Denise Assis: Bolsonaro se reposiciona -
saem de cena os militares e entram os pentecostais
Ou com 185 mil
seguidores fanáticos, trajando verde e amarelo, ou com 500 mil, ou com 700 mil,
um fato é inegável: Jair Bolsonaro obteve na Av. Paulista a foto que tanto
almejava: a de um aglomerado de bolsominions reunidos em torno do seu nome,
gritando “mito”. Um fato, porém, é preciso ser registrado, pois trata-se de um
ponto de inflexão importante. Foram varridos do seu palanque - pelo rigor das
investigações, principalmente as da operação do dia 8 de fevereiro, Tempus
Veritatis -, os militares.
Não se viu ali, nem
sequer os deputados que se intitulam general isto ou capitão aquilo. Quanto aos
generais que Bolsonaro encaixou nos cargos de ministros do seu governo,
simplesmente desapareceram do seu contexto. Tanto porque estão ameaçados de
prisão, ou porque já foram presos. Sem contar os que seguem sob 48 medidas
cautelares, como proibição de contato entre os investigados, retenção de
passaportes e suspensão dos cargos públicos.
Diante de tal cenário,
restou ao ex-presidente se reposicionar. Colocou, por garantia – se tiver que
ceder o lugar de liderança, que seja numa solução doméstica -, Michelle em
destaque, para abrir o evento, e com isso norteou o seu lugar político num cenário
ideológico/religioso. Desta forma, mantém atrás de si um exército de fiéis
fanáticos, que seguram os 20% do seu núcleo.
Enquanto esteve no
poder, tinha a garantia, no seu entorno, de generais simpáticos à continuidade
de seu governo, mesmo que para isso tivessem que arrastar para a aventura as
instituições a que pertencem. O seu candidato a vice, Walter Braga Netto, é um exemplo
pronto e acabado de alguém que conspurcou a farda que veste, chutando amizades
antigas, como a do atual comandante, Tomás Paiva, e do anterior, Marcos Freire
Gomes.
Para ambos reservou
adjetivos nada elogiosos. O primeiro, Tomás, por ter aconselhado o general
Villas Boas e a mulher, Cida, a saltarem do trem do golpe o quanto antes – não
foi ouvido -, e foi achincalhado: “PT desde criancinha”. O segundo, Freire
Gomes, por não ter ido até o fim com o golpe, foi brindado com o apelido
escatológico de “c.....ão”. Vamos lembrar que o então comandante do Exército
assinou nota de apoio aos acampamentos após a vitória do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, no dia 11 de novembro de 2022, e manteve o que estava na frente
do seu QG, de onde partiu a horda de terroristas para depredar os prédios
públicos, no 8 de janeiro.
O reposicionamento dos
militares/militantes, forçado, é verdade, vem a calhar com a orientação das
Forças Armadas de apagar a discussão sobre o golpe, “virar a página” e entregar
à Justiça comum, os que “devem”. Desde que os que devem não sejam os seus mais
queridos e próximos: o tenente Mauro Cid, seu pai, o general Cid, o ex-ministro
da Defesa, Paulo Sérgio de Oliveira e Freire Gomes que, se deixarmos, vão
entronizar no panteão dos heróis nacionais.
Todo o “carnagado”
financiado pelas igrejas pentecostais (e pode, Arnaldo?) passaram a ter função
tão importante no entorno de Bolsonaro quanto os militares no passado. Serão os
seus elementos de pressão “para o mundo”, como gritou na Paulista em seu discurso
- logo após uma reunião internacional da agremiação de líderes conservadores -
e no Congresso, onde empurrado pelo seu antigo vice, o general Hamilton Mourão,
hoje senador, tramita um projeto de anistia.
O projeto seria só
para os bagrinhos e os militares envolvidos na tentativa de golpe de estado,
mas sem o menor pudor. Bolsonaro se colocou nele, quando discursou: “o que eu
busco é passar uma borracha no passado”. A julgar pelas declarações emitidas
ontem pelos ministros do STF e o ânimo da sociedade, não vai dar. O povo clama:
“sem anistia”.
Ø
Salvio Kotter: O bolsonarismo residual
continua quixotesco
O recente ato político
na Avenida Paulista, liderado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, serve de
parâmetro para refletir sobre a força residual do bolsonarismo. Enquanto, sim,
milhares de pessoas se reuniram fisicamente no coração financeiro de São Paulo,
outra batalha se desenrolava paralelamente: a guerra de narrativas sobre o ato
nas redes sociais. Ali, a militância bolsonarista se mobilizou vigorosamente
com um objetivo claro – inflar digitalmente a dimensão do ato para criar uma
impressão de apoio amplo e inquestionável. Esse esforço de distorção, porém,
chocou-se frontalmente com estudos acadêmicos sérios e estimativas
independentes, que sugerem números menores: bem menores!
• Nas Trincheiras das Redes
O embate digital é tão
relevante quanto o físico. Uma vez que a foto desejada por Bolsonaro no ato
paulistano servirá de munição em seu confronto com instituições, o campo de
batalha nas redes sociais tornou-se essencial. A estratégia adotada, embora tenha
funcionado apenas parcialmente, consiste em criar uma imagem de consenso e
força irrefutável, sugerindo que uma vasta maioria nacional se alinha ao
ex-presidente. Contudo, baseando-se em dados concretos e análises demográficas,
sabemos que esse suposto consenso é uma miragem. As redes sociais, por sua
natureza, potencializam vozes e imagens, mas não substituem a realidade
objetiva – uma verdade que se perde em meio a tweets e postagens fervorosas.
• A Discórdia entre Números e Percepções
A discrepância entre o
número de participantes reportado pela Secretaria de Segurança Pública de São
Paulo, liderada por um aliado de Bolsonaro, e as estimativas independentes,
como o estudo realizado pela USP, reflete uma antiga tendência dos atores políticos
de manipular estatísticas em favor de sua narrativa. Mesmo assim, é alarmante
que um órgão de segurança encarregado de contagens oficiais participe desse
jogo de números, aumentando assim o já preocupante descrédito nas instituições.
Este conflito de percepções demonstrou não apenas a polarização no país, mas
também a instrumentalização de órgãos públicos para fins políticos, sectários,
uma tática que traz repercussões danosas para a democracia.
• Ataques Contra a Pesquisa Científica
Ao ser contestado, o
bolsonarismo mostrou-se rápido em desacreditar os dados oriundos de pesquisas
científicas, direcionando ataques ao grupo de pesquisadores da USP e suas
estimativas. A crítica vem na esteira de uma longa série de embates contra
instituições e órgãos que oferecem versões contrárias às endossadas pelo
ex-presidente e seus seguidores. Com isso, a contestação assume um papel duplo:
desqualificar os dados adversos e reforçar a crença no apoio incondicional que
Bolsonaro supostamente possuiria. Essa postura denota uma disputa por validação
política que demanda e promove um esforço de corroer a confiança nas
instituições acadêmicas e, por extensão, na ciência.
• Meu cavalo por uma fotografia
A persistência dos
organizadores do ato em desmentir as estimativas acadêmicas é uma tentativa
evidente de moldar a realidade a fim de enquadrá-la em um roteiro político
previamente delineado. Anseiam por uma fotografia que transmita uma mensagem de
unidade e superioridade numérica indiscutível, algo capaz de, por um lado,
tensionar as instituições e, por outro, mobilizar ainda mais seus apoiadores. A
questão, entretanto, não reside na obtenção dessa fotografia, mas sim no
significado que se busca imprimir a ela. A tradicional tática de inflacionar o
apoio, seja através de alegações de multidões em motociatas ou tentativas de
subverter os métodos de contagem, exemplifica a disposição em defender uma
narrativa de popularidade acima das evidências.
• Impacto nas Instituições e na Sociedade
Apesar do fervor
demonstrado nas redes sociais e da pressão para a anistia de golpistas, a
realidade das instituições brasileiras mostra que esses esforços são confinados
a limites definidos. STF, PGR e PF, além do Congresso, têm se mantido imunes
aos megafones digitais e à retórica quixotesca. E, embora o bolsonarismo tenha
desfilado mais uma vez sua capacidade de mobilização, fica claro que a sua
influência, embora expressiva, resulta de uma luta contra um moinho de vento.
Os fatos contradizem Bolsonaro e sua prisão se materializa a olhos vistos.
Enquanto isso, o Brasil continua sendo um quadro complexo de ideologias e
convicções, no qual a extremidade representada pelo bolsonarismo é no momento
não mais que uma das muitas facetas.
Ø
“Nada mudou” com ato: ministros do STF veem
“elementos para condenação” de Bolsonaro, diz site
Ministros do Supremo
Tribunal Federal (STF) avaliaram que o ato de Jair Bolsonaro na Avenida
Paulista, em São Paulo, só mostrou que o próprio ex-presidente é consciente dos
riscos e que há provas para a sua condenação.
A informação é de
Guilherme Amado, do Metrópoles, que afirma ter conversado com “alguns ministros
da ala majoritária” do Supremo, sem indicar quais deles teriam participado da
conversa: Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso,
Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin e Flávio Dino.
Segundo o colunista, a
postura do ex-presidente no ato deste domingo revela que ele está “se sentindo
emparedado”, consciente de que agora, a prova que o condena “é material” e, por
isso, adotou um tom “mais contido”.
Cuidando de suas
palavras, tratou de desaguar os ataques e efeitos na multidão dando o microfone
ao pastor Silas Malafaia. E que o ato teve menos efeito sendo ex-presidente do
que atos similares quando ele era o mandatário.
“Em resumo: na visão
da maioria dos ministros do STF, nada mudou. Há elementos para condenar
Bolsonaro. Era assim hoje de manhã. E segue assim”, escreveu.
Fonte: Brasil 247/Jornal
GGN
Nenhum comentário:
Postar um comentário