Fim da isenção fiscal a líderes religiosos
mira votos que Lula já não teria, apontam analistas
Em entrevista à
Sputnik Brasil, especialistas afirmam que a decisão do governo Lula de anular a
isenção concedida em 2022 pelo ex-presidente Jair Bolsonaro não muda a relação
entre Lula e evangélicos, mas pode impactar as eleições municipais.
Na semana passada, a
Receita Federal suspendeu os efeitos do Ato Declaratório Interpretativo nº1,
assinado em julho de 2022 pelo ex-presidente da República Jair Bolsonaro.
O ato concedia isenção
de impostos a líderes religiosos. O texto determinava que não seriam
consideradas remunerações diretas ou indiretas os valores despendidos pelas
entidades religiosas e instituições de ensino vocacional com ministros de
confissão religiosa.
O superintendente da
Receita Federal que suspendeu o ato não apresentou justificativa para a
decisão. Porém sabe-se que o ato está sob investigação do Tribunal de Contas da
União (TCU) desde 2022 e passou para reanálise da Receita no ano passado, por
suspeita de abrir brecha para que ganhos como participação de lucros,
cumprimento de metas e reembolso por gastos com educação e saúde não fossem
tributados, sendo confundidos com o rendimento eclesiástico, que é livre da
isenção.
No mesmo dia em que o
ato foi suspenso, na quarta-feira (17), a Frente Parlamentar Evangélica do
Congresso Nacional, popularmente chamada de bancada evangélica, composta por
132 deputados e 14 senadores, divulgou uma nota de repúdio contra a decisão,
afirmando se tratar de um "ataque explícito" do governo federal ao
segmento religioso.
Em entrevista à
Sputnik Brasil, especialistas apontam qual o peso político da medida e que
impactos ela pode ter no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O que muda após a
anulação da isenção?
Para o deputado
federal e integrante da bancada evangélica Sóstenes Cavalcante (PL-RJ),
trata-se de uma decisão política do governo.
"Na minha avaliação,
a sustação do ato declaratório interpretativo da Receita Federal é um ato muito
mais político do que técnico. Haja vista a não conclusão do relatório do TCU
até o dia da sua revogação. Logo, é claro e notório que é uma decisão do
superintendente da Receita Federal, a pedido, talvez, do Ministério da Fazenda,
e ambos os cargos são cargos de indicação do governo Lula. Para mim, é claro e
óbvio que é uma decisão política", avalia o deputado em declarações à
Sputnik Brasil.
Ele afirma que o ato
não abrange apenas pastores evangélicos, mas líderes de todas as religiões.
"Quando leio na imprensa ou vejo em telejornais o nome 'pastor'
[relacionado ao ato declaratório], isso ainda é fruto do preconceito contra os
evangélicos que sempre existiu no Brasil. Quando se tratar de qualquer isenção,
que não é o caso do ato declaratório, se tratará para todas as religiões",
explica Cavalcante.
Ele acrescenta que a
anulação do ato não altera em nada a isenção a líderes religiosos e a
instituições religiosas.
"Porque esse não
é um assunto sobre imposto de renda, mas sim sobre contribuição previdenciária,
que cada líder religioso, seja pastor, padre, seja pai de santo, seja rabino,
todos nós fazemos as nossas declarações de imposto de renda e fazemos a nossa
contribuição previdenciária como autônomos. O ato declaratório versa tão
somente sobre esclarecer a interpretação da lei previdenciária, que é de 1990,
que garantiu que a Constituição Federal garante, no artigo 150, que
instituições religiosas são imunes de tributos e contribuições."
Ele afirma que a
anulação do ato apenas deixa os religiosos "à mercê da interpretação livre
de auditores fiscais, que poderão ou não aplicar multa".
"E se aplicar, as
instituições religiosas, que não têm nada a ver com as pessoas físicas dos
líderes religiosos, recorrerão dessas multas e essas multas vão cair, porque
não têm sustentabilidade jurídica", opina o deputado.
·
Qual o objetivo do governo Lula ao anular a
isenção?
Em entrevista à
Sputnik Brasil, o cientista político Alberto Carlos Almeida avalia que ao
decidir por suspender o ato, "Lula assume que já não tem o apoio das
lideranças evangélicas e já não tem o apoio da maioria dos evangélicos" e
diz que a medida reflete o "cobertor curto" do governo para arcar com
as despesas.
"O fato é que tem
um outro lado da história que é muito importante, que cobrando impostos das
igrejas ou conseguindo isso, ele aumenta a arrecadação, algo necessário para
Lula. E ao aumentar a arrecadação, ele pode atender melhor aqueles que estão mais
predispostos a votar no PT e em Lula. Então basicamente é isso, o cobertor é
curto", afirma Almeida.
"A avaliação de
Lula ao tomar essa decisão foi a seguinte: 'Eu deixo essa isenção, mas isso não
me rende nenhum voto dos evangélicos, nenhum apoio político a mais dos
evangélicos, ou mudo essa decisão, me arrisco a perder um pouco dos votos e do
apoio dos evangélicos, mas […] consolido o apoio da minha base e, quem sabe,
consigo o apoio daqueles que poderiam me apoiar, caso eu os atenda melhor, que
não são evangélicos ou, eventualmente, até mesmo evangélicos?'. Basicamente é
isso que está em jogo", complementa.
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Por que Bolsonaro concedeu a isenção
fiscal?
Para Rodrigo Toniol,
professor de antropologia cultural da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ) e pesquisador do grupo de pesquisa Passagens, sobre intersecções com a
religião, da UFRJ, a assinatura do ato declaratório interpretativo foi "certamente
uma manobra política do governo Bolsonaro", feita às vésperas das eleições
presidenciais.
"Agora, acho que
o contexto dessa manobra política também vale a pena ser mencionado, que é o
contexto do fim do governo Bolsonaro, quando […] ele já não tinha mais
compromisso nenhum com relação […] à viabilidade da manutenção dessa isenção.
Então, sim, é uma manobra política do governo Bolsonaro e é uma manobra
oportunista. Porque ela é dada no apagar das luzes do governo, quando a
viabilidade da manutenção desse gesto já não cairia na conta do
Bolsonaro", explica o pesquisador.
Na avaliação de
Toniol, "a manobra política de Bolsonaro foi justamente deixar que o fim
da isenção caísse no colo de Lula, e isso funcionou".
"Eu não diria,
então, que é uma represália [de Lula aos evangélicos], não me parece ser uma
represália. Na verdade, me parece ser um efeito da impossibilidade de
manutenção mesmo desse gesto, dessa isenção por parte do governo Lula, e
mencionar que isso estava previsto pelo Bolsonaro. Então é um pouco uma espécie
de pauta-bomba, e que foi de fato estourada."
·
Qual o peso político da anulação da
isenção?
Toniol afirma que a
anulação da isenção "tem um peso político bastante grande, sobretudo no
ano eleitoral".
"Ano eleitoral em
que vão ser decididas as eleições minoritárias, as eleições para vereador, as
eleições para prefeito, que é uma eleição muito particular, muito diferente do
pleito majoritário, mas é uma eleição em que a atuação dos pastores, dos líderes
religiosos, não só aqueles mais histriônicos da grande mídia, mas também os
pastores das pequenas igrejas, pesa muito."
Na avaliação de
Toniol, "certamente foi uma decisão difícil para o governo, que teve que
ser tomada logo no começo do ano, não só por uma questão de prazo, mas também
por uma questão de cálculo político".
"Porque a gente
ainda tem alguns meses para que a eleição aconteça, então a aposta é um pouco
que, com o passar do tempo, o peso dessa decisão fique menor. Não sei se isso
vai funcionar, mas me parece que o custo está na balança já do governo Lula."
·
Como a anulação impacta na imagem de Lula
perante evangélicos?
Para Toniol, o
imbróglio envolvendo a anulação da isenção não vai afetar significativamente a
imagem de Lula perante líderes evangélicos que já eram inclinados ao
bolsonarismo.
"Me parece que
esse gesto do governo Lula não atrapalha exatamente a imagem dele com os
evangélicos, mas só joga água no moinho desses evangélicos que já estavam muito
contrariados com o governo."
Questionado sobre se a
bancada evangélica poderia retaliar o presidente por meio de votações de pautas
de interesse do governo federal em trâmite no Congresso, Toniol se mostra
cético. Isso porque, segundo ele, "a bancada evangélica se articula em pautas
específicas e se desarticula em outras pautas".
"Então me parece
que com relação a alguns temas, sim, a bancada evangélica pode se articular e
barrar o projeto do governo Lula, mas isso não é uma verdade absoluta que
sempre vai ser colocada. Acho que há outros temas em que acenos são dados e
movimentações do governo são lidas como positivas por parte dessa
bancada", explica o pesquisador.
"O gesto recente
do governo Lula com relação à manutenção e ampliação, na verdade, das
concessões públicas para rádio e televisão, por exemplo, afeta muito
positivamente vários desses grupos evangélicos que têm domínio sobretudo no
rádio no Brasil. Acho que são movimentos de associação e de tensionamento que
são conjunturais, eles não são dados. A política vai se dando dessa
maneira", complementa.
·
Decisão pode agravar a rejeição do
eleitorado evangélico a Lula?
Sobre a possibilidade
de a anulação aprofundar a rejeição da população evangélica a Lula, que,
segundo analistas, arrefeceu passado um ano de mandato do presidente, Toniol
afirma ver com muitas reticências essa afirmação.
"Sobretudo porque
me parece que, do ponto de vista estatístico, o abrandamento tem muito mais a
ver com um abrandamento geral, que pode ser explicado por outros fatores, como
fatores de classe e fatores de melhora da economia, do que exatamente uma identidade
evangélica que teria mudado a sua posição com relação ao governo. Então acho
que esse é um aspecto a ser considerado, é uma mudança, uma positivação muito
mais geral marcada por outros recortes estatístico-demográficos do que a
identidade evangélica aceitando o governo."
Ele afirma considerar
"que os votos perdidos por uma decisão como essa já estariam perdidos de
qualquer maneira". Para Toniol, a questão atual "foi uma armadilha
que foi plantada pelo Bolsonaro e que funcionou".
"Funcionou porque
era um dispositivo que estava lá e que havia já uma expectativa de que ele
seria desarmado, por conta de todo o ajuste fiscal, de uma tentativa de melhor
controle da economia, de que benefícios como esses cairiam. Tanto é assim que o
próprio governo Bolsonaro não fez isso no seu primeiro ano, fez isso no apagar
das luzes. Então é justamente isso que me parece situar um pouco melhor todo
esse evento aí que está na pauta do dia", conclui o pesquisador.
Ø
BNDES anuncia fomentos para desenvolver
indústria naval brasileira
O Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) lançou nesta quarta-feira (24) o
BNDES Azul, uma iniciativa que potencializa os projetos marítimos já em
andamento. Entre os focos do projeto estão aumentar os investimentos em
pesquisas na Amazônia Azul e estabelecer uma indústria naval brasileira
sustentável.
O evento, realizado no
Navio de Pesquisa Hidroceanográfico Vital de Oliveira H-39, contou com a
presença da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva; a ministra da Ciência,
Tecnologia e Inovação, Luciana Santos; o ministro da Defesa, José Mucio; e o
comandante de Operações Navais e diretor-geral de Navegação da Marinha,
almirante de esquadra Wladmilson de Aguiar.
Aloizio Mercadante,
presidente do BNDES, chamou a atenção para o fato de que 95% das exportações
brasileiras são feitas por navios, algo próximo de R$ 1,5 trilhão de reais, e
alertou que "nós não temos uma frota própria". Desse modo, o setor de
transporte marítimo "tem que crescer rápido no país".
"Nós já tivemos
uma indústria pujante de construção naval na década de 1970. Como que o país,
um dos três do mundo que constrói e certifica avião, não vai fazer, ou não pode
ou não deve fazer navios? Nós precisamos fazer navios."
Segundo Mercadante, o
momento atual é uma janela única para posicionar o país na vanguarda da
indústria naval mundial, por conta das necessidades tecnológicas demandadas
pela transição energética.
A Organização Marítima
Internacional (OMI), agência especializada da ONU que regulamenta o transporte
naval, está discutindo novas regras para o setor. Apesar de só ficarem prontas
em meados de 2025, é esperado que a agência imponha multas a embarcações que
utilizem combustíveis de origem fóssil.
Ainda não se sabe de
quanto será a penalização, mas as previsões mais pessimistas indicam que pode
ser de até US$ 500 (aproximadamente R$ 2,4 mil) por tonelada, para as
embarcações sem combustíveis sustentáveis.
"Então o Brasil,
que tem uma logística muito mais complexa que a Austrália para colocar seus
produtos na China, vai perder competitividade, vai perder mercado",
alertou Mercadante.
De acordo com o
presidente do BNDES, a situação se apresenta como oportuna para o Brasil
"reativar os estaleiros comerciais". "Em 2022, o BNDES liberou
R$ 600 milhões para a construção naval. Em 2023 foi R$ 1,2 bilhão. Neste ano eu
garanto que não será menos de R$ 2 bilhões."
"O Brasil […] tem
muita especialidade em etanol, biocombustíveis, além de metanol verde, amônia
verde, hidrogênio verde… […] O Brasil pode sair na frente e ocupar a liderança
[…]. Nós temos que voltar a produzir navio, mas o navio do futuro", afirmou.
O banco de
desenvolvimento pretende atrair novas iniciativas a partir da redução dos juros
cobrados e de linhas de crédito mais longas, que chegam a 34 anos para
investimentos portuários.
"Somos um banco
de fomento, nosso objetivo não é o lucro imediato. Ninguém chega em 34 anos no
mercado. É um banco público que chega, e chega porque é paciente e porque seu
compromisso é com o desenvolvimento do Brasil."
·
Planejamento Espacial Marítimo
Outro grande projeto
do BNDES Azul, em parceria com a Marinha, é o Planejamento Espacial Marítimo
(PEM), que vai mapear as potencialidades econômicas das águas marítimas
brasileiras, como locais aptos para aquicultura, pesca, exploração de petróleo
e gás, turismo e instalação de parques eólicos.
O evento foi marcado
pela liberação de R$ 7 milhões para completar o mapeamento econômico dos mares
da região Sul, e pela abertura de um edital de R$ 12 milhões para o mapeamento
da região Sudeste. "Os interesses que estão nos oceanos, especialmente
para um país com 8,5 mil de quilômetros de costa, são decisivos para o
futuro", disse Mercadante.
"Nesse setor tão
diversificado e interconectado como o marítimo, onde atividades como a
navegação, a pesca, a exploração de recursos e a exploração de energias
renováveis ocorrem simultaneamente, um arcabouço legal sólido é essencial para
garantir a ordem e a proteção do serviço", afirmou Wladmilson de Aguiar,
comandante de Operações Navais e diretor-geral de Navegação da Marinha.
"A ideia do PEM é
mapear todas essas valências, todas as oportunidades e capacidades que a nossa
Amazônia Azul tem em termos de recursos."
"A Marinha está
fazendo o Plano Diretor do oceano e da costa brasileira", resumiu
Mercadante.
Fonte: Sputnik Brasil
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