quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Operações da PF mostram que crise na Abin era questão de tempo

Nos bastidores do Congresso, a crise na Agência Brasileira de Inteligência (Abin) era esperada há muito tempo, antes mesmos de serem desfechadas as operações Última Milha, em outubro de 2023, e Vigilância Aproximada, na última quinta-feira. Para integrantes da base governista, a instituição não apenas continuava contaminada pelo bolsonarismo, como não percebiam na figura de Luiz Fernando Corrêa a necessária energia para limpar a área.

A principal prova de que o delegado federal aposentado talvez pudesse ser tragado pelos simpatizantes do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro remanescentes na agência — e possivelmente integrantes da "Abin paralela" montada pelo ex-diretor Alexandre Ramagem —, foi que esperou dois meses para ser sabatinado pela Comissão de Relações Exteriores e Segurança Nacional do Senado. Parte do colegiado, incluindo o presidente, senador Renan Calheiros (MDB-AL), via com preocupação o fato de Corrêa ter indicado — antes mesmo de ter o nome analisado pelos parlamentares — dois auxiliares considerados bolsonaristas.

·        Indicações

Um deles é Alessandro Moretti, o segundo no comando da Abin. O delegado federal é tachado como muito ligado ao ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Anderson Torres — que cumpre prisão domiciliar pelo envolvimento na tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023. O outro era Paulo Maurício Fortunato Pinto, que ocupava o terceiro cargo mais importante da agência — foi secretário de Planejamento e Gestão.

Fortunato foi alcançado pela operação Última Milha, que já apurava o uso indevido da ferramenta de monitoramento First Mile. Na incursão, os agentes ainda encontraram na casa do ex-diretor US$ 171.800, que, segundo ele, era "a poupança de uma família que tinha sonhos para a aposentadoria".

A operação prendeu, ainda, os ex-servidores da Abin Rodrigo Colli e Eduardo Arthur Izycki — que por conhecerem o funcionamento do First Mile estariam coagindo a direção da agência para não serem demitidos.

·        Abin tentou obstruir a PF de buscar documentos do esquema paralelo

Funcionários da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) tentaram dificultar que a Polícia Federal (PF) cumprisse os mandados de busca e apreensão, na sede da agência, por conta da Operação Vigilância Aproximada. Segundo agentes que participaram da incursão, foi preciso que o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) — que autorizou a ação dos federais — emitisse uma nova ordem ameaçando de prisão quem tentasse atrapalhar a coleta do material.

A informação da tentativa de restringir a ação da PF foi divulgada, inicialmente, pelo Blog da Andreia Sadi, no site G1. A ida dos federais à Abin foi uma das vertentes da operação, desfechada na quinta-feira, contra o ex-diretor da agência e hoje deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ). O parlamentar não apenas seria o responsável por montar um esquema de espionagem ilegal, utilizando o sistema First Mile, como ainda receberia informações sensíveis de dentro da instituição — algo que deixou o atual diretor, Luiz Fernando Corrêa, e seu braço-direito, Alessandro Moretti, em situação insustentável, podendo ser demitidos nos próximos dias.

Os agentes foram à Abin coletar dados de que o esquema de espionagem montado ilegalmente por Ramagem tinha por objetivo bisbilhotar autoridades e pessoas públicas consideradas inimigas de Jair Bolsonaro. O esquema também se proporia a passar ao ex-presidente informações privilegiadas de operações que envolvessem seus filhos.

A partir da chegada da PF, funcionários da Abin resistiram a permitir o acesso a dados e informações considerados importantes para confirmar a criação da "Abin paralela" por Ramagem. Conforme justificaram para os agentes, seria necessário que no mandado de busca expedido por Moraes se especificasse qual seria o objetivo e o alcance da medida.

A partir da nova ordem do ministro é que a PF obteve o que fora buscar. Nela, Moraes, inclusive, frisa que quem tentasse atrapalhar a coleta do material, seria preso em flagrante — além de detalhar a extensão das buscas.

•        Retirada de sigilo

Em paralelo ao andamento das investigações, agentes da PF solicitaram a Moraes que seja retirado o sigilo do relatório sobre o esquema de espionagem ilegal montado por Ramagem — pretendem que os nomes daqueles que foram monitorados ilegalmente venham à tona. Fontes ouvidas pelo Correio asseguram que o pedido está sendo avaliado pelo magistrado.

De acordo com fontes ligadas à investigação, aproximadamente 1,8 mil pessoas foram espionadas. Além do First Mile, a bisbilhotagem utilizou outros programas que possibilitavam o acesso a dados mais completos dos celulares das vítimas — como mensagens de texto e tráfego de informações em redes sociais. Um deles seria o aplicativo LTESniffer, que intercepta tráfego em redes 4G.

 

Ø  Bolsonaristas tentam se recompor após efeito causado por operações da PF

 

Os bolsonaristas foram duplamente atingidos em menos de uma semana. Duas operações da Polícia Federal (PF) contra dois deputados do PL do Rio de Janeiro balançaram as estruturas do partido do ex-presidente da República e deixaram irritado e atônito o presidente da legenda, Valdemar Costa Neto, que chegou a bater boca com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), de quem cobrou explicações e atitudes.

Num intervalo de seis dias, agentes da PF estiveram em dois gabinetes no Anexo IV da Câmara: no sétimo andar, de Carlos Jordy, e no quarto andar, de Alexandre Ramagem. Os policiais compareceram também às residências dos parlamentares, onde fizeram busca e apreensão de documentos e de aparelhos, como celulares e notebooks.

Para Jair Bolsonaro e seus correligionários, essas operações são investidas com propósito de atingir a extrema direita, e fragilizar o partido e seus candidatos a prefeito, em outubro. Jordy e Ramagem são dois postulantes a esses cargos, em Niterói e no Rio, respectivamente.

Na sua bancada de 99 deputados, o PL lista 14 prováveis candidatos às prefeituras. Alguns nomes preocupam o partido e esse assunto foi discutido em uma reunião, na última quarta-feira, na liderança do PL na Câmara. São os parlamentares que tiveram problemas com o Supremo Tribunal Federal (STF) e que foram ou são alvos de inquéritos e também da Procuradoria-Geral da República (PGR).

Entre esses estão André Fernandes (CE), cotado para concorrer em Fortaleza; Gustavo Gayer (GO), que pode disputar em Goiânia; Abilio Brunini (MT), que anunciou ser pré-candidato em Cuiabá; e Junio Amaral (MG), em Contagem.

Nesse encontro, 25 parlamentares discutiram e articularam que medidas pretendem adotar, ou tentar, para impedir o que estão chamando de "perseguição contra a direita". E apontam o ministro Alexandre de Moraes, do STF, e a PF como os perpetradores dessa "sangria", outro termo que utilizam, contra os aliados de Bolsonaro.

·        Foro privilegiado

Das ações a serem adotadas no início do período legislativo, estão a pressão para pautar e votar a emenda constitucional do fim do foro privilegiado, aprovada no Senado e que está parada na Câmara desde 2017. A proposta acabaria com o direito a esse foro, em caso de crimes comuns, para cerca de 55 mil autoridades, entre deputados, senadores, ministros, governadores, juízes dos tribunais superiores, desembargadores e uma série de outras carreiras.

Se vier a ser aprovada, parlamentares beneficiados pela prerrogativa, serão julgados na primeira instância da Justiça. Essa nunca foi uma pauta do bolsonarismo e, na campanha eleitoral de 2022, o ex-presidente disse ser contra. Com os anos e os processos no STF que atingiam a família, os Bolsonaro defenderam o fim do foro. Depois do 8 de janeiro de 2023, com deputados da direita acusados de atentado contra o Estado Democrático de Direito e de estimularem um golpe de Estado, a bancada, agora, vai encampar essa bandeira.

"Vamos trabalhar para isso, sim", disse Jordy ao Correio, após fazer um discurso no Salão Verde, na quarta-feira, criticando a operação da PF que o atingiu. Ele disse que o interesse é "dizimar a direita".

Outra iniciativa da oposição é tentar fazer andar no Congresso uma PEC que obrigue que todas ações judiciais contra deputados e senadores só sigam adiante após serem submetidas — e aprovadas — pelas mesas diretoras das duas casas. Ou seja, processo contra congressistas, somente com autorização de seus pares. A proposta é do deputado bolsonarista Rodrigo Valadares (União Brasil-SE).

O parlamentar a apresentou no dia da busca e apreensão contra Jordy, 18 de janeiro. Para fazer o texto tramitar, ele precisa colher o apoio de 171 deputados. Até agora, conseguiu 55, menos de um terço do necessário. E justifica a emenda:

"São ações, como a de hoje da PF, que visam apenas intimidar e amedrontar os detentores de mandatos eletivos, o que leva ao constrangimento público e macula a imagem de um membro do Poder Legislativo, como, por exemplo, no caso acontecido recentemente com o deputado federal Carlos Jordy. Uma medida que aconteceu durante o recesso parlamentar do Legislativo, época onde a resposta do colegiado tende a ser mais demorada, o que se agrava e transmite-se a ideia de intimidação e coação", explicou.

Um dos líderes dessa reunião, o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), segundo vice-presidente da Câmara, também prestou apoio a Ramagem e a Jordy, e acusou a esquerda política de conluio com o STF para prejudicar a oposição.

"Perseguição contra todos os conservadores de direita, que defendemos o Brasil verde e amarelo", disse.

O deputado Luciano Zucco (PL-RS), outro que participou da reunião, criticou a ação da PF e endossa a ideia de que parlamentares de seu espectro político estão sendo perseguidos. Também presente, Carla Zambelli (PL-SP) diz que trata-se de armação política. "Não é estranho que, em uma semana, sejam realizadas operações contra dois fortes pré-candidatos à prefeituras no estado do Rio de Janeiro: Carlos Jordy, por Niterói, e Ramagem, pela cidade do Rio?", desconfia.

 

Ø  "Abin paralela": Gonet se opôs a afastamento de Ramagem do mandato

 

A Polícia Federal pediu que o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), fosse afastado do mandato enquanto investiga se ele usou a estrutura da instituição para atender a interesses pessoais e políticos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A solicitação, no entanto, foi negada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), relator do caso.

Ao defender o afastamento do deputado, a PF afirmou que a agência, sob a gestão de Ramagem, "estava a serviço, em verdade, do extrato político nacional". Para os investigadores, a instituição foi loteada com aliados do governo, que formariam uma "estrutura paralela". O deputado teria "incentivado e acobertado" o suposto esquema de arapongagem.

"A informalidade era um meio de ação para não deixar rastros", afirma a PF em relatório enviado ao STF. "Os elementos de prova colhidos na fase ostensiva revelaram eventos correlatos que sedimentam o modus operandi e a instrumentalização da Abin sob a gestão do delegado Alexandre Ramagem."

A Procuradoria-Geral da República (PGR) foi contra o afastamento do deputado. O procurador-geral, Paulo Gustavo Gonet Branco, argumentou que o mandato parlamentar deve ser resguardado e que, como Ramagem não está mais à frente da Abin, cargo que deixou há mais de um ano, não existe justificativa para afastá-lo da Câmara.

"Se os fatos atribuídos ao deputado Ramagem são de seriedade evidente, não se avultam, neste momento, acontecimentos graves e contemporâneos que ponham em risco as investigações respectivas, justificadores da providência de afastamento das funções parlamentares", diz o parecer da PGR.

Sete policiais federais que, durante o governo Bolsonaro, estavam cedidos à Abin foram afastados do trabalho por determinação do STF. Moraes, no entanto, manteve o mandato de Ramagem.

"Em que pese a gravidade das condutas do investigado, Alexandre Ramagem, bem analisada pela Polícia Federal, neste momento da investigação não se vislumbra a atual necessidade e adequação de afastamento de suas funções. Essa hipótese poderá ser reanalisada se o investigado voltar a utilizar suas funções para interferir na produção probatória ou no curso das investigações", escreveu o ministro do STF.

 

Fonte: Correio Braziliense

 

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