Direito ao voto feminino faz 92 anos, mas
presença de mulheres na política ainda é desafio
O voto feminino no
Brasil foi conquistado há 92 anos. Ao longo desse período houve avanços na
participação das mulheres na política, mas ainda hoje há demandas a serem
superadas, como a paridade de gênero nos parlamentos, apontam especialistas
ouvidas pela reportagem.
"É impossível não
pensar que, passados quase 100 anos da conquista do voto, [ainda] temos
questões que são da mesma ordem de 1930. Isso é difícil de lidar", afirma
Cibele Tenório, jornalista e doutoranda em história pela UnB (Universidade de
Brasília).
Cibele diz que ter
representantes mulheres indígenas dentro do parlamento é uma das conquistas,
mas pontua que a violência política de gênero, por exemplo, é um fator que
impede as mulheres de exercerem seu mandato com tranquilidade.
Hannah Maruci, doutora
e mestra em ciência política pela USP e co-diretora d'A Tenda das Candidatas,
afirma que, mesmo com os direitos políticos adquiridos, ainda temos um
percentual baixo de mulheres no parlamento.
"Estamos falando
daqui a pouco em cem anos [do direito ao voto] e não estamos nem perto de uma
paridade, e as mulheres ainda ouvem discursos muito parecidos com aqueles
proferidos na década de 1930", afirmou.
Ela exemplifica
lembrando de um discurso do então presidente Michel Temer (MDB), durante o Dia
da Mulher, em que ele falou frases como: "as mulheres que sabem o preço do
supermercado" e "isso eu deixo para minha esposa".
Para Maruci, a luta
das sufragistas abriu a possibilidade para se questionar a forma como as
mulheres eram vistas na sociedade --ligadas aos afazeres domésticos e à
manutenção da família.
"Isso abriu
caminho para outras concepções de mulher, mas nunca superamos esse pensamento.
Nós continuamos vendo no próprio Congresso, em debates, quando a habilidade das
mulheres é questionada ou quando elas são consideradas muito emotivas para estarem
na política."
Só em 24 de fevereiro
de 1932, durante a era Vargas, o voto feminino foi acolhido, após o decreto de
um novo Código Eleitoral.
Mas a luta das
sufragistas começou muito antes. No século 19, um grupo de mulheres que
colaboravam para o jornal "A Família", como a professora Josefina
Álvares de Azevedo, iniciou uma campanha pelo sufrágio feminino.
Em 1889, com o fim da
monarquia, os republicanos convocaram uma Assembleia Constituinte para
assegurar o novo governo. A discussão sobre o voto feminino também foi incluída
na pauta.
Um grupo de deputados
homens passou a defender que o direito ao voto fosse estendido a mulheres
diplomadas e solteiras, mas a discussão não avançou.
"Alguns deputados
se mostraram dispostos a emplacar a causa. É curioso, porque eles eram até um
pouco ridicularizados pelos outros homens, como se quisessem chamar a atenção
das mulheres", afirma Maruci.
Anos depois, em 1910,
uma das protagonistas do movimento sufragista no Brasil, a baiana e professora
Leolinda de Figueiredo Daltro fundou o Partido Republicano Feminino. Ela fazia
parte de um grupo de professoras, responsáveis pela alfabetização infantil, que
se levantaram contra a desigualdade política.
Mais de dez anos
depois, em 1922, a sufragista Bertha Lutz fundou a Federação Brasileira pelo
Progresso Feminino com o objetivo de lutar pelos direitos civis e políticos das
mulheres.
Porém, até aquele
momento, nenhuma das duas iniciativas asseguraram a elas o direito ao voto.
Os argumentos que
impediam o avanço giravam em torno do papel que a mulher deveria exercer na
sociedade. Havia a ideia de que elas deveriam se dedicar ao cuidado da casa e
da família. Acreditava-se que, se elas votassem, esse trabalho se degeneraria.
Há charges da época
que ilustram esse pensamento. Em uma delas, uma mulher aparece ao centro em pé,
de roupa social, chapéu, com um cigarro na boca, uma bengala em uma mão e uma
maleta na outra. Ao seu redor, há um homem segurando um bebê no colo, outro,
fazendo crochê sentado em uma poltrona.
Outro argumento dizia
respeito à concepção de voto da época. Acreditava-se que o voto não era
individual, mas familiar, ou seja, a mulher não iria votar diferente do seu
marido ou pai, caso não fosse casada, porque ela sempre defenderia os direitos
da família.
"Existiam também
aqueles argumentos mais baixos, que vêm da concepção de inferioridade biológica
da mulher, [ao afirmar] que ela seria menos capaz", afirmou Hannah Maruci.
O voto feminino só
passou a ser cogitado de fato quando as sufragistas procuraram Getúlio Vargas
para conversar, após ele anunciar que faria uma reformulação do código
eleitoral do país e promoveria eleições para o Legislativo.
Nesse primeiro
momento, o voto feminino ainda tinha restrições. Apenas as mulheres viúvas ou
solteiras com renda própria poderiam votar. As casadas precisariam da
autorização do marido.
Só com o Código de
1932 o voto feminino passou a valer sem condições excepcionais, porém não era
obrigatório ainda para elas. A partir daquele momento as mulheres poderiam
votar e ser votadas.
Ao todo, sete
candidataram-se para as eleições legislativas: Leolinda Daltro, Natércia da
Silveira, Bertha Lutz, Ilka Labarte, Georgina Azevedo Lima, Tereza Rabelo de
Macedo e Julita Soares da Gama. Bertha foi a que recebeu a maior votação.
"Se o Brasil
tivesse adotado o voto quando as mulheres começaram a pedir, teria sido
pioneiro", afirmou Marucci. Segundo ela, o Código fez uma faxina no
sistema eleitoral brasileiro. Porém, ele garantiu o voto, mas não a igualdade
política.
"O voto não era
obrigatório para as mulheres. O que isso significa na prática? Que muitas delas
não teriam permissão de seu marido ou pai para votar."
Bertha foi uma das
sufragistas mais conhecidas. Foi uma grande articuladora do movimento ao
dialogar com as feministas dos Estados Unidos e com os deputados homens. Junto
com ela, outras mulheres também foram importantes para o movimento.
É o caso de Almerinda
Farias Gama, uma mulher negra que ganhou destaque ao votar e ser votada nas
eleições para a Assembleia Constituinte de 1933.
"Havia naquele
grupo também muitas mulheres que trabalhavam. Almerinda era datilógrafa e
assalariada. Era uma mulher que, quando chegou no grupo, assumiu muitas
funções, sendo a principal delas assessora de imprensa da federação",
afirma Cibele, que terá a sua tese de mestrado sobre a trajetória de Almerinda
adaptada para virar livro e publicada pela editora Todavia.
Em 1945, com a queda
de Vargas, o país retorna à democracia e elabora-se uma nova Constituição --a
Carta de 1946-- que torna o direito de voto das mulheres obrigatório. Anos
depois, em 1988, a Constituição Federal estendeu o direito de voto a homens e
mulheres analfabetos.
Segundo Cibele, o
movimento atual é o de manutenção do direito. "Essa República é masculina
e nos admite muitas vezes sob muita pressão. A tendência dela é sempre voltar
ao que era. Precisamos ficar muito atentos para que não haja retrocesso nos direitos
conquistados e que foram muito trabalhosos para as mulheres do passado",
concluiu.
Fonte: FolhaPress
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