Mudanças climáticas foram 'principal' fator
para seca recorde na Amazônia, diz estudo
As mudanças climáticas causadas
pela ação humana foram o principal fator responsável pela pior seca na Amazônia em
pelo menos meio século.
A conclusão é de um
estudo realizado por cientistas da World Weather Attribution (WWA), um
consórcio de cientistas de diversas partes do mundo que se debruça sobre as
causas e os efeitos de eventos climáticos extremos.
Os cientistas afirmam
ainda que as consequências da seca foram mais sentidas por populações mais
pobres e isoladas da região amazônica e
que seus efeitos teriam sido agravados pelo desmatamento e queimadas.
Eles alertam que a
tendência é que eventos extremos como
esse sejam cada vez mais frequentes se o mundo não reduzir radicalmente a
utilização de combustíveis fósseis,
principal vetor de emissão de gases do efeito estufa que contribuem para
as mudanças climáticas.
A BBC News Brasil
enviou questionamentos para o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima
(MMA) sobre as conclusões do estudo, mas não obteve resposta até o momento.
O estudo foi conduzido
por treze cientistas do Reino Unido, Brasil, Dinamarca e Holanda.
Eles analisaram dados
históricos de precipitação (chuva), a evapotranspiração da floresta na região e
de temperatura em toda a Bacia Amazônica.
Os pesquisadores
usaram dados meteorológicos e simulações de computador para comparar as
condições de seca em dois cenários: um com aquecimento causado pelo homem e
outro sem.
Em mundo onde a
atividade humana não tivesse aquecido o planeta em cerca de 1,2ºC, não houvesse
uma atividade agrícola tão intensa e no qual a falta de chuvas e a elevada
evaporação não contribuíssem para deixar o solo menos úmido, uma seca assim
pode ter acontecido apenas uma vez a cada 1.500 anos, indica o estudo.
As mudanças climáticas
tornaram uma seca desta gravidade cerca de 30 vezes mais provável, segundo os
cientistas, e espera-se agora que ocorra uma a cada 50 anos nas condições
atuais.
A seca de 2023 na Amazônia vinha
chamando a atenção da comunidade científica mundial por sua duração e
severidade.
Embora as secas não
sejam incomuns, o evento do ano passado foi considerado
"excepcional", dizem os pesquisadores.
Ao longo do ano
passado, cientistas não descartavam a influência das mudanças climáticas sobre
a seca, mas vinham atribuindo a estiagem a dois fenômenos climáticos naturais.
O primeiro deles é
o El Niño, que aquece as águas
do Oceano Pacífico. Esse fenômeno natural, que está ocorrendo de forma intensa,
dificulta a formação de chuvas na Amazônia.
O El Niño teria, segundo
os cientistas, afetado a estação chuvosa na Amazônia deste ano, que registrou
índices pluviométricos abaixo da média. Com menos chuva, os rios entraram na
estação seca com volume menor do que o normal.
O segundo fenômeno foi
o aquecimento anormal das águas do Oceano Atlântico, que
também reduz a quantidade de chuva na região.
O estudo, no entanto,
diz que, apesar do El Niño, o principal responsável pela intensidade da seca na
Amazônia no ano passado foi a ação humana.
"O El Niño
reduziu a quantidade de precipitação (chuva) na região em aproximadamente na
mesma quantidade que as mudanças climáticas", diz um dos principais
trechos do estudo.
"No entanto, a
forte tendência de seca foi quase inteiramente causada pelo aumento das
temperaturas globais, portanto, a severidade da seca atualmente enfrentada é em
grande parte impulsionada pelas mudanças climáticas."
Um dos retratos mais
visíveis da seca na Amazônia no ano passado foi a marca atingida pelo rio Negro em
Manaus, capital do Amazonas.
Em outubro, o rio
chegou à sua menor marca em 121 anos, quando os registros passaram a ser
catalogados.
Neste ano, o rio
chegou à marca de 12,70 metros. O recorde anterior era de 2010, quando o rio
havia marcado 13,63 metros.
Além de ser uma
barreira contra as mudanças climáticas, a Amazônia é uma rica fonte de biodiversidade, contendo cerca de 10% das espécies do mundo - com muitas
outras ainda a serem descobertas.
A seca afetou os
ecossistemas e impactou diretamente milhões de pessoas que dependem dos rios
para transporte, alimentação e renda, sendo os mais vulneráveis os mais
atingidos.
Um dos efeitos foi a
paralisação temporária do funcionamento de hidrelétricas como Santo Antônio e
Jirau, no Rio Madeira, e a dificuldade no escoamento de bens produzidos no Polo
Industrial de Manaus por conta do baixo nível do rio Negro.
Em diversos pontos da
floresta, a seca ganhou contornos dramáticos. Em São Gabriel da Cachoeira, no
Amazonas, mulheres indígenas tiveram que mudar rotinas seculares de
trabalho e mudarem o horário de ir para a roça
por conta do calor excessivo e o temor de sofrerem com insolação.
Em Tefé, também no
Amazonas, centenas de botos morreram em lagos da região com temperaturas que chegaram a mais de 38 graus Celsius.
Cientistas ainda
estudam as causas das mortes, mas afirmam que o principal fator por trás do
fenômeno foi o aquecimento anormal das águas na região.
·
Barreira de proteção
ameaçada
Ao mesmo tempo em que
aponta que as mudanças climáticas teriam sido o principal fator para a seca
excepcional de 2023, o estudo também aponta a necessidade de reduzir as
emissões de gases do efeito estufa.
No mundo, a principal
fonte desses gases é a queima de combustíveis fósseis. No Brasil, é o
desmatamento.
"A não ser que o
mundo pare rapidamente com a queima de combustíveis fósseis e o desmatamento,
esses eventos vão se tornar ainda mais comuns no futuro", diz um trecho do
estudo.
"Se continuarmos
queimando petróleo, gás e carvão, muito em breve atingiremos 2°C de aquecimento
e veremos secas semelhantes na Amazônia a cada 13 anos", diz a Dra.
Friederike Otto, professora sênior de Ciência do Clima no Imperial College de Londres
e que participou do estudo.
A Amazônia é a maior
floresta tropical do mundo e é vista como fundamental para reduzir os efeitos
das mudanças climáticas.
Apesar de conhecida
pela sua resiliência, cientistas que participaram do estudo alertam que secas
como a do ano passado soam um alarme.
"Isso coloca em
xeque a capacidade da floresta de se recuperar [...] se a gente considerar
todas as pressões humanas na floresta como desmatamento e queimadas, acho que
deveríamos ficar preocupados com a saúde da floresta", disse Regina
Rodrigues, professora de Oceanografia Física e Clima na Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC) durante a apresentação do estudo na quarta-feira (24/1).
A atuação da Amazônia
como uma proteção contra as mudanças climáticas acontece, em grande parte, por
seu papel como captador de carbono da atmosfera.
Em um estado saudável,
a floresta absorve mais dióxido de carbono (CO2) do que libera.
Esse processo limita o
aumento de CO2 na atmosfera proveniente de atividades humanas, mantendo a
temperatura sob controle.
Mas há evidências de
que isso pode estar mudando, à medida que as árvores morrem devido à seca,
incêndios florestais e desmatamento desenfreado para abrir espaço para a
agricultura.
Há preocupação de que,
se as mudanças climáticas e o desmatamento continuarem no ritmo atual, a
Amazônia poderá em breve atingir um "ponto de não retorno".
Se esse ponto for
ultrapassado, apontam estudos, isso poderia levar ao declínio rápido e
irreversível de toda a floresta tropical fazendo com que a rica floresta
amazônica se transforme em áreas savanizadas ou até mesmo desérticas.
Isso resultaria em um
aumento nas emissões de CO2 por um lado, e na perda de uma importante fonte de
captação de carbono da atmosfera de outro.
Não há consenso
científico sobre se a Amazônia já chegou ou não a esse ponto
de não retorno.
O climatologista
brasileiro Carlos Nobre foi o primeiro a
apresentar esta teoria em 2018. Ele é um dos autores de um estudo que afirma
que, se a Amazônia for desmatada em 25% e a temperatura global atingir 2 a 2,5
°C acima dos níveis pré-industriais, a floresta irá atingir o ponto de não retorno.
"Não acho que [o
ponto de não retorno] seja o que estamos vendo [ainda], pelo menos em todas as
partes, exceto na parte mais seca da floresta amazônica", diz Yadvinder
Malhi, professor de Ciência dos Ecossistemas na Universidade de Oxford, que não
estava envolvido no estudo do WWA.
·
Desmatamento baixa,
mas alerta permanece
Apesar da última seca
recorde na Amazônia em 2023, houve alguns dados comemorados pelo governo
brasileiro e por parte da comunidade científica.
A taxa de desmatamento na
Amazônia brasileira caiu 50% em 2023 na comparação com 2023, de acordo com o
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
O presidente Luiz
Inácio Lula da Silva (PT) prometeu zerar o desmatamento ilegal até 2030. Apesar
disso, os dados no segundo maior bioma do Brasil, o Cerrado, preocupam. Houve aumento de 43% em relação ao ano passado.
"A perda da
Floresta Amazônica está longe de ser inevitável no curto prazo", desde que
o fogo e o desmatamento possam ser controlados, disse Malhi à BBC News.
Os cientistas do WWA
reiteraram durante a apresentação do estudo que o desmatamento na Amazônia é um
fator de risco para a "saúde" da floresta.
Mas afirmaram que a
principal medida a ser tomada para evitar secas recordes como a do ano passado
é a redução drástica das emissões de gases do efeito estufa geradas como um
todo.
Fonte: BBC News Brasil
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