Como
escrita à mão beneficia o cérebro e ganha nova chance em escolas
A partir
de 2024, crianças do primeiro ao
sexto ano de escolas públicas
da Califórnia (EUA) estão novamente tendo de aprender a escrever em letra
cursiva.
Essa
escrita à mão havia saído do currículo californiano em 2010, mas agora está de
volta — movimento semelhante ao que ocorre em mais de 20 Estados americanos, em
diferentes graus.
A escrita
cursiva — em que se escreve em uma letra parecida à itálica, sem
necessariamente tirar o lápis do caderno — chegou a ser vista como uma técnica
moribunda nos EUA.
Agora, a
decisão na Califórnia reacende debates educacionais e científicos a respeito do
valor da escrita à mão, bem como dos benefícios ao cérebro e das implicações
globais se essa técnica acabar caindo no esquecimento.
A
neurocientista Claudia Aguirre, que mora na Califórnia, diz que "mais e
mais pesquisas sustentam a ideia de que escrever letras em cursivo,
especialmente em comparação com digitar, ativa caminhos neurais específicos que
facilitam e otimizam o aprendizado e o desenvolvimento da linguagem".
No Brasil,
a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) prevê o ensino da habilidade de se
escrever em letra cursiva nos primeiros anos do ensino fundamental.
Karin
James, professora de Ciências Cerebrais e Psicológicas na Universidade de
Indiana (EUA), aplica suas pesquisas em crianças de 4 a 6 anos.
Ela
identificou que aprender as letras por meio da escrita à mão ativa redes do
cérebro que não são ativadas pela digitação num teclado. Isso inclui áreas
cerebrais que têm papel crucial no desenvolvimento da leitura.
Outra
pesquisa, de autoria de Virginia Berninger (Universidade de Washington), também
mostrou que a escrita cursiva, os materiais impressos e a digitação usam
funções cerebrais relacionadas, porém diferentes.
Além
disso, no caso da digitação em teclado, os movimentos do dedo são os mesmos
para qualquer tecla de letra. Como consequência, se apenas aprenderem a
digitar, as crianças perderão a chance de desenvolver habilidades obtidas ao
compreenderem e dominarem a capacidade de escrever.
Um pequeno
estudo italiano aponta que o ensino da cursiva a alunos de primeiro ano podem
melhorar as habilidades de leitura.
A despeito
disso, o ensino da letra cursiva para crianças pequenas vinha se tornando mais
raro. Em vários países, essa técnica não é mais obrigatória.
Nos EUA,
embora o ensino da cursiva esteja voltando à luz, ele não é padronizado — o que
traz desafios aos professores.
"Mais
de 20 Estados acrescentaram a suas diretrizes educacionais a exigência da
escrita cursiva entre o 3° e o 5° anos", explica Kathleen S. Wright,
fundadora e diretora-executiva do Colaborativo de Escrita à Mão, organização
que ensina boas práticas nessa área. "Mas essa exigência não é imposta nem
recebe financiamento, então o ensino da escrita à mão não é endereçado de forma
consistente."
Dessa
forma, professores californianos terão agora de descobrir como integrar a
cursiva a suas aulas.
Mesmo
assim, a iniciativa do Estado é vista como benéfica, num momento pós-pandemia
em que se buscam formas de ensinar habilidades que reduzam a dependência das
telas entre crianças.
"Temos
visto cada vez mais pais reclamando que seus filhos estão tendo dificuldades na
escola, que não foram ensinados a escrever porque usam principalmente
computadores e outros aparelhos", diz Kelsey Voltz-Poremba,
professora-assistente de terapia ocupacional da Universidade de Pittsburgh
(EUA).
A escrita
cursiva ainda é amplamente ensinada na Europa Ocidental, em particular em
países como Reino Unido, Espanha, Itália, Portugal e França.
Já a
Finlândia pôs fim à exigência da escrita cursiva de suas escolas em 2016.
O Canadá
tentou descartar a escrita cursiva, mas voltou a ensiná-la em 2023. O
Ministério de Educação da província de Ontário restabeleceu a exigência da
escrita cursiva e agora está virando uma espécie de laboratório para outras
regiões que tentam entender quais as melhores práticas para esse ensino, quanto
tempo devem durar as aulas e com qual frequência essa técnica deve ser
ensinada.
Em meio a
tantas diferenças globais, as pesquisas ressaltam que não há lado negativo em
aprender letra cursiva. E embora a ligação entre escrever à mão e melhorar a
leitura não sejam necessariamente causais, alguns educadores temem que o
abandono da letra cursiva pode piorar o desempenho de alunos em sua capacidade
de ler textos.
Além
disso, o mero ato de escrever ajuda a memória e o aprendizado de palavras.
"É
importante achar um equilíbrio para garantir que os alunos tenham habilidades
que sejam obtidas sem o uso da tecnologia", opina a especialista
Voltz-Poremba.
Fonte: BBC
Future
Nenhum comentário:
Postar um comentário