terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Veja os principais pontos da operação que investiga espionagem ilegal da Abin

Apurações da Polícia Federal apontam que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) pode ter sido "instrumentalizada" para monitorar ilegalmente uma série de autoridades e pessoas envolvidas em investigações, além de desafetos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

O uso indevido da Abin teria ocorrido quando o órgão era chefiado por Alexandre Ramagem (PL-RJ), aliado de Bolsonaro que, atualmente, é deputado federal. Ramagem foi alvo de uma operação da PF nesta quinta-feira (25).

O crime, segundo as investigações, envolvia o uso do software "First Mile", ferramenta de geolocalização que permite identificar as movimentações de pessoas por meio dos celulares delas.

>>>> Veja abaixo os principais pontos da operação.

•        Decisão de Alexandre de Moraes

A operação "Vigilância Aproximada" da Polícia Federal foi autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, que retirou o sigilo da decisão nesta quinta.

Na decisão, Moraes escreveu que, sob a direção do deputado Alexandre Ramagem, policiais fizeram serviços de "contrainteligência ilícitos".

E, ainda, que Ramagem usou o órgão para fazer espionagem ilegal a favor da família do ex-presidente Jair Bolsonaro.

•        Buscas e apreensões

Ao todo, a PF cumpriu 21 mandados de busca e apreensão em endereços suspeitos em Brasília, Juiz de Fora, São João del Rei, e Rio de janeiro.

A TV Globo apurou que Alexandre Ramagem era o principal alvo da operação.

Foram feitas buscas no gabinete de Ramagem e no apartamento funcional da Câmara nesta quinta.

Agentes apreenderam quatro computadores, seis celulares e 20 pendrives em endereços do deputado. A TV Globo apurou que, entre os objetos apreendidos, há um notebook e um celular da Abin.

Segundo a PF, além das buscas, foram tomadas outras medidas alternativas à prisão, incluindo a suspensão imediata de sete policiais federais supostamente envolvidos no monitoramento ilegal.

•        Autoridades espionadas

A lista dos espionados inclui a ex-deputada Joice Hasselmann, que era aliada de Bolsonaro no início do mandato. Ela chegou a ser líder do governo no Congresso, mas rompeu com o ex-presidente.

Também foi alvo de espionagem o ex-deputado Rodrigo Maia, presidente da Câmara na primeira metade do mandato de Bolsonaro. O ex-parlamentar também se tornou um desafeto do ex-presidente e aliados.

A PF afirmou a Alexandre de Moraes que o monitoramento de Joice e Maia, feito "a pedido de Ramagem para posterior divulgação apócrifa", ocorreu durante um jantar de ambos do qual advogados também participaram.

As investigações dão conta ainda de que um servidor da Abin "teria sido flagrado pilotando um drone nas proximidades da residência do então governador do Ceará, Camilo Santana (PT-CE)", sem justificativa técnica para tal ação.

A decisão de Alexandre de Moraes não apresenta mais detalhes sobre o contexto do suposto monitoramento do petista pela Abin.

Atualmente, Camilo Santana é ministro da Educação do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Conforme as investigações, também foram localizadas anotações que indicam que servidores da Abin tentaram associar deputados federais e ministros do STF a uma facção criminosa de São Paulo, com o intuito de desmoralizá-los.

No caso do STF, foram coletadas informações sobre o julgamento de uma ação, a ADPF 579, que tratava de visitas íntimas em presídios, e a participação de uma ONG nessa ação.

Nesse contexto, segundo a PF, "identificou-se anotações cujo conteúdo remete à tentativa de associar deputados federais, bem como Exmo. ministro relator Alexandre de Moraes e outros parlamentares à organização criminosa PCC".

•        Celulares espionados

Cerca de 1,5 mil números de telefones foram alvo de espionagem, segundo dados obtidos pela investigação da PF. Foram 60 mil acessos para monitorar esses números de telefone, segundo apurou o blog da Natuza Nery.

A investigação da PF apontou que o software israelense "First Mile", comprado pelo governo, usava de GPS para monitorar irregularmente a localização de celulares de servidores públicos, políticos, policiais, advogados, jornalistas e até mesmo juízes.

Naquele momento, quando a denúncia do uso do sistema veio à tona, a Abin confirmou ao g1 que utilizou a tecnologia. O programa foi comprado no fim do governo Temer, a poucos dias da posse de Jair Bolsonaro, e usado até parte do terceiro ano do seu mandato.

•        Família de Bolsonaro

<<< Flávio Bolsonaro

A investigação afirma ainda que a estrutura da Abin foi utilizada para produzir documentos para proteger filhos do ex-presidente de investigações.

Em um dos casos, o material seria para orientar a defesa do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente, na investigação sobre a suspeita de "rachadinha" no seu gabinete quando deputado estadual.

No início do mandato de Bolsonaro na Presidência, Flávio foi acusado de recolher parte dos salários dos servidores de seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Posteriormente, a investigação foi anulada pelos tribunais superiores.

Na decisão que autorizou a operação, o ministro Alexandre de Moraes diz que "a utilização da Abin para fins ilícitos é, novamente, apontada pela Polícia Federal e confirmada na investigação quando demonstra a preparação de relatórios para defesa do senador Flávio Bolsonaro".

Em entrevista à GloboNews após a divulgação do material, o senador negou ter recebido informações da agência que pudessem beneficiá-lo.

"Isso é uma história completamente fantasiosa. Nunca recebi relatório de Abin para que pudesse ser beneficiado de alguma forma", afirmou.

"Eu nunca recebi relatório nenhum e, ainda que tivesse recebido, isso aí é imprestável, minha defesa nunca usou isso para nada. Isso não teria nenhuma utilidade para mim, assim como não teve", disse.

<<< Jair Renan Bolsonaro

Jair Renan Bolsonaro em imagem de 17 de outubro de 2022 — Foto: Evaristo Sa/AFP/Arquivo

A polícia apontou ainda a Moraes que, sob a direção de Ramagem, a Abin trabalhou "para interferir em diversas investigações da Polícia Federal, como por exemplo, para tentar fazer prova a favor de Jair Renan Bolsonaro, filho do então presidente Jair Bolsonaro".

Segundo a PF, em 2021, foi aberto um inquérito para apurar suposto tráfico de influência pelo filho 04 do ex-presidente. Os investigações afirmam que havia suspeita de que ele tinha recebido um veículo elétrico para beneficiar empresários do ramo de mineração.

Ainda de acordo com a PF, nesse caso, a Abin agiu para produzir provas de que o carro estava em posse "de um dos principais investigados – sócio de Renan Bolsonaro", e não do filho do então presidente.

•        Dificuldades na investigação

A Polícia Federal afirmou ao ministro Alexandre de Moraes do STF, que integrantes da atual cúpula da Abin, nomeados para os cargos pelo presidente Lula, adotaram postura que interferiu e até prejudicou as investigações sobre o monitoramento ilegal feito pelo órgão.

A pretexto de proteger informações sensíveis, segundo a PF, a atual gestão da Abin estaria dificultando o acesso a dados relevantes para a apuração das responsabilidades dos gestores anteriores, nomeados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.

"A preocupação de 'exposição de documentos' para segurança das operações de 'inteligência', em verdade, é o temor da progressão das investigações com a exposição das verdadeiras ações praticadas na estrutura paralela, anteriormente, existente na Abin", diz relatório da PF.

•        Caso Marielle Franco

Segundo as investigações, a Abin espionou ilegalmente Simone Sibilio, ex-coordenadora da força-tarefa do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) que investigou as mortes de Marielle Franco e Anderson Gomes.

Durante a investigação sobre a espionagem, a Controladoria Geral da União (CGU) encontrou um resumo do currículo da promotora do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) que coordenava a força-tarefa que investigava as mortes de Marielle e Andreson.

Esse documento, segundo as investigações, estava formatado do mesmo jeito que outros relatórios apócrifos criados pela estrutura paralela de espionagem existente na Abin durante o governo Bolsonaro.

"(...) ficou patente a instrumentalização da Abin, para monitoramento da Promotora de Justiça do Rio de Janeiro e coordenadora da força-tarefa sobre os homicídios qualificados perpetrados em desfavor da vereadora Marielle Franco e o motorista que lhe acompanhava Anderson Gomes", escreveu Moraes.

A decisão de Moraes não esclarece qual seria o objetivo do monitoramento da promotora responsável pelo caso.

•        Entrevista concedida por Ramagem

O deputado Alexandre Ramagem disse, em entrevista à GloboNews, nesta quinta-feira (25) que nunca teve acesso às senhas de sistemas de monitoramento First Mile para espionar autoridades públicas e cidadãos comuns. A declaração foi dada durante entrevista à GloboNews nesta tarde.

"Nós da direção da Polícia Federal, policiais federais que estavam comigo, nunca tivemos a utilização, execução, gestão ou senha desses sistemas", pontuou Ramagem.

“Quando nós fomos ouvir o diretor responsável pelas senhas e pela gestão para demonstrar como funciona ou para melhor funcionar (...) não estava tendo isso. Quando se negaram a me informar como eles estavam trabalhando com a ferramenta, eu exonerei esse diretor, que era o chefe dessa ferramenta, e encaminhei todo o procedimento para a corregedoria”, completou o deputado.

Ramagem também disse que o celular e o computador encontrados no gabinete dele durante as buscas eram "equipamentos antigos, sem utilização".

"Poderia devolver, mas estava ali, não sabia, pensei que fosse da Polícia Federal antiga, que eu tenho direito à custódia. Eu tinha direito à custódia, à cautela. São computador antigo e telefone antigo, sem nenhuma utilização (...), sem entrar em qualquer tecnologia da Abin, sem ter contato com sistemas da Abin", disse.

Sobre a suspeita de espionar Simone Sibilio, que investigou as mortes de Marielle Franco e Anderson Gomes, Ramagem se posicionou com surpresa.

"Quando veio a mim a questão de Marielle ali na Abin eu fiquei até 'como é possível, como que vai ter algo da Marielle, algo da investigação, utilização do sistema? Não'. Aí eu verifiquei que não tem nada a ver com o sistema, é um currículo da promotora, e parece que é uma informação que circulou ai", afirmou Ramagem na entrevista.

•        Abin colabora com investigações

A Abin informou que tem 10 meses que a atual gestão vem contribuindo com os inquéritos da PF e STF e que é "a maior interessada em esclarecer eventuais ilícitos", por isso "vai continuar colaborando com as investigações".

 

       PF precisa esclarecer também a arapongagem usada para monitorar e achacar aliados de Bolsonaro. Por Moisés Mendes

 

Estagiários da Abin sabem que a estrutura paralela de espionagem, que abastecia Bolsonaro, não produzia dossiês apenas contra quem o governo considerava adversário ou inimigo.

Ativistas da extrema direita, amigos de Bolsonaro, gente da intimidade do poder, que bajulava o líder em gabinetes e palanques, também foi monitorada para a elaboração de dossiês quase sempre depreciativos.

Se investigar apenas os casos de vítimas classificadas como inimigas de Bolsonaro, a Polícia Federal sabe que estará fazendo um trabalho incompleto.

É preciso saber como funcionava a perseguição a amigos. Nem o estagiário da Abin perguntaria por que esse monitoramento era feito. O estagiário sabe o que motivava a produção de dossiês.

Os relatórios sobre amigos, alguns célebres e com poder econômico, eram usados para tentar mantê-los sob controle e, quem sabe, achacar gente com problemas a resolver, segundo o que diziam os homens da Abin.

São procedimentos clássicos da arapongagem contra os próprios aliados e ativistas das diversas facções de suporte a uma estrutura criminosa de governo.

Uma das vítimas dos arapongas, que teve o dossiê divulgado pela imprensa, é o empresário Luciano Hang. Um relatório de 15 páginas foi produzido em junho de 2020 contra ele.

O documento seria um alerta a Bolsonaro sobre o histórico do autoproclamado véio da Havan, com informações sobre supostos delitos de contrabando, agiotagem, evasão de divisas, lavagem de dinheiro e sonegação.

A Abin desmentiu publicamente que tenha feito o dossiê, porque ninguém espera que arapongas confirmem a própria arapongagem, muito menos contra gente poderosa que transitava com desenvoltura em Brasília.

O que Bolsonaro poderia fazer com o relato? Que utilidade teriam as pretensas denúncias, se o agora inelegível-quase-preso confiava em Hang a ponto de tê-lo ao seu lado até na tribuna de honra do 7 de Setembro de 2022, vestido patrioticamente, como foi descrito por Alexandre de Moraes, de verde periquito?

Outros militantes do bolsonarismo foram acompanhados de perto pelas Abins, a oficial ou a paralela, para que o chefe, a família e os militares soubessem o que nem todos sabiam a respeito de quem os cortejava. Entre os quais alguns amigos dos garotos.

Alexandre Ramagem tinha uma estrutura de Estado, com um puxado ilegal, com poder que nenhum outro integrante do governo tinha, para saber o que quisesse de inimigos e amigos do governo.

Ramagem não era um Anderson Torres e muito menos um Mauro Cid. Era muito mais. Torres era um leva-e-traz atrapalhado, tão trapalhão que não soube nem esconder a minuta do golpe.

Mauro Cid era o militar com formação para ser um oficial prestativo, tão disponível para tarefas banais que se prestava até a gerir a receptação de muambas e a pagar as contas de Michelle.

Ramagem era o homem da informação privilegiada, xerife da sala, da copa e da cozinha do Planalto e da família, com redes de controle dos passos e das vozes que Bolsonaro precisava monitorar.

Torres e Cid seriam no máximo, numa estrutura hipotética em que estivessem juntos, meros ajudantes do poderoso delegado Ramagem, tão poderoso que até hoje mantinha em seu poder computador e celular funcionais da Abin.

Com uma diferença: não há até agora nada indicando que Torres e Cid tenham produzido informações e intrigas contra aliados e bajuladores de Bolsonaro.

 

Fonte: g1/Brasil 247

 

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