funcionários no ataque do Hamas
a Israel.
Na última
sexta-feira (26), a Agência das Nações Unidas de Assistência e Obras aos
Refugiados da Palestina (UNRWA) lançou uma investigação sobre as alegações de
Israel de que vários funcionários da agência estiveram envolvidos nos ataques
do Hamas de 7 de outubro a Israel.
Barril de petróleo pode ultrapassar US$
90 com crise no Iêmen, diz presidente da Petrobras
O
presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, afirmou nesta segunda-feira (29) em
entrevista à Bloomberg TV que, se os ataques a navios petroleiros no mar
Vermelho se intensificarem, os preços do barril de petróleo podem ultrapassar
US$ 90 (cerca de R$ 445) por barril.
"Temos
um gargalo muito frágil para o negócio do petróleo e gás. Ninguém estava
prestando atenção nisso durante décadas. Você tem o Iêmen de um lado e a
Somália do outro", comentou ele no programa.
O petróleo
atualmente está sendo negociado entre US$ 70 (R$ 346) e US$ 90 e deve continuar
nessa média ao longo de 2024, se os ataques houthis cessarem, comentou ele.
Em meados
de novembro passado, os houthis começaram a atacar navios afiliados a Israel no
mar Vermelho, em solidariedade com os palestinos na Faixa de Gaza, causando uma
queda acentuada no tráfego marítimo através do canal de Suez.
A
Petrobras não foi afetada pelos ataques, porque não transporta muito petróleo
pelo canal de Suez, acrescentou Prates.
O
movimento prometeu que continuará a atacar os navios que estão associados a
Israel até o fim dos bombardeios e da ofensiva israelense contra a Faixa de
Gaza.
Na última
semana, aviões de guerra, navios e submarinos norte-americanos e britânicos
lançaram dezenas de ataques aéreos em todo o Iêmen em retaliação aos ataques do
Ansar Allah (houthis) a navios comerciais, que foram forçados a desviar sua
rota do mar Vermelho.
As forças
dos EUA e do Reino Unido atacaram na última terça-feira (23) um local de
armazenamento subterrâneo houthi, bem como instalações de mísseis e vigilância,
de acordo com o Pentágono.
Fonte:
Sputnik Brasil
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