terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

Admissão de crime e clima de despedida: o ato final de Bolsonaro

Finalmente o tão aclamado ato do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), na avenida Paulista em São Paulo. Com uma adesão longe de ser pequena mas ainda mais longe de ser gigantesca. A manifestação da extrema direita não foi relevante.

Porém o ato pode ser lido como uma uma despedida de um ex-presidente que pode ser preso a qualquer momento assim como uma penca de seus aliados mais próximos, na melhor das analogias, podemos comparar a manifestação como um velório.

Bolsonaro já é inelegível até 2030, ficará duas eleições presidenciais fora do páreo e sem cargo no Estado brasileiro, o ex-presidente ultimamente só vem conseguindo alguma mídia nas páginas policiais. Se for preso, aí definitivamente irá para o ostrascismo, não existe vácuo na política e alguém ocupará seu lugar como líder do extremismo de direita no Brasil.

Vale notar que entre os 13 governadores eleitos na esteira do bolsonarismo em 2022, apenas 5 apareceram no ato, mesmo após reiterados pedidos de prova de fidelidade do ex-presidente. Sem falar dos parlamentares (senadores e deputados) que juntos, somam um pouco mais que uma centena.

Além disso, o extremismo concentrou todas as suas forças em apenas um local, não haveriam atos em outras localidades como foi em outros momentos, todas as fichas foram na paulista, assim como recursos e mobilizações (caravanas, motociatas e afins). Porém não chegou nem mesmo perto do público mobilizado para comemorar a eleição do presidente Lula em outubro de 2022, que não contou com 5% da mobilização que teve Bolsonaro.

Porém reforço: dizer que o ato foi pequeno é delírio. Dizer que o ato foi relevante, é outro delírio. No máximo foi expressivo mas não mudará um milímetro do curso das investigações, julgamentos e inquéritos. Não intimidou qualquer poder, tampouco o sistema de justiça.

Quem esperava também o início tardio de um terceiro turno também se frustrou, já que no fim essa mobilização toda serviu a um único propósito: para Bolsonaro tentar adiar a sua prisão e de seus apoiadores, chegando ao cúmulo do desespero ao pedir que os parlamentares aliados tentassem emplacar propostas de anistia no Congresso Nacional.

É aí que fica outra reflexão interessante: Bolsonaro pediu uma nova lei da anistia para os criminosos presos por conta do 8 de janeiro. Mas afinal de contas, até o mês passado os criminosos em Brasília não eram infiltrados petistas e tudo não passava de uma trama do PT.

Bolsonaro quer anistia para quem? Ele está admitindo que os criminosos em Brasília eram seus apoiadores?

“Já anistiamos no passado quem fez barbaridade no Brasil. Agora pedimos a todos os deputados e senadores um projeto de anistia”. Foi assim que fez a sua defesa.

Já em outro surto de sincericídio, reconheceu a existência da minuta golpista afirmando que ela não quer dizer nada, porque era apenas a declaração de um estado de sítio depois das eleições em que a então oposição venceu. “Golpe usando a Constituição? Tenha santa paciência”, completou o ex-presidente.

Depois explicou que a decretação do Estado de sítio necessitaria de apoio do Congresso, quase que afirmando que não teria como decretar estado de sítio sem ele. Algo do tipo: só não teve golpe por falta de oportunidade.

Tudo não passou de um pacato domingo. O ato de hoje receberá grande destaque nos noticiários. Quem estava no ato, esteve com Bolsonaro em 2018 e 2022 e se alvoroçava a cada nota do clube militar ameaçando a República entre os anos de 2013 e 2016. Não ampliou seu apoio, ficou isolado na ilha dos extremistas inveterados.

Bolsonaro está desesperado, seus apoiadores, idem. O dia seguinte ao ato deste domingo não será mais favorável ao ex-presidente do que foram os anteriores.

Sejamos francos, há o que se elogiar Aécio Neves (PSDB), que diferente de Bolsonaro, conseguiu criar um terceiro turno. O ex-presidente, por outro lado sequer conseguiu isso. Nem mesmo hoje, com toda a expectativa criada entre seus seguidores. Apenas, desesperadamente, está tentando fugir da prisão.

·        Bolsonaro assume minuta golpista e diz que documento era constitucional

Jair Bolsonaro confessou que sabia da existência de uma minuta com planos sobre o golpe de Estado, que culminou na invasão das sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023. O documento foi encontrado com seu ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, e faz parte  de uma ação contra Bolsonaro que corre no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Falando diante de uma multidão na Avenida Paulista, o ex-ocupante do Palácio do Planalto disse: "agora o golpe é porque tem uma minuta de um decreto de Estado de Defesa. Golpe usando a Constituição? Deixo claro, estado de sítio começa com o presidente da República convocando os conselhos da república e da defesa". 

Neste domingo (25), os bolsonaristas agitaram bandeiras do Brasil e de Israel no ato convocado pelo ex-ocupante do Palácio do Planalto para se defender das acusações de tentativa de golpe de Estado que a cada dia se agravam. O evento lotou a Paulista, segundo relatos.

·        "Bolsonaro reconheceu que cometeu crime e fez prova contra si", diz Rogério Correia

O líder do governo na Câmara, deputado federal Rogério Correia (PT-MG), fez duras críticas ao ato bolsonarista realizado neste domingo (25) na Avenida Paulista, em São Paulo. O parlamentar também alertou para as possíveis consequências legais das falas de Jair Bolsonaro, que admitiu ter conhecimento sobre a minuta de golpe do 8 de janeiro. 

"Bolsonaro admitiu a existência da minuta do golpe e disse que o conteúdo do documento é absolutamente legal, o que é mentira, pois fala até em prender ministro do STF e anular resultado eleitoral. E ainda pediu anistia, ou seja, reconhece que cometeu crime", afirmou Correia em seu perfil no X, antigo Twitter.

Para Correia,  as declarações de Bolsonaro durante o evento constituem uma confissão pública de crimes, o que pode complicar ainda mais a sua  situação perante a Justiça. “Sempre soube que o energúmeno tem língua solta, mas fazer tanta prova contra si é muita burrice”, completou.

 

Ø  "Já há motivos para prender Bolsonaro e Malafaia", diz Fernando Fernandes

 

O advogado Fernando Augusto Fernandes avalia que o ex-presidente Jair Bolsonaro agravou sua situação penal neste domingo, ao participar de um ato na Avenida Paulista em que pediu anistia por seus crimes. O mesmo vale para o empresário da fé Silas Malafaia. "Os motivos para a prisão preventiva de Bolsonaro e Malafaia já estavam presentes no momento da convocação da manifestação na Avenida Paulista, pois esta foi realizada com discursos de Malafaia sugerindo que Alexandre Moraes deveria ser preso. O que se testemunhou foi um agravamento das razões para a prisão, aliado à confissão de crime por parte do ex-presidente e à utilização de uma massa de pessoas para obter imunidade penal", afirmou Fernandes ao 247.

Ele também aponta que caberá ao ministro Alexandre de Moraes julgar se este é o momento oportuno para a prisão. "Quando o ministro Alexandre de Moraes ordenou o recolhimento do passaporte de Bolsonaro, já estavam claras as razões para a prisão. Agora cabe ao Ministro analisar a conveniência e eficácia da ação penal, determinando se as medidas alternativas ainda são suficientes ou se deve haver substituição pelo recolhimento de ambos ao cárcere", pontuou.

 

       Bolsonaro sai fortalecido espiritualmente da Paulista, até para ser preso. Por Moisés Mendes

 

Duas conclusões elementares sobre a aglomeração golpista e religiosa em São Paulo. Bolsonaro se fortaleceu espiritualmente para enfrentar a prisão. E líderes que pareciam vacilantes se habilitaram como herdeiros do espólio do sujeito. O resto vale pouco.

Vale quase nada, por exemplo, a especulação de que a manifestação, com público muito aquém do esperado, possa ter o poder de provocar reações radicais se Bolsonaro for preso. Que tipo de reação?

Um levante? Badernas? Mais uma invasão de Brasília? A “destruição” dos que prenderem Bolsonaro, como blefou Silas Malafia no discurso com ataques a Alexandre de Moraes?

Uma revolta com o apoio de Braga Netto e Augusto Heleno, que já contam com celas em reforma à espera do tenente e dos generais no QG do Exército em Brasília? A disseminação do terror nas cidades por grupos de CACs e milicianos?

Alguém imagina que, a partir da demonstração de força da fé na Paulista, seja possível ver Eduardo Bolsonaro rearticulando a extrema direita, mesmo sabendo que ele preferiu, ao invés de apoiar o pai em São Paulo, participar de um evento do fascismo em Washington? Imaginam uma cruzada religiosa liderada por Malafaia?

A aglomeração teve algumas utilidades, mas nenhuma com promessa de efeitos drásticos. Uma utilidade é a definição dos políticos que vão disputar a herança deixada por Bolsonaro.

Correram riscos e mostraram a cara Tarcísio de Freitas (com um discurso frouxo) e Romeu Zema e, num segundo time, Jorginho Mello e Ronaldo Caiado. Estão com alvará para levar o bolsonarismo adiante. E Bolsonaro passa a ser um santinho do pau oco.

Os pretendentes ao que ele deixa para 2026 estiveram no trio na avenida como crocodilos dentro de um tanque, no qual entraram querendo ou meio sem querer (alguns foram empurrados) e do qual não conseguirão sair.

A briga agora é pela herança de Bolsonaro, porque o inelegível não tem mais poder militar, não tem Paulo Guedes, Augusto Aras, Mauro Cid, Anderson Torres, não pode comprar o centrão e, depois da eleição municipal, talvez nem Valdemar Costa Neto e partido tenha mais.

Bolsonaro é uma entidade gasosa, quase um espírito da extrema direita, e essa passa a ser a sua função. Os que foram à Paulista e subiram no trio elétrico não estavam pensando em salvá-lo, mas em mostrar fidelidade ao santo e em fidelizar a base que ele deixa.

Comprovou-se no domingo, como era esperado, que o eleitorado mais ativo de Bolsonaro saiu da viuvez, um ano depois de dois fracassos, na eleição e no golpe.

O lastro de direita continua ativo e vivo, mais vivo do que o próprio Bolsonaro. Nesse cenário, saem os militares, como força capaz de inspirar e mobilizar golpistas e acolher manés e terroristas em quartéis, e entram os líderes espirituais. Sai Braga Netto e começa o protagonismo da era Malafaia e Michelle.

A guerra santa agora é de novo a dos costumes contra os demônios, e não a da possiblidade já sepultada de um golpe com suporte militar.

Prevalecem a pregação moralista e anticomunista e os ataques ao Supremo, com ameaças de amordaçamento do Judiciário por deliberações do Congresso.

Bolsonaro saiu da Paulista certo de que mantém em alerta grupos que vão lutar pelo que defende nas redes sociais, nas igrejas e nas eleições municipais.

Mas é claro que ele esperava mais gente e também um grito de guerra por parte dos oradores, que não aconteceu. Nem ele mesmo se preparou, por mediocridade, para oferecer o que poderia ser uma palavra de ordem.

Agora, é manter as engrenagens de líderes regionais e de tios e tias do zap, as rezadoras que seguem Michelle e os chefes paroquiais de direita que se transformaram em extremistas irreversíveis.

A fé é o sentimento que fica da aglomeração, que não transmitiu o vigor político esperado, mas cumpriu a tarefa de pelo menos expressar proteção espiritual ao líder.

Não há como imaginar que os efeitos da Paulista, em que todos os oradores deram um tom bíblico aos discursos, possam impedir que as investigações sigam em frente, possivelmente com novas informações devastadoras.

E que em algum momento Bolsonaro seja denunciado, processado, julgado, condenado e preso, mas com o Deus de Michelle e Malafaia no coração.

 

Fonte: O Cafezinho/Brasil 247

 

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