sábado, 24 de fevereiro de 2024

Belo Monte desestruturou um ecossistema e as vidas de indígenas, ribeirinhos e pescadores

Desde novembro de 2021, a hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, no Pará, opera sem licença ambiental, que venceu na ocasião. Desde então, a Norte Energia, dona da usina, tenta aqui e ali passar uma imagem de bom-mocismo e “limpar” um projeto que, além de ineficiente em termos de energia, provocou impactos ambientais e sociais profundos. Basta ir até a região para verificar.

Foi o que fizeram Jamil Chade e Camille Lichotti, do UOL. Em idas a Altamira, no Pará, em novembro e dezembro do ano passado, eles entrevistaram moradores, indígenas e ribeirinhos, que dizem viver uma “guerra pela água”. A cidade foi uma das mais impactadas pelas obras da megausina.

O projeto, que custou R$ 19 bilhões, alterou o curso do rio Xingu, deslocou dezenas de milhares de pessoas e provocou a morte de espécies da flora e da fauna locais – mais de 85 mil peixes entre 2015 e 2019, segundo o Ministério Público Federal. Moradores assistiram a invasão de madeireiros ilegais e a transformação dos rios. E reclamam da falta de assistência da Norte Energia e do poder público, que prometeu diálogo, mas, segundo eles, isso não ocorreu.

Há aldeias indígenas que vivem permanentemente no escuro. Linhas de transmissão que escoam a eletricidade de Belo Monte passam praticamente na porta de algumas comunidades, mas não entram. Em uma delas, o que existe é uma máquina a diesel fóssil – um total contrassenso, já que se trata de uma energia elétrica suja e muito mais cara que a hidrelétrica – fornecida pela Norte Energia e que funciona apenas por algumas horas por dia.

A operação da usina obedece o regime de cheias e secas do rio Xingu, e por isso gera cerca de 4.000 MW médios, apesar de ter capacidade instalada de cerca de 11.000 MW. Por isso, Suely Araújo, ex-presidente do IBAMA e coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, afirma que os alertas sobre as variações hidrográficas deveriam ter repercutido mais na decisão de construí-la. Ainda mais porque o preço ambiental e social foi alto demais.

O fato é que comunidades ribeirinhas, vilarejos e aldeias indígenas lidam diariamente com as consequências de Belo Monte, que são visíveis por toda parte. É o caso de Raimundo Braga Gomes. “O rio era meu pai e minha mãe. Hoje, tudo acabou.” Pescador por cinco décadas na região, ele disse que não foram apenas os peixes que sumiram. Sua vida, como conhecia, desapareceu.

Ele e centenas de moradores da região de Volta Grande do Xingu tiveram de sair de suas casas para dar lugar às obras de Belo Monte. Raimundo foi colocado num bairro afastado de Altamira, construído para abrigar as pessoas removidas. Ao lado da reportagem, ele visitou o que é conhecido hoje como cemitério da floresta, ou paliteiro, uma área alagada pela barragem. “Isso era a coisa mais bonita que existia. Nem pássaro mais voa sobre o rio. Vão comer o quê?”, lamentou.

Enquanto isso, em mais uma ação para justificar o injustificável, a Norte Energia está divulgando um estudo, feito pela COPPE/UFRJ, que mostra que Belo Monte é a hidrelétrica mais eficiente da Amazônia em termos de emissões de gases de efeito estufa, informa O Globo. Entretanto, André Oliveira Sawakuchi, professor do Instituto de Geociências da USP e membro do Observatório da Volta Grande do Xingu, ressalta que a quantidade de emissões de GEE das hidrelétricas depende de fatores como o tipo de rio e a geografia, e que ninguém sabe exatamente quanto são as emissões reais desses projetos.

Em tempo:

A Eletrobras acaba de perder o direito de realizar estudos de viabilidade técnica e econômica (EVTE) para a construção de três grandes hidrelétricas – Jamanxim, Cachoeira dos Patos e Cachoeira do Caí – na região amazônica, conta André Borges no Brazilian Report. O complexo de usinas seria construído no rio Jamanxim, um dos principais afluentes do rio Tapajós, no Pará, e teria capacidade total instalada de 2.200 MW. Pelo projeto original, a instalação das hidrelétricas iria inundar Áreas Protegidas da Amazônia, incluindo Unidades de Conservação e Terras Indígenas. Algo que Belo Monte é exemplar em mostrar que não deve nunca mais ser feito para garantir o abastecimento elétrico.

 

       Asfaltamento da BR-319 pode gerar novas pandemias, alertam cientistas

 

Mesmo antes de receber um só centímetro de asfalto, o trecho do meio da BR-319, rodovia de cerca de 800 km que liga Manaus (AM) e Porto Velho, já vem provocando estragos na Floresta Amazônica. Somente a perspectiva de pavimentação fez crescer o desmatamento e as queimadas em algumas localidades, se estendendo por estradas estaduais a ela ligadas. Mas, além da devastação, a polêmica obra pode ser o vetor de doenças infecciosas, provocadas por microorganismos presentes em animais da região. Assim como foi com a COVID-19.

É o que mostra um texto publicado na revista científica Nature pelos pesquisadores Lucas Ferrante, da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), e Guilherme Becker, da Universidade Estadual da Pensilvânia (EUA). Segundo os cientistas, o asfaltamento do trecho do meio pode prejudicar as metas climáticas ao acelerar a perda da biodiversidade no bioma, além de propiciar saltos de zoonoses – doenças infecciosas transmitidas dos animais para os seres humanos – que podem desencadear novas pandemias.

“Este bloco da floresta é o maior reservatório de patógenos do nosso planeta, tais como vírus, fungos, bactérias e príons. O asfaltamento aumentará tanto o desmatamento como a mobilidade humana na região. Estes fatores tendem a propiciar saltos zoonóticos que podem resultar em uma sequência de pandemias e no fortalecimento da disparidade na saúde pública”, explica Ferrante n’O Globo.

A preocupação é crescente porque políticos locais, congressistas e alas do governo federal vem aumentando a pressão pelo asfaltamento da BR-319. A obra seria incluída no Novo PAC, mas o governo recuou e determinou a elaboração de mais estudos sobre seus impactos socioambientais. Contudo, o Grupo de Trabalho formado para isso conta apenas com representantes do Ministério dos Transportes (MT) e do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). Ninguém do Ministério do Meio Ambiente (MMA) ou do IBAMA faz parte, ou do Ministério da Saúde.

Numa audiência pública realizada em janeiro em Porto Velho, feita como parte dos estudos, o secretário-executivo dos Transportes, George Santoro, afirmou que “a gente precisa conseguir a licença de instalação” para as obras. E deu garantias de que a BR-319 deverá ser concluída no governo Lula – a despeito do grupo de trabalho ainda trabalhar nas análises.

No texto na Nature, o cientista da UFAM aponta na Agência Cenarium outro interesse por trás das obras: facilitar o acesso rodoviário a áreas de exploração de petróleo e gás fóssil, como as que foram ofertadas pela ANP no Leilão do Fim do Mundo, em dezembro passado. Por isso, defende que o governo federal feche definitivamente a rodovia, suspendendo as licenças tanto de instalação, concedida em julho de 2022, como de manutenção.

O pesquisador do INPA, Philip Martin Fearnside, que estuda impactos de obras de infraestrutura na Amazônia há décadas, também tem falado sobre os perigos associados à pavimentação da BR-319.

“Os riscos são enormes, e o Estado brasileiro não tem e não terá capacidade de conter os impactos num horizonte de tempo que vai muito além de qualquer mandato político. O custo seria astronômico. Qual é o plano para controlar o desmatamento em Roraima e na região Trans-Purus? Os riscos ferem os interesses nacionais mais básicos, inclusive a manutenção da cidade de São Paulo. A floresta na região Trans-Purus, que é ameaçada pela AM-366, AM-343 e outros projetos ligados à BR-319, é a principal fonte de água para a maior cidade do país, sendo que a reciclagem de água pela floresta nessa área é chave para suprir o vapor d’água aos ventos conhecidos como ‘rios voadores’ que levam a água para o Sudeste”, explicou, em artigo publicado no Amazônia Real, Mongabay e Blog do Pedlowski.

 

       Greenpeace e IEPA vão avaliar impacto da exploração de petróleo na foz do Amazonas

 

Já está em águas brasileiras o Witness, veleiro do Greenpeace que será a base da Expedição Costa Amazônica Viva, que acontece ao longo do mês de março. A embarcação vai navegar pelas costas do Amapá e do Pará com pesquisadores do Instituto de Pesquisa Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá (IEPA) para coletar dados sobre as correntes marítimas da região.

É nessa área, da bacia da foz do Amazonas, que a Petrobras quer perfurar um poço para exploração de combustíveis fósseis no bloco FZA-M-59, a cerca de 160 km da costa de Oiapoque, no Amapá. Assim, os cientistas do IEPA pretendem fazer parte daquilo que a petroleira e o Ministério de Minas e Energia (MME) deveriam ter providenciado há tempos: avaliar os impactos que a atividade petrolífera pode causar numa região de alta sensibilidade ambiental e com pouquíssimos dados.

Assim, o objetivo da expedição, segundo o Greenpeace Brasil, é fomentar essa discussão, entendendo como funcionam as correntes marítimas e quais são os riscos de um eventual vazamento de petróleo na região, explica Mônica Bergamo na Folha. Afinal, há incertezas se, em caso de acidente, o petróleo vazado poderá atingir a costa amazônica, manguezais, rios, Terras Indígenas e lavouras da região.

A modelagem de dispersão de óleo apresentada pela Petrobras no pedido de licença que está sob análise do IBAMA – um dos parâmetros usados para identificar os riscos de uma perfuração – indica que o petróleo não tocaria a costa brasileira, mas foi recebida com ceticismo por oceanógrafos de referência no país, afirma o Greenpeace. Além disso, contraria relatos das populações locais, que afirmam ter testemunhado a chegada de objetos caídos em alto mar nos rios e mangues da região. Por isso, a Expedição Costa Amazônica Viva irá ouvir também os Povos Indígenas e outras pessoas que atuam no local.

Vale lembrar que, no processo de licenciamento do IBAMA, o grau de impacto ambiental do projeto de exploração para o FZA-M-59 atingiu escala máxima, com alta magnitude do impacto negativo, influência em biodiversidade formada por espécies ameaçadas de extinção e comprometimento de áreas ainda desconhecidas. A perfuração do poço teve grau de impacto ambiental calculado pelo órgão ambiental em 0,5%. É o máximo possível na escala que varia de 0 a 0,5%. Os principais componentes do indicador – magnitude dos impactos, biodiversidade, persistência dos impactos e comprometimento de área prioritária – também foram definidos em seus valores máximos, o que levou ao índice de 0,5%.

 

       Desmatamento na Amazônia cai pelo 10º mês consecutivo, mostra o Imazon

 

O Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), do Imazon, constatou mais uma queda na devastação da Floresta Amazônica. O monitoramento por imagens de satélite feito pelo instituto registrou um desmate de 79 km² do bioma amazônico em janeiro. O número é 60% menor que os 198 km² detectados pelo SAD em janeiro de 2023, quando se iniciou o governo Lula, e o menor para o mês desde 2018.

De acordo com o Imazon, os números de janeiro marcam o 10º mês consecutivo de queda no desmatamento amazônico verificado pelo SAD. Em dezembro, o sistema registrou um desmate de 108 km² no bioma. Assim, na comparação entre o primeiro mês de 2024 e o último do ano passado, a redução no desmate foi de cerca de 27%.

Dos nove estados que compõem a Amazônia Legal, Roraima foi o que liderou a devastação em janeiro, com 32 km² desmatados, o que equivale a 40% do total. O estado foi seguido por Mato Grosso e Pará, com 19 km² e 14 km², respectivamente, informam g1, Carta Capital, Poder 360, Um só planeta e SBT. Ainda assim, os três estados registraram números menores do que em janeiro de 2023, com Mato Grosso liderando a redução percentual (-78%).

A liderança de Roraima provavelmente ocorreu pelo fato do regime de chuvas no estado funcionar de forma “inversa” aos outros oito que compõem a Amazônia Legal, explica a pesquisadora do Imazon Larissa Amorim. “Enquanto os outros passam por um período de chuvas, Roraima está com o clima mais seco, o que facilita a prática do desmatamento, assim como a detecção da destruição pelos satélites”, explica.

Isso se reflete também nas Terras Indígenas. Das dez TIs mais desmatadas na Amazônia em janeiro, seis ficam em Roraima. Cinco delas têm seus territórios exclusivamente no estado, e uma tem parte de sua área no vizinho Amazonas.

“É preciso aumentar urgentemente as garantias de proteção desses territórios, principalmente os que já vêm recorrentemente aparecendo nos nossos alertas de desmatamento. Esse é o caso da Terra Yanomami, que apareceu entre os dez territórios indígenas mais desmatados em 2023 e, em janeiro deste ano, ficou em segundo lugar”, alerta Larissa.

Em tempo:

Líder do desmatamento da Amazônia em janeiro, Roraima sofre com o fogo, cuja propagação é facilitada pela seca que castiga o estado, como mostra a Folha BV. Uma fumaça provocada pelas queimadas se espalhou para além das áreas rurais e atingiu diversos bairros da capital roraimense, Boa Vista, informa o g1. A “nuvem” cinzenta é resultado do fogo em municípios do estado que, há cerca de um mês, estão em chamas, e nas áreas urbanas e rurais da própria capital, reforça o g1. Até agora, os municípios de Iracema, Caracaraí, Rorainópolis e Mucajaí, no sul do estado, e Pacaraima, Alto Alegre, Cantá, Bonfim, Uiramutã, Normandia e Amajari, no norte, tiveram focos de queimadas detectados. Os três últimos decretaram situação de emergência devido à estiagem.

 

Fonte: ClimaInfo

 

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