terça-feira, 2 de janeiro de 2024

Ministério da Igualdade Racial em 2023: balanços para o futuro

A palavra-chave é retomada. Ou melhor, recomeço. Em novembro, perdemos a presença física do intelectual quilombola Nêgo Bispo. Ele falava que existia "Começo, meio e começo de novo", apresentando, por meio de uma reflexão organizada pela experiência quilombola, a defesa da terra, da natureza e das lutas, como a ciclicidade e as confluências são geradoras do novo, mas este segue, tal qual Sankofa, ligado a um passado que nos ensina o caminho.

O dezembro analítico encerra o primeiro ano do Ministério da Igualdade Racial e o balanço para o novo começo se impõe. Como o pássaro mítico da cultura yorubá, trilhamos os passos projetados pelas gestões da saudosa Luíza, Nilma, Matilde, Edson, Eloy e Martvs, para buscar o que tentaram destruir e sedimentar assim o recomeço. A necessidade de protegermos o legado de quem veio antes de nós e respondermos às necessidades impostas pelo hoje nos fez não parar! Em bom pretuguês, compartilhamos semanalmente os "corres" dessa nova gestão. E foram muitos!

A gestão e articulação nacional desta agenda, de modo transversal com mais de 20 ministérios, que atualizaram seus programas na perspectiva do enfrentamento às desigualdades étnico-raciais e pela equidade, poderiam resumir o desempenho deste primeiro ano do Ministério da Igualdade Racial, mas seria um cálculo subdimensionado.

Com justo orgulho, podemos dizer que o maior pacote de medidas pela igualdade racial realizado em apenas um ano está em vigor. Com programas focados no fortalecimento econômico, estímulo educacional, titulação de terras e acesso aos espaços de poder para pessoas negras, quilombolas, de comunidades tradicionais, povos de terreiro e povos ciganos. De forma direta, falamos de editais para bolsas de doutorado e pós-doutorado, intercâmbio com países da América Latina e África, retomada do Japer (Programa de Cooperação para o enfrentamento à Discriminação Racial entre o Brasil e os Estados Unidos da América), lançamento de programas como o Aquilomba Brasil, Programa Federal de Ações Afirmativas e ações para geração de emprego e renda com inúmeras organizações, entre outras medidas, integram esse pacote.

O trabalho do ministério reposicionou a agenda pela igualdade racial no plano nacional e global. No Brasil, realizamos política com quem mais entende: o povo. Com programas construídos por meio de Caravanas por todo o território nacional, bem como em campanhas para que a população indicasse as prioridades para o Plano Plurianual, a igualdade racial, hoje, encontra-se entre as prioridades para a agenda programática para o desenvolvimento do Brasil. Agora, mais estáveis, descentralizadas e visíveis, tanto na montagem das estratégias do centro de governo, nas ações específicas dos órgãos e suas rubricas do Plano Plurianual, quanto no pronunciamento à nação. A igualdade racial tratada como deve ser: compromisso de governo e política de Estado.

O Ministério da Igualdade Racial também influenciou a retomada do protagonismo brasileiro internacionalmente, por meio de acordos com os Estados Unidos, Colômbia e Espanha para a promoção de direitos afrodescendentes, combate ao racismo e à xenofobia. Reativou as estratégicas relações com o Mercosul e mobilizou os debates que viabilizaram a adoção voluntária do Brasil ao 18° Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS 18), centrado na igualdade racial, para ocupar essa lacuna na formulação e construção de planos sustentáveis globalmente.

Os resultados do ano revelam o amadurecimento do país na compreensão de que enfrentar o racismo é combater as raízes das desigualdades e da exclusão social. Em grande medida, o ODS 18 ratifica os marcos da Declaração de Durban, resultado da Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, realizada em 2001, na África do Sul.

Marco incontestável da luta antirracista global, Durban projetou a institucionalização da pauta no Brasil, com a criação da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, e apresentou os conceitos das cotas raciais e ações afirmativas, hoje consolidados instrumentos de reequilíbrio para realidades profundas e estruturalmente desiguais.

A missão do MIR também ratifica Durban em seus macroeixos do Direito à Vida e Dignidade, Memória e Reparação, Educação e Inclusão e Direito à Terra, expressos em medidas que sintetizam a vida com cidadania. Ainda há muito por fazer, e sabemos que os desafios para dignificar a vida da maioria da população são de grandes proporções. Contudo, o papel de liderança do Brasil também é de magnitude e o trajeto firme de 2023 nos conduz à expansão dos nossos horizontes.

Para 2024, queremos avançar para que a promoção da igualdade seja prioridade na pauta econômica e geração de emprego, como o é na agenda social, uma vez que não cabe mais negligenciar o custo econômico da discriminação e da exclusão racial, barreiras diretas ao desenvolvimento sustentável. A justiça climática é parte dessa discussão, que também ativaremos com máximo vigor.

São pautas convergentes com as prioridades do nosso ministério e as emergências globais. Encerramos o ano com o orgulho do dever em pleno cumprimento e projetamos um novo ciclo de trabalho de ainda mais musculatura para construir políticas públicas que modifiquem positivamente as trajetórias negras. O Ministério da Igualdade Racial é a matriz do futuro e, lá, as diferenças jamais configuram desigualdades.

 

Ø  Os dados educacionais informam sobre o passado, presente e futuro do país

 

O Brasil avançou na escolaridade geral da população, porém as desigualdades raciais persistem. Os dados apontam um fato ainda mais grave: mesmo depois de uma década, os negros (pretos e pardos) não alcançam os mesmos patamares de escolaridade dos brancos na maioria dos indicadores, ou seja, há um abismo de mais de uma década entre a população negra e a branca. A constatação está no levantamento inédito realizado pelo Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdades Raciais (Cedra) que analisou e cruzou dados da PNAD Contínua e do Censo da Escolar de 2012 a 2019. Foram produzidos cerca de 70 dados inéditos sobre escolaridade com recorte de cor/raça, desde a educação infantil até o ensino superior.

Houve avanço na escolaridade tanto entre pessoas negras como brancas e uma redução da diferença entre as taxas de pessoas negras e brancas sem instrução ou com fundamental incompleto, com idade acima de 15 anos, de 13,6 pontos percentuais em 2012 para 10,9 em 2019. A desigualdade entre homens negros e brancos, acima de 15 anos sem instrução ou com fundamental incompleto, diminuiu de 14,9 pontos percentuais (p.p.) para 12,4 p.p. entre 2012 e 2019. No entanto, a taxa de homens negros que não completaram o ensino fundamental em 2019 era de 40%, ou seja, ainda maior que a dos brancos em 2012 que era de 33,9%.

Em relação às mulheres, apesar da redução na desigualdade entre negras e brancas, acima de 15 anos e sem instrução ou com ensino fundamental incompleto, o atraso educacional não foi corrigido. Em 2012, as taxas foram de 44,7% para mulheres negras e 32,4% para brancas. Em 2019, esses números mudaram para 35,4% para negras e 26,2% para brancas. Apesar da diminuição da diferença entre brancas e negras, a igualdade não foi alcançada.

A distorção idade-série, ou seja, um atraso de dois anos ou mais, entre os estudantes negros no ensino médio era 36% e entre brancos era 19%, em média, entre 2012 e 2019. A proporção de estudantes negros no Educação de Jovens e Adultos (EJA) era de 28 para cada 10 alunos brancos, em 2019. A proporção é muito maior que no ensino médio e fundamental, ou seja, muito mais que os brancos, os negros abandonam ou não conseguem concluir o ensino regular na idade certa e tentam concluir a educação básica no EJA.

A distância entre os estudantes negros e brancos têm início nos anos iniciais do ensino fundamental e se amplia ao longo de toda a trajetória educacional. Neste estudo, o Cedra criou a variável de escolas predominantemente negras (com 60% ou mais de alunos pretos e pardos) e predominantemente brancas (60% ou mais de alunos brancos). Oestudo dessa variável original mostra a desigualdade de atendimento educacional entre negros e brancos.

Nas escolas predominantemente brancas, a adequação da formação de seus docentes (com licenciatura e ministrando disciplina compatível) é o dobro daquela das escolas predominantemente brancas. Isso significa que de forma geral, os alunos brancos tem professores muito mais adequados que os negros. Por outro lado, não há escolas predominantemente negras entre as escolas com alunos de nível socioeconômico mais alto. E não há escolas predominantemente brancas com alunos de nível socioeconômico mais baixo, conforme critério do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (Inep/MEC). Logo, há um apartheid econômico-racial que reproduz desigualdades econômicas e raciais combinadas.

As desigualdades raciais na educação são resultado de uma série de desigualdades que se acumulam na vida das pessoas negras em um país marcado pelo racismo estrutural e sistêmico. Este cenário de profunda vulnerabilidade e distribuição desigual de cidadania e dos direitos em que vive a maioria da população brasileira está enraizado na escravidão e na reprodução da discriminação e do racismo, que foi combinada no final da escravatura com a política de branqueamento. A memória da exclusão dos negros é fundamental.

Os dados e evidências das desigualdades raciais no Brasil servem à sociedade brasileira para a proposição estratégica para um projeto de nação. É imprescindível e urgente regenerar nossa sociedade, curar nossas feridas profundas e rever nosso fundamento republicano para vislumbrar um país desenvolvido, solidário e com maior equidade econômica, racial e de gênero.

 

Fonte: Correio Braziliense

 

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