Belo Monte desestruturou um ecossistema e
as vidas de indígenas, ribeirinhos e pescadores
Desde novembro de
2021, a hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, no Pará, opera sem licença
ambiental, que venceu na ocasião. Desde então, a Norte Energia, dona da usina,
tenta aqui e ali passar uma imagem de bom-mocismo e “limpar” um projeto que,
além de ineficiente em termos de energia, provocou impactos ambientais e
sociais profundos. Basta ir até a região para verificar.
Foi o que fizeram
Jamil Chade e Camille Lichotti, do UOL. Em idas a Altamira, no Pará, em
novembro e dezembro do ano passado, eles entrevistaram moradores, indígenas e
ribeirinhos, que dizem viver uma “guerra pela água”. A cidade foi uma das mais
impactadas pelas obras da megausina.
O projeto, que custou
R$ 19 bilhões, alterou o curso do rio Xingu, deslocou dezenas de milhares de
pessoas e provocou a morte de espécies da flora e da fauna locais – mais de 85
mil peixes entre 2015 e 2019, segundo o Ministério Público Federal. Moradores
assistiram a invasão de madeireiros ilegais e a transformação dos rios. E
reclamam da falta de assistência da Norte Energia e do poder público, que
prometeu diálogo, mas, segundo eles, isso não ocorreu.
Há aldeias indígenas
que vivem permanentemente no escuro. Linhas de transmissão que escoam a
eletricidade de Belo Monte passam praticamente na porta de algumas comunidades,
mas não entram. Em uma delas, o que existe é uma máquina a diesel fóssil – um
total contrassenso, já que se trata de uma energia elétrica suja e muito mais
cara que a hidrelétrica – fornecida pela Norte Energia e que funciona apenas
por algumas horas por dia.
A operação da usina
obedece o regime de cheias e secas do rio Xingu, e por isso gera cerca de 4.000
MW médios, apesar de ter capacidade instalada de cerca de 11.000 MW. Por isso,
Suely Araújo, ex-presidente do IBAMA e coordenadora de políticas públicas do
Observatório do Clima, afirma que os alertas sobre as variações hidrográficas
deveriam ter repercutido mais na decisão de construí-la. Ainda mais porque o
preço ambiental e social foi alto demais.
O fato é que
comunidades ribeirinhas, vilarejos e aldeias indígenas lidam diariamente com as
consequências de Belo Monte, que são visíveis por toda parte. É o caso de
Raimundo Braga Gomes. “O rio era meu pai e minha mãe. Hoje, tudo acabou.”
Pescador por cinco décadas na região, ele disse que não foram apenas os peixes
que sumiram. Sua vida, como conhecia, desapareceu.
Ele e centenas de
moradores da região de Volta Grande do Xingu tiveram de sair de suas casas para
dar lugar às obras de Belo Monte. Raimundo foi colocado num bairro afastado de
Altamira, construído para abrigar as pessoas removidas. Ao lado da reportagem,
ele visitou o que é conhecido hoje como cemitério da floresta, ou paliteiro,
uma área alagada pela barragem. “Isso era a coisa mais bonita que existia. Nem
pássaro mais voa sobre o rio. Vão comer o quê?”, lamentou.
Enquanto isso, em mais
uma ação para justificar o injustificável, a Norte Energia está divulgando um
estudo, feito pela COPPE/UFRJ, que mostra que Belo Monte é a hidrelétrica mais
eficiente da Amazônia em termos de emissões de gases de efeito estufa, informa
O Globo. Entretanto, André Oliveira Sawakuchi, professor do Instituto de
Geociências da USP e membro do Observatório da Volta Grande do Xingu, ressalta
que a quantidade de emissões de GEE das hidrelétricas depende de fatores como o
tipo de rio e a geografia, e que ninguém sabe exatamente quanto são as emissões
reais desses projetos.
Em tempo:
A Eletrobras acaba de
perder o direito de realizar estudos de viabilidade técnica e econômica (EVTE)
para a construção de três grandes hidrelétricas – Jamanxim, Cachoeira dos Patos
e Cachoeira do Caí – na região amazônica, conta André Borges no Brazilian
Report. O complexo de usinas seria construído no rio Jamanxim, um dos
principais afluentes do rio Tapajós, no Pará, e teria capacidade total
instalada de 2.200 MW. Pelo projeto original, a instalação das hidrelétricas
iria inundar Áreas Protegidas da Amazônia, incluindo Unidades de Conservação e
Terras Indígenas. Algo que Belo Monte é exemplar em mostrar que não deve nunca
mais ser feito para garantir o abastecimento elétrico.
Asfaltamento da BR-319 pode gerar novas
pandemias, alertam cientistas
Mesmo antes de receber
um só centímetro de asfalto, o trecho do meio da BR-319, rodovia de cerca de
800 km que liga Manaus (AM) e Porto Velho, já vem provocando estragos na
Floresta Amazônica. Somente a perspectiva de pavimentação fez crescer o
desmatamento e as queimadas em algumas localidades, se estendendo por estradas
estaduais a ela ligadas. Mas, além da devastação, a polêmica obra pode ser o
vetor de doenças infecciosas, provocadas por microorganismos presentes em
animais da região. Assim como foi com a COVID-19.
É o que mostra um
texto publicado na revista científica Nature pelos pesquisadores Lucas
Ferrante, da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), e Guilherme Becker, da
Universidade Estadual da Pensilvânia (EUA). Segundo os cientistas, o
asfaltamento do trecho do meio pode prejudicar as metas climáticas ao acelerar
a perda da biodiversidade no bioma, além de propiciar saltos de zoonoses –
doenças infecciosas transmitidas dos animais para os seres humanos – que podem
desencadear novas pandemias.
“Este bloco da
floresta é o maior reservatório de patógenos do nosso planeta, tais como vírus,
fungos, bactérias e príons. O asfaltamento aumentará tanto o desmatamento como
a mobilidade humana na região. Estes fatores tendem a propiciar saltos
zoonóticos que podem resultar em uma sequência de pandemias e no fortalecimento
da disparidade na saúde pública”, explica Ferrante n’O Globo.
A preocupação é
crescente porque políticos locais, congressistas e alas do governo federal vem
aumentando a pressão pelo asfaltamento da BR-319. A obra seria incluída no Novo
PAC, mas o governo recuou e determinou a elaboração de mais estudos sobre seus impactos
socioambientais. Contudo, o Grupo de Trabalho formado para isso conta apenas
com representantes do Ministério dos Transportes (MT) e do Departamento
Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). Ninguém do Ministério do Meio
Ambiente (MMA) ou do IBAMA faz parte, ou do Ministério da Saúde.
Numa audiência pública
realizada em janeiro em Porto Velho, feita como parte dos estudos, o
secretário-executivo dos Transportes, George Santoro, afirmou que “a gente
precisa conseguir a licença de instalação” para as obras. E deu garantias de
que a BR-319 deverá ser concluída no governo Lula – a despeito do grupo de
trabalho ainda trabalhar nas análises.
No texto na Nature, o
cientista da UFAM aponta na Agência Cenarium outro interesse por trás das
obras: facilitar o acesso rodoviário a áreas de exploração de petróleo e gás
fóssil, como as que foram ofertadas pela ANP no Leilão do Fim do Mundo, em
dezembro passado. Por isso, defende que o governo federal feche definitivamente
a rodovia, suspendendo as licenças tanto de instalação, concedida em julho de
2022, como de manutenção.
O pesquisador do INPA,
Philip Martin Fearnside, que estuda impactos de obras de infraestrutura na
Amazônia há décadas, também tem falado sobre os perigos associados à
pavimentação da BR-319.
“Os riscos são
enormes, e o Estado brasileiro não tem e não terá capacidade de conter os
impactos num horizonte de tempo que vai muito além de qualquer mandato
político. O custo seria astronômico. Qual é o plano para controlar o
desmatamento em Roraima e na região Trans-Purus? Os riscos ferem os interesses
nacionais mais básicos, inclusive a manutenção da cidade de São Paulo. A
floresta na região Trans-Purus, que é ameaçada pela AM-366, AM-343 e outros
projetos ligados à BR-319, é a principal fonte de água para a maior cidade do
país, sendo que a reciclagem de água pela floresta nessa área é chave para
suprir o vapor d’água aos ventos conhecidos como ‘rios voadores’ que levam a
água para o Sudeste”, explicou, em artigo publicado no Amazônia Real, Mongabay e
Blog do Pedlowski.
Greenpeace e IEPA vão avaliar impacto da
exploração de petróleo na foz do Amazonas
Já está em águas
brasileiras o Witness, veleiro do Greenpeace que será a base da Expedição Costa
Amazônica Viva, que acontece ao longo do mês de março. A embarcação vai navegar
pelas costas do Amapá e do Pará com pesquisadores do Instituto de Pesquisa Científicas
e Tecnológicas do Estado do Amapá (IEPA) para coletar dados sobre as correntes
marítimas da região.
É nessa área, da bacia
da foz do Amazonas, que a Petrobras quer perfurar um poço para exploração de
combustíveis fósseis no bloco FZA-M-59, a cerca de 160 km da costa de Oiapoque,
no Amapá. Assim, os cientistas do IEPA pretendem fazer parte daquilo que a
petroleira e o Ministério de Minas e Energia (MME) deveriam ter providenciado
há tempos: avaliar os impactos que a atividade petrolífera pode causar numa
região de alta sensibilidade ambiental e com pouquíssimos dados.
Assim, o objetivo da
expedição, segundo o Greenpeace Brasil, é fomentar essa discussão, entendendo
como funcionam as correntes marítimas e quais são os riscos de um eventual
vazamento de petróleo na região, explica Mônica Bergamo na Folha. Afinal, há
incertezas se, em caso de acidente, o petróleo vazado poderá atingir a costa
amazônica, manguezais, rios, Terras Indígenas e lavouras da região.
A modelagem de
dispersão de óleo apresentada pela Petrobras no pedido de licença que está sob
análise do IBAMA – um dos parâmetros usados para identificar os riscos de uma
perfuração – indica que o petróleo não tocaria a costa brasileira, mas foi
recebida com ceticismo por oceanógrafos de referência no país, afirma o
Greenpeace. Além disso, contraria relatos das populações locais, que afirmam
ter testemunhado a chegada de objetos caídos em alto mar nos rios e mangues da
região. Por isso, a Expedição Costa Amazônica Viva irá ouvir também os Povos
Indígenas e outras pessoas que atuam no local.
Vale lembrar que, no
processo de licenciamento do IBAMA, o grau de impacto ambiental do projeto de
exploração para o FZA-M-59 atingiu escala máxima, com alta magnitude do impacto
negativo, influência em biodiversidade formada por espécies ameaçadas de extinção
e comprometimento de áreas ainda desconhecidas. A perfuração do poço teve grau
de impacto ambiental calculado pelo órgão ambiental em 0,5%. É o máximo
possível na escala que varia de 0 a 0,5%. Os principais componentes do
indicador – magnitude dos impactos, biodiversidade, persistência dos impactos e
comprometimento de área prioritária – também foram definidos em seus valores
máximos, o que levou ao índice de 0,5%.
Desmatamento na Amazônia cai pelo 10º mês
consecutivo, mostra o Imazon
O Sistema de Alerta de
Desmatamento (SAD), do Imazon, constatou mais uma queda na devastação da
Floresta Amazônica. O monitoramento por imagens de satélite feito pelo
instituto registrou um desmate de 79 km² do bioma amazônico em janeiro. O
número é 60% menor que os 198 km² detectados pelo SAD em janeiro de 2023,
quando se iniciou o governo Lula, e o menor para o mês desde 2018.
De acordo com o
Imazon, os números de janeiro marcam o 10º mês consecutivo de queda no
desmatamento amazônico verificado pelo SAD. Em dezembro, o sistema registrou um
desmate de 108 km² no bioma. Assim, na comparação entre o primeiro mês de 2024
e o último do ano passado, a redução no desmate foi de cerca de 27%.
Dos nove estados que
compõem a Amazônia Legal, Roraima foi o que liderou a devastação em janeiro,
com 32 km² desmatados, o que equivale a 40% do total. O estado foi seguido por
Mato Grosso e Pará, com 19 km² e 14 km², respectivamente, informam g1, Carta Capital,
Poder 360, Um só planeta e SBT. Ainda assim, os três estados registraram
números menores do que em janeiro de 2023, com Mato Grosso liderando a redução
percentual (-78%).
A liderança de Roraima
provavelmente ocorreu pelo fato do regime de chuvas no estado funcionar de
forma “inversa” aos outros oito que compõem a Amazônia Legal, explica a
pesquisadora do Imazon Larissa Amorim. “Enquanto os outros passam por um
período de chuvas, Roraima está com o clima mais seco, o que facilita a prática
do desmatamento, assim como a detecção da destruição pelos satélites”, explica.
Isso se reflete também
nas Terras Indígenas. Das dez TIs mais desmatadas na Amazônia em janeiro, seis
ficam em Roraima. Cinco delas têm seus territórios exclusivamente no estado, e
uma tem parte de sua área no vizinho Amazonas.
“É preciso aumentar
urgentemente as garantias de proteção desses territórios, principalmente os que
já vêm recorrentemente aparecendo nos nossos alertas de desmatamento. Esse é o
caso da Terra Yanomami, que apareceu entre os dez territórios indígenas mais
desmatados em 2023 e, em janeiro deste ano, ficou em segundo lugar”, alerta
Larissa.
Em tempo:
Líder do desmatamento
da Amazônia em janeiro, Roraima sofre com o fogo, cuja propagação é facilitada
pela seca que castiga o estado, como mostra a Folha BV. Uma fumaça provocada
pelas queimadas se espalhou para além das áreas rurais e atingiu diversos bairros
da capital roraimense, Boa Vista, informa o g1. A “nuvem” cinzenta é resultado
do fogo em municípios do estado que, há cerca de um mês, estão em chamas, e nas
áreas urbanas e rurais da própria capital, reforça o g1. Até agora, os
municípios de Iracema, Caracaraí, Rorainópolis e Mucajaí, no sul do estado, e
Pacaraima, Alto Alegre, Cantá, Bonfim, Uiramutã, Normandia e Amajari, no norte,
tiveram focos de queimadas detectados. Os três últimos decretaram situação de
emergência devido à estiagem.
Fonte: ClimaInfo
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