2 anos de Guerra na Ucrânia: relembre 8
narrativas de desinformação sobre o conflito
Há dois anos, a Rússia invadia a Ucrânia,
dando também início a uma guerra de informações nas redes sociais. Desde o
começo do conflito no Leste Europeu, a equipe do Estadão Verifica encontrou
alegações falsas e enganosas sobre a guerra em postagens no TikTok, Facebook e
Telegram. Veja abaixo as principais narrativas que desmentimos e aprenda a
identificar as mentiras.
·
Terceira Guerra Mundial iminente
É fato que há muita
tensão no cenário geopolítico atual. No final de janeiro,
o Estadão mostrou que países europeus temem que a Rússia esteja
planejando atacar a Otan e que isso
resulte em um conflito sem apoio dos Estados Unidos. Naquele mês, a Otan realizou seu maior exercício militar
desde 1988, com a participação de 90 mil soldados.
Apesar de especialistas verem motivo para preocupação, vídeos enganosos exageram e descontextualizam notícias
verdadeiras, com o objetivo de causar pânico e espalhar desinformação.
É o caso de vídeos no
TikTok que alardeiam o início de uma Terceira Guerra Mundial. O Estadão
Verifica identificou vídeos que descontextualizavam diferentes
notícias. Por exemplo, em novembro de 2023 uma postagem afirmava que um teste do sistema de emergência dos Estados
Unidos significava o começo de um conflito
global; em maio, outro vídeo citava o suposto ataque ucraniano a uma residência
do presidente russo, Vladimir Putin, como estopim para uma
guerra mundial. No final de 2022, vídeos consideraram bombardeios à usina nuclear de Zaporizhzhia como início de uma destruição global. Até hoje, nenhum
desses fatos resultou na Terceira Guerra Mundial.
A East Stratcom Task
Force, entidade ligada à União Europeia, mencionou a narrativa de guerra
mundial iminente como uma das principais vertentes de desinformação
impulsionadas pelo Kremlin. O objetivo é
justificar a invasão da Ucrânia como uma resposta à agressão do Ocidente.
<<< Fique
atento: Antes de compartilhar uma postagem ou encaminhar uma mensagem,
pare e pense: como esse conteúdo me faz sentir? Uma tática comum de
desinformadores é tentar provocar sensações como medo, raiva e angústia. Fique
atento a postagens com linguagem sensacionalista ou alarmista.
·
Declarações falsamente atribuídas a Putin e
a Zelenski
Muitas postagens se
aproveitam do fato de que o russo não é nada parecido com o português para
inserir legendas falsas a vídeos de Putin, inventando declarações do presidente
da Rússia. Em uma delas, verificada em setembro de 2023 pelo Projeto Comprova, as
legendas afirmavam que Putin teria criticado o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva por ter se encontrado com Volodomir
Zelenski, da Ucrânia. Em outra postagem, encontrada também no Telegram, o russo
anunciaria um bloqueio na exportação de diesel ao Brasil. A mesma técnica de inserir legendas falsas foi
usada em vídeos sem relação direta com a guerra no Leste Europeu (aqui, aqui e aqui).
Zelenski também teve
suas falas distorcidas. Um vídeo que circulou no TikTok em março de 2023 afirma
que o presidente ucraniano teria falado que “filhos e filhas americanos” teriam que lutar na guerra da Ucrânia. Na realidade, ele
fazia uma previsão de que os Estados Unidos teriam que intervir em um possível
conflito da Rússia contra a Otan.
<<< Fique
atento: Declarações polêmicas de líderes mundiais certamente renderiam
manchetes em veículos da imprensa profissional. Antes de compartilhar uma
postagem, faça uma busca e verifique se a fala em questão foi noticiada em
portais de notícia confiáveis.
·
Mentiras sobre o presidente ucraniano
Antes de se tornar
presidente da Ucrânia, Zelenski era comediante, e se notabilizou por interpretar um presidente caricato em uma
série na TV. Uma postagem desmentida pelo Verifica no início
da guerra se aproveitava desse passado, tirando de contexto uma cena do seriado
em que o personagem vivido por Zelenski imaginava
atirar contra o parlamento.
Outra peça de
desinformação sobre o ucraniano, divulgada em vídeos no TikTok em novembro do
ano passado, era a de que seria confirmado que Zelenski estaria vendendo armas
para o Oriente Médio. Essa alegação voltou a circular nas redes em outro
formato: recentemente, espalhou-se no Twitter/X uma montagem que imitava uma
reportagem do jornal americano The Washington Post, que afirmaria
que o fornecimento de armas da Ucrânia ao Hamas
teria triplicado nos últimos anos.
Algumas postagens
enganosas identificadas pelo Verifica buscavam construir uma
imagem mais positiva de Zelenski. Uma delas usava uma foto antiga para afirmar
que o presidente estaria lutando na linha de
frente da guerra; outra tirava de contexto um vídeo da
banda Boyce Avenue para fazer parecer que o ucraniano gravou uma canção de amor com a
esposa.
<<< Fique
atento: É muito comum se deparar com montagens que imitam manchetes de
portais de notícias. Antes de compartilhar, faça uma busca no veículo de
imprensa em questão e verifique se a reportagem é real. Desconfie de notícias
bombásticas que não repercutiram em outros jornais.
·
Imagens fora de contexto
Em situações de
emergência e conflito, as redes sociais são inundadas com imagens não
confirmadas dos eventos em alta. A confusão de informações é o cenário perfeito
para o compartilhamento de vídeos antigos ou com a localização errada. Isso
ocorreu tanto durante a guerra na Ucrânia como durante o conflito armado na Faixa de Gaza. O Verifica identificou postagens que
confundiam um incêndio na China e um ataque na Palestina com imagens da guerra na Ucrânia. Um exemplo curioso é o
de um vídeo retirado do jogo de computador
Arma III, que viralizou como se mostrasse o
conflito no Leste Europeu.
De acordo com
uma publicação do EU Disinfo Lab, organização independente que pesquisa desinformação na União
Europeia, o compartilhamento de imagens antigas e de informações não
confirmadas sobre o conflito é uma estratégia da guerra de informação entre os
dois países.
<<< Fique
atento: Um recurso importante para identificar fotos e vídeos antigos é
a busca reversa de imagens, que permite identificar a origem de um conteúdo em poucos
passos (veja como usar aqui). Observe outros detalhes que podem fornecer pistas, como
inscrições e símbolos em roupas.
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A ‘nazificação’ da Ucrânia
Ao anunciar a invasão
da Ucrânia, Putin citou a “nazificação” do país como um dos motivos para a
investida militar. A BBC, do Reino Unido, checou o discurso do presidente e apontou que as últimas eleições parlamentares da Ucrânia
elegeram apenas 2% de deputados extremistas, um número mais baixo que o de
outros países europeus. Além disso, Zelenski é judeu e integrantes de sua
família morreram no Holocausto.
Em julho de 2022,
o Estadão publicou uma reportagem que mostrava que a narrativa de “desnazificação” da Ucrânia
havia se tornado o principal argumento da máquina de propaganda russa. A falácia não surgiu com a guerra mais recente: dados obtidos
pelo The New York Times indicam que mais de 8 mil sites russos
compartilham a narrativa falsa desde 2014.
Essa história continua
a circular em postagens pró-Rússia nas redes sociais. Um vídeo no TikTok de
outubro de 2023, por exemplo, citava Stepan Bandera como “ídolo ucraniano”. Na
realidade, o líder nacionalista de extrema direita, morto em 1959, é uma figura
controversa no país do Leste Europeu. Segundo uma reportagem da Deutsche Welle, uma pesquisa de 2021 apontou que 32% dos ucranianos
consideravam manifestações nas ruas a favor de Bandera como positivas. O texto
afirma que o político é visto como um colaborador dos nazistas particularmente
em regiões do leste da Ucrânia, mais próximas da Rússia.
<<< Fique
atento: Várias organizações que analisam desinformação, como Atlantic Council, News Guard e East Stratcom Task Force, apontam que é a propaganda russa que tem divulgado o mito que
a Ucrânia é um país neonazista. Desconfie de postagens que reproduzem
estereótipos ou fazem generalizações sobre uma população.
·
Laboratórios americanos de armas biológicas
A teoria de que a
Ucrânia abrigaria laboratórios americanos de armas biológicas é divulgada por
veículos russos desde 2016, segundo a organização News Guard. Após a invasão russa em 2022, mensagens no WhatsApp começaram
a espalhar a ideia de que a operação militar teria como objetivo destruir esses
laboratórios. Em novembro de 2023, vídeos no TikTok continuavam a espalhar esse
boato, que nunca foi comprovado.
O Verifica mostrou
em 2022 que os EUA negam a existência de
laboratórios na Ucrânia. O que existe é
uma parceria técnica entre o Departamento de Defesa dos Estados Unidos e o
Ministério da Saúde da Ucrânia, desde 2005, para evitar ameaças biológicas, e
não criá-las. Para isso, os Estados Unidos financiaram melhorias em
laboratórios públicos da Ucrânia que desempenham um trabalho semelhante ao do
Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC).
<<< Fique
atento: A desinformação sobre laboratórios ucranianos foi disseminada junto com teorias da
conspiração sobre a covid-19. Antes de
compartilhar postagens sobre esse assunto, tenha em mente que a origem mais provável do vírus é
natural.
·
O bunker da Otan
A Organização do Tratado do Atlântico Norte
(Otan) é frequentemente citada em postagens
desinformativas sobre a guerra na Ucrânia. O grupo é formado por Estados
Unidos, Canadá e 29 países europeus, que assinaram uma aliança de defesa mútua.
A Ucrânia ainda não faz parte da organização, mas o Kremlin tem afirmado que o
país age como um fantoche da Otan.
Um dos boatos sobre a
Otan que circulou no Brasil afirmava que a Rússia teria atingido com mísseis
Kinzhal um bunker secreto da organização na Ucrânia. O Estadão Verifica encontrou
vídeos sobre esse assunto publicados em maio de 2023. Mas essa história nunca
foi confirmada por veículos de imprensa independentes e foi desmentida por
agências de checagem internacionais (Snopes e Vera Files).
<<< Fique
atento: Desconfie de histórias sensacionais que não foram noticiadas em
portais e jornais confiáveis. Caso a Rússia tivesse atingido um alvo da Otan,
isso seria assunto na imprensa e teria dado início a um conflito com a
organização.
·
O fantasma de Kiev
A história do
“fantasma de Kiev” circulou nas redes sociais no início da guerra da Ucrânia, e
contava sobre um piloto lendário que teria abatido dezenas de aeronaves russas
em um único dia. Postagens associaram o tal fantasma ao coronel Oleksandr Oksanchenko, morto no começo do conflito, e até a imagens retiradas de um videogame. A verdade é que esse boato nunca foi confirmado.
<<< Fique
atento: A recomendação é, mais uma vez, permanecer cético em relação a
relatos sensacionais ou exagerados. Antes de compartilhar, pense se a postagem
faz sentido, se foi divulgada por fontes confiáveis e se está tentando promover
uma agenda política. Pesquise em sites de busca e em portais de sua confiança.
Se ainda estiver em dúvida, envie a postagem para o Estadão
Verifica no WhatsApp. O
número para contato é (11) 97683-7490.
Ø
Ucrânia: guerra completa 2 anos com
fracasso de sanções contra Rússia
A invasão da Ucrânia pela Rússia completou
2 anos neste sábado (24) com o fracasso, ao menos até o momento, da estratégia
dos Estados Unidos e aliados de, por meio de sanções econômicas, forçar a
Rússia a retirar as tropas do campo de batalha. Para especialistas ouvidos pela
Agência Brasil, a situação da Rússia hoje é mais confortável do que a da
Ucrânia na guerra.
Após retrair 1,2% em
2022, no primeiro ano da guerra, a economia russa cresceu 3,6% em 2023,
mostrando que o conflito e as sanções ainda não tiveram os efeitos esperados
pelos adversários de Moscou. No terceiro trimestre de 2023, a economia russa
registrou crescimento de 5,5%.
Para o Fundo Monetário
Internacional (FMI), esse é um crescimento frágil porque é sustentado pelos
gastos militares impulsionados por recursos do Estado, segundo noticiou a Reuters.
De toda forma, o
presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, redobrou a aposta e anunciou, na
véspera do aniversário do conflito, mais 500 sanções econômicas contra o gigante euroasiático.
O professor de
Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC) Gilberto
Maringoni destacou que a expectativa do Ocidente, no começo da guerra, era a de
vencer o conflito por meio do isolamento econômico e político de Moscou.
“Esperava-se que a
Rússia logo entraria em recessão e não teria condições de financiar uma guerra
muito prolongada, e que as sanções econômicas, especialmente as contra a
exportação de petróleo e gás, junto com a retirada da Rússia do sistema de
pagamentos internacional, iriam isolar o país e ele seria estrangulado
econômica e financeiramente. Isso não só não aconteceu, como a Rússia teve um
crescimento surpreendente”, afirmou.
O professor, que
também é coordenador do Observatório de Política Externa e Inserção
Internacional do Brasil, acrescentou que a Rússia conseguiu contornar o
bloqueio econômico se aproximando do mercado asiático, especialmente o chinês.
“Se dá uma inédita
aliança entre a Rússia e a China, que foi sacramentada num acordo feito entre o
presidente [da China] Xi Jinping e o presidente [da Rússia] Vladimir Putin, dia
4 de fevereiro de 2022, ou seja, 18 dias antes do início da guerra”, explicou
Maringoni.
·
Sanções
O professor de
Relações Internacionais do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e
Pesquisa (IDP) Robson Valez destacou também que as sanções não foram capazes de
deter o objetivo de Vladimir Putin de anexar as províncias do leste da Ucrânia.
“As sanções econômicas
são uma arma muito utilizada pelos Estados Unidos e pela União Europeia. Temos
o exemplo das sanções contra Cuba, desde a década de 60, sanções econômicas
contra Venezuela, sanções econômicas contra o Irã. E em nenhum desses países a
gente viu uma mudança de regime, uma mudança do poder Executivo por conta
dessas sanções”, avalia.
Valdez acrescentou que
as pesquisas sobre sanções econômicas têm mostrado, ao contrário, que “são
pouco efetivas e acabam sendo instrumentalizadas por esses líderes para colocar
a população local contra os países que apoiam esse tipo de sanção”.
Outra consequência das
sanções e da guerra, para o especialista, foi a maior união dos principais
adversários de Washington, China, Rússia e o Irã. “Os principais adversários
dos Estados Unidos no campo internacional acabaram se beneficiando desse contexto
de conflito na Ucrânia”, acrescentou.
Doutor em Estudos Estratégicos
Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS) Robson
Valdez – Foto: Arquivo Pessoal
·
Favoritismo
A situação da Rússia
hoje na guerra está mais favorável do que a da Ucrânia e de seus aliados, na
avaliação do professor Robson Valdez, que também é pesquisador do Núcleo de
Estudos Latino-americanos da Universidade de Brasília (UnB).
“As evidências
apontam, passado esses 2 anos, que os custos políticos e econômicos dessa
guerra têm sido mais desfavoráveis à Ucrânia e seus aliados do que a Putin e a
economia russa”, disse.
Por isso, o professor
acredita que será difícil para a Ucrânia evitar, com o fim da guerra, a perda
de territórios. “Não vejo um cenário possível de negociação de paz,
encerramento do conflito, sem perda territorial e sem algum tipo de
desmilitarização por parte da Ucrânia”, acredita.
Posição semelhante tem
o professor da UFABC Gilberto Maringoni, para quem a Rússia está vencendo a
guerra. O especialista lembra que as eleições na Europa e nos Estados Unidos
podem reduzir ainda mais o apoio militar e financeiro ao governo da Ucrânia.
“A guerra tornou-se um
mau negócio, e impopular [na Europa e Estados Unidos]. E isso é que pode ser
fatal para a Ucrânia, para a economia ucraniana”, explicou Maringoni, lembrando
que a indústria alemã tem sofrido bastante com o aumento do custo da energia,
que é resultado também da guerra e das sanções contra a Rússia.
Nos Estados Unidos,
uma ajuda financeira bilionária para a Ucrânia está parada no Congresso por
oposição da maioria republicana. “Se a guerra realmente for um fator decisivo
na campanha eleitoral [dos Estados Unidos], ela pode causar dificuldades para a
reeleição de Joe Biden”, comentou.
Fonte: Agencia Estado/IstoÉ
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