quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

‘O agronegócio está na iminência de uma crise’, diz ministro

O agronegócio está na iminência de uma crise devido à quebra na safra de grãos, aos preços baixos das commodities e ao custo ainda elevado de produção. A avaliação é do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro. "Esse é o cenário de hoje, que ainda pode melhorar ou até piorar no decorrer da safra, mas 2024 será um ano difícil", disse Fávaro, em entrevista ao Broadcast Agro .

Mas para o ministro a conjuntura não é de "alarmismo". "Temos experiência com outras crises dessa magnitude e tranquilidade para enfrentá-la. O presidente Lula está sensível para trabalharmos a antecipação das medidas antes que a crise se instale, dentro das possibilidades do governo", assegurou o ministro. Essas medidas emergenciais passam por crédito, renegociação das dívidas e apoio à comercialização, adiantou. Já nas políticas agrícolas de médio e longo prazos, Fávaro se diz otimista com a reformulação do modelo de seguro rural brasileiro e com o programa de conversão de pastagens degradadas.

>>>> Veja os principais trechos da entrevista:

·        Ministro, estamos iniciando a colheita da safra de verão 2023/24 com quebra na produção de soja nas principais regiões produtoras, estimada em até 20% em alguns Estados. Como o governo está acompanhando a situação?

É fato que teremos uma quebra na safra brasileira de soja. Vejo números globais apontando para 6% a 7% de redução, mas pontualmente em algumas áreas ou propriedades pode haver quebra de até 30%, 40% a 50%. Temos um cenário de quebra de produção atrelado ao alto custo dos insumos e aos preços achatados das commodities, o que nos coloca na iminência de uma crise. Esse é o cenário de hoje, que ainda pode melhorar ou até piorar no decorrer da safra, em torno de 6% colhida. Mas já é um cenário bem definido de que 2024 será um ano difícil.

·        Diante dessa crise iminente, que medidas emergenciais podem ser adotadas pelo governo para socorro aos produtores?

Já estamos tomando algumas providências, fazendo estudos e diálogos. Na terça-feira, falei por telefone com o presidente Lula e ele me pediu para, até no máximo terça-feira (30), apresentar presencialmente para ele o cenário e algumas alternativas que estamos construindo. Agendamos uma conversa com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na manhã do mesmo dia para falar desse cenário e estaremos com o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Aloizio Mercadante, no Rio de Janeiro, em 2 de fevereiro para encaminhamentos e anúncio de medidas. Eu disse ao presidente Lula que temos experiência de enfrentar uma crise dessa magnitude, de quebra de safra e preços achatados. A diferença que propomos é que não precisamos deixar a crise se instalar para que as medidas sejam tomadas. O governo já mostrou que é sensível e já saneou uma crise semelhante em 2008, quando editou a medida provisória da repactuação das dívidas e concedeu crédito aos produtores. Então, por que não nos antecipamos? Se não fizermos nada, virá a inadimplência, virão recuperações judiciais e crescimento da dívida. Por que não pensar em um plano para manter os produtores adimplentes para passarmos por este ano de 2024 de dificuldade sem inadimplência? O presidente gostou da ideia. Temos a experiência e vamos nos antecipar.

·        Isso passa pela prorrogação dos financiamentos para a safra 2023/24, pedida pelo setor produtivo?

Essa é uma alternativa que está no radar. Temos que ver o custo dessa medida e, por isso, teremos uma longa reunião com o ministro Haddad. Estamos em discussões de déficit zero, orçamento curto e não posso, somente pela boa vontade, dizer que vamos prorrogar. A boa vontade existe, mas agora vamos achar os mecanismos e a forma para que possa ser feita uma prorrogação das dívidas. Temos que ter a cautela necessária, porque o orçamento público não é abundante. Precisamos de fato ver as regiões e produtores que precisam. Não pode ser e não será generalizado, assim como fizemos no ano passado com a resolução da crise pela seca no Rio Grande do Sul, com a criação de uma linha de crédito específica. É dessa forma que isso será tratado, com responsabilidade com o orçamento público.

Outra alternativa possível, neste momento em que o Brasil retomou a credibilidade para captação de recursos internacionais, são linhas de créditos ao produtor para que ele possa acessar e zere o passivo pagando parceladamente. São propostas que estão sendo construídas para dar mais tranquilidade ao produtor, para mantê-lo adimplente, com juros compatíveis ao setor e nos antecipando a um cenário de negativação, incertezas ou recuperação judicial. O presidente Lula está sensível para trabalharmos a antecipação das medidas, dentro das possibilidades do governo.

·        A equipe de política agrícola do Ministério cita a ideia de criação de uma linha dolarizada para capital de giro para revendas refinanciarem o custeio do produtor. Como está andando essa proposta junto ao BNDES, ministro?

Estamos propondo uma linha dolarizada e também uma linha em reais para uma parcela de produtores. A maior parte possui hedge natural em dólar por exportar commodities. Neste caso, a eventual criação de uma linha é mais fácil porque não há equalização do Tesouro, os juros são mais acessíveis e é uma alternativa mais rápida, evitando que o produtor fique inadimplente. O produtor que ver que não conseguirá pagar as parcelas de seu financiamento, antes mesmo de terminar a safra, ele já capta os recursos. Estudamos as possibilidades junto ao BNDES.

·        Nesta semana a soja atingiu o menor valor desde agosto de 2020 (R$ 116,29 por saca), ainda acima do mínimo de R$ 86,54, mas já abaixo de R$ 100 em contratos a termo e em queda contínua. Eventuais medidas de apoio à comercialização de soja estão no radar do governo, ministro?

Em apenas duas vezes na história o (governo do) Brasil precisou apoiar a comercialização de soja para garantia do preço mínimo. A primeira foi no governo (de José) Sarney e a segunda no governo Lula. Em ambos os casos foram crises gravíssimas, com a mais recente, de 2006, resultando na medida de repactuação de R$ 87 bilhões. Estamos muito próximos disso. Quero apresentar esse cenário ao presidente. Não vejo como uma catástrofe e sim com tranquilidade de que temos experiência adquirida para agir se for necessário em momento de crise. Ainda há uma distância para isso e não significa que se ficar pouco abaixo do preço mínimo o produtor vai querer apoio à comercialização. Mas é um cenário sendo estudado também e com recursos para apoiar a comercialização.

·        Em contrapartida aos grãos, o arroz já subiu mais de 40% e o feijão também registrou aumento de preços. São produtos com peso na cesta básica e, consequentemente, com impacto na inflação dos alimentos. O governo espera uma contribuição negativa do agro neste ano para a inflação, com maior pressão inflacionária?

O presidente Lula está muito atento a esses movimentos. Ele me ligou em um domingo de manhã para perguntar sobre o aumento do preço do arroz. Neste momento, o governo precisava ter um estoque mínimo de arroz para oferecer ao mercado, garantir o equilíbrio e a estabilidade ao consumidor, porque é um produto da cesta básica. Parte do que estamos vivendo é consequência de um governo passado que foi desatento e desestruturou essas políticas públicas. No ano passado, iniciamos a retomada da formação de estoques com milho, uma medida acertada, que agora serviu de apoio aos produtores do norte de Minas e da Bahia para enfrentar a falta de cereal para suas criações. Estamos tomando medidas de estímulo ao aumento da produção de arroz, feijão e mandioca. Apesar da dificuldade deste momento, vimos que a área plantada de arroz voltou a crescer e seguiremos trabalhando para o incentivo ao aumento ainda maior da produção de arroz. Vamos incentivar o plantio e, quando houver uma oferta mais abundante do cereal, o governo vai recompor seus estoques para minimizar o impacto dessas oscilações que não devem ocorrer nos produtos da cesta básica.

Apesar da quebra de safra de grãos e do aumento do arroz, a perspectiva é de que a cesta básica não seja afetada pela inflação neste ano. Os preços do óleo de soja e dos derivados de milho tendem a não subir. Nas carnes, se houver reação, será pequena. Na fruticultura e em leguminosas, há questões sazonais de safra que impulsionam o preço, mas a recuperação da produção é rápida com um estímulo natural do mercado. Portanto, o agro não será impulsionador da inflação no Brasil neste ano.

·        O senhor vem discutindo a reformulação do seguro rural. Os modelos de outros países estudados, como o do México, se mostram passíveis de serem adaptados ao Brasil? Quando essa reestruturação entrará em vigor?

Os modelos estão sendo avaliados. Acho que o mais próximo é o modelo mexicano porque já está instalado no Brasil (por seguradoras privadas) com as tecnologias disponíveis para que possa ser ofertado no mercado. A equipe técnica do ministério está trabalhando nessa reformulação para simular o modelo. Basicamente, esse modelo mexicano, em um sistema de inteligência artificial, cruza as informações meteorológicas com as boas práticas, como o melhor momento de plantio, variedades e tecnologias utilizadas em cada região para os menores riscos. Com base nisso, é possível conceder uma receita agronômica e meteorológica ao produtor atrelado ao seguro. Isso barateia o custo da apólice, dá segurança ao produtor e dá estabilidade na produção. É um processo que está dando certo em vários países. Queremos muito que este modelo esteja pronto para ser oferecido no Plano Safra 2024/25. Para a safra atual, temos um modelo em vigor e orçamento para subvenção. Um orçamento que deveria ser maior, porém as intempéries mais constantes e o aumento do custo de produção fizeram o preço das apólices subir. A alternativa que temos é a modernização do seguro para torná-lo mais eficiente e mais barato. Queremos lançar instrumentos mais eficientes para o seguro no Brasil junto ao Plano Safra 2024/25.

·        O senhor citou que o orçamento tem cobertor curto. Há espaço para um reajuste do orçamento do seguro rural, de R$ 964 milhões, ainda para este ano?

O orçamento foi mantido em torno do valor histórico que vinha sendo registrado nos últimos anos, de R$ 1 bilhão por ano. O aumento dos recursos é pedido ano a ano. Há espaço para discussão a partir de março, a depender muito da performance da arrecadação e do crescimento da economia. Sempre há espaço para negociação, mas não queremos ficar apenas com essa alternativa para o seguro rural e sim nos voltarmos para a modernização do modelo.

·        Sobre os novos programas do governo, qual é a sua expectativa com o plano de conversão de pastagens degradadas? O comitê gestor foi instituído para traçar as diretrizes e tem hoje sua primeira reunião. O projeto pode entrar em vigor ainda neste semestre?

As práticas públicas e privadas já vêm acontecendo. Queremos que o aumento de produção do País ocorra sobre pastagens e não sobre áreas de florestas. Não precisamos de novos desmatamentos para aumentar a nossa produção agrícola. Agora, este comitê vai agrupar todas as ações sob o mesmo ordenamento e dar um direcionamento para que possamos quantificar essas práticas com uma certificação, rastreabilidade e aferições atestadas pela Embrapa para que isso se converta em oportunidades comerciais e até possivelmente de renda adicional para o produtor. Não se trata apenas de crescimento de produção. Esse programa está alicerçado na sustentabilidade, nas boas práticas trabalhistas, sociais, de sequestro de carbono. Dentro do Plano Safra 2023/24, já temos uma linha de crédito para a recuperação de pastagens com juros de 7% ao ano. O coordenador do comitê, Carlos Ernesto Augustin, estabelecerá um prazo de 45 dias para que o grupo alinhe o arcabouço do programa e esteja efetivamente estruturado para ser formalizado oficialmente.

 

Fonte: Jornal do Brasil

 

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