sábado, 27 de janeiro de 2024

Fábio Costa Pinto: A proteção é dever de estado e não a divina

A Comissão dos Direitos Humanos da Associação Brasileira de Imprensa ABI está apurando e acompanhando o episódio ocorrido no sul, extremo sul e sudoeste baiano.

Estamos atentos e juntos às lideranças indígenas, iremos cobrar de forma firme a punição dos culpados pelos abusos e assassinatos, onde Nega Pataxó, irmã do cacique Nailton Muniz Pataxó, do povo indígena Pataxó-hã-hã-hãe, foi assassinada na tarde do domingo (21) após um conflito entre indígenas, policiais militares e fazendeiros ocorrido no território Caramuru, município de Potiraguá, Sudoeste da Bahia.

O ataque foi convocado por redes sociais e perpetrado pelo grupo miliciano de extrema-direita autointitulado "Invasão Zero", que já atua em alguns estados do país, se declara representante e integra grupos de proprietários rurais.

Agora, porque a Polícia Militar do estado da Bahia declarou ter monitorado a situação desde a véspera, mas nada fez para impedir o ataque? A PM baiana parece ter claramente prestado cobertura para o mesmo, tendo inclusive chegado ao local já acompanhada dos agressores.

Conforme o Cacique Naílton, que também foi atingido por disparos de arma de fogo: “chegaram, 15 viaturas da polícia, conversaram com a gente e falaram que estavam ali para mediar a situação com a gente. Nós falamos que já estávamos conversando com o MPF e o MPI e que a polícia devia mediar com os fazendeiros e mandá-los embora. A polícia então tirou as viaturas e colocou elas de um lado e de outro e abriu o caminho e deixou os fazendeiros frente a frente com a gente. Os fazendeiros já chegaram atirando e batendo de pau na gente e queimaram dois carros da gente. Atiraram em Nega, eu vi Nega tombando, agarrei ela e aí atiraram em mim e eu consegui ouvir as últimas palavras dela. Aí chegaram dois caras e disseram que iam socorrer a gente e jogaram a gente em uma caminhonete e levaram para Potiraguá. Nega morreu na estrada. (...) Tem muita gente espancada, gente baleada, gente com braço quebrado, (...)"

A Polícia Civil informa que autuou dois fazendeiros por homicídio e tentativa de homicídio, após a morte de Maria de Fátima Muniz de Andrade, indígena da etnia Pataxó e da tentativa contra o cacique Nailton Muniz Pataxó e outros indígenas. A delegada-geral da Polícia Civil, Heloísa Brito, declarou que deslocou reforços do município vizinho, Vitória da Conquista, de uma equipe de investigadores, além da equipe da Coordenação de Conflitos Fundiários, para fazer oitivas de todas as vítimas.

Também, por ordem do governador do Estado da Bahia, Jerônimo Rodrigues do PT, a Secretaria da Segurança Pública determinou reforço do patrulhamento na região com unidades territoriais e especializadas da PM. Equipes da Polícia Civil também estão na região coletando depoimentos. A Secretaria da Saúde do Estado da Bahia presta toda assistência necessária às vítimas atingidas durante os conflitos.

Em nota, a Anaí - Associação Nacional de Ação Indigenista denuncia a omissão do estado diante da formação impune de grupos armados que têm promovido o terror no campo contra pequenos agricultores, trabalhadores rurais, povos e comunidades indígenas e tradicionais, e exige todo rigor na identificação e punição desses grupos, seus mentores, integrantes e colaboradores.

“Depois das tragédias ocorridas e dos crimes perpetrados, de pouco valem as declarações de autoridades que prometem "máximo rigor nas apurações" - como se isso fosse mais que o estritamente obrigatório para elas - e nada fazem para reverter as próprias práticas e políticas de segurança pública do estado que sistematicamente agridem e desrespeitam os povos indígenas e os seus direitos, colocando-se, ao contrário, ao lado dos que, ao arrepio da Lei, tentam promover o seu genocídio”.

E na nota conjunta da DPU, DPE e MPF de n.º 01/2024, vêm a público manifestar preocupação com a flagrante ausência de medidas estruturais e efetivas por parte do Governo Federal e Governo do Estado da Bahia diante dos contínuos e reiterados ataques sofridos pelos povos indígenas no Estado. - “É inaceitável que, mesmo cientes dos recorrentes episódios de violência aos povos indígenas e comunidades tradicionais, os governos estadual e federal não tenham implementado medidas efetivas para garantir a segurança desses grupos. As instituições signatárias desta nota, desde o início de 2023, portanto, há mais de um ano, têm formulado diversos pedidos encaminhados aos entes estatais, clamando por um programa de segurança voltado às necessidades e especificidades destes grupos vulneráveis. No entanto, a resposta até o momento tem sido insuficiente", diz a nota. (Defensoria Pública da União, a Defensoria Pública do Estado da Bahia e o Ministério Público Federal).

Através da representação da ABI na Bahia, estou acompanhando desde junho de 2022, quando recebemos denúncia de agressão, assassinato e abuso de toda ordem contra os povos originários do sul e extremo sul da Bahia. Denunciamos e apresentamos um dossiê ao então governador do estado, Rui Costa, onde pedimos apuração e punição pelos assassinatos e agressões de toda ordem. Informamos à Imprensa em nota aberta, propomos uma força tarefa e plano de proteção para algumas lideranças.

De 2022 até este último episódio, o estado não soube evitar tamanha atrocidade. O que está acontecendo com a política de segurança do estado da Bahia? Por que os planos de proteção não funcionam? Mãe Bernadete está morta, seu filho também, e os mandantes soltos. E agora Jerônimo, os fazendeiros e milicianos, responsáveis pela morte de Nega Pataxó, também ficaram impunes?

Esperamos que as investigações na Bahia, contra tamanha estupidez, sejam firmes. Que identifiquem os criminosos, os milicianos, e prendam urgente, pois há ameaças e perseguição na área de conflito pela direito de terra. Ou estará nítida a incompetência, omissão e negligência do Estado.

Com tantos absurdos, mentiras e perseguições a pessoas inocentes. Para o crime, só a punição é o remédio. Cadeia!

 

Ø  Em 2024, violência contra os povos indígenas persiste no Sul e Extremo Sul da Bahia

 

O Conselho Indigenista Missionário – Cimi vem a público para manifestar solidariedade aos povos indígenas do Sul e Extremo Sul da Bahia, frente aos ataques criminosos de supostos fazendeiros contra os Pataxó e Pataxó Hã-Hã-Hãe neste domingo (21). Ao mesmo tempo, manifesta preocupação e indignação pela crescente violência contra os povos no início deste ano.

Em 14 de dezembro de 2023, o Congresso Nacional derrubou, em sessão conjunta, a maior parte dos vetos de Lula ao Projeto de Lei 2903/2023, dentre eles o trecho relacionado à tese do marco temporal. A proposta, que agora vigora como Lei 14.701/2023, impulsionou ainda mais fazendeiros, empresários e políticos contrários à causa indígena a investirem contra as comunidades indígenas, na tentativa de expulsar as famílias da posse de suas terras tradicionais. Para isso, usam de truculência e violência.

No dia 21 de dezembro, o cacique do povo Pataxó Hã-hã-hãe, Lucas Santos Oliveira, de 31 anos, foi assassinado em uma emboscada, quando retornava da cidade de Pau Brasil (BA), em companhia do seu filho para a sua Aldeia Caramuru Catarina Paraguassu. Os assassinos estavam em uma moto, e até agora não se tem muitas informações dos motivos e dos suspeitos.

Ainda em 29 de dezembro de 2023, um grupo de famílias Pataxó da comunidade Itacipiera, no município de Trancoso (BA), foi atacado por homens armados, destruindo parte da comunidade, queimando motos e eletrodomésticos pertencentes aos indígenas. A ação ocorreu na tentativa de expulsar as famílias da área que ocupam. Na ocasião, a Fundação Nacional do Povos Indígenas (Funai) conduziu as famílias até a sede da Polícia Federal (PF) em Porto Seguro, para registrar boletim de ocorrência. O caso segue acompanhado pela procuradoria do órgão indigenista do Estado.

Neste mesmo dia, um empresário adentrou a Aldeia Tibá, ameaçando mulheres e crianças após os indígenas terem proibido a extração de areia para comercialização na Vila de Cumuruxatibá e região. A extração, realizada pelo empresário dentro da Terra Indígena Comexatibá, estava afetando as nascentes de dois rios que abastecem o território e a Vila de Cumuruxatibá. Acompanhados de um servidor da Funai, os indígenas registraram boletim de ocorrência na delegacia de Polícia Civil de Prado (BA). O delegado informou as lideranças que iria remeter o processo à Polícia Federal, em Porto Seguro.

Na primeira semana de 2024, no dia 5 de janeiro, um fazendeiro da região, acompanhado por um grupo de pessoas não identificadas pelos indígenas, tentaram quebrar o cadeado que dá acesso a uma área de retomada na região do Monte Pascoal, nas proximidades da Aldeia Jitaí. A área de posse das famílias Pataxó só não foi invadida devido à ação rápida das lideranças Pataxó.

Três dias depois, em 8 de janeiro, os Pataxó da Aldeia Quero Ver foram surpreendidos com a presença de policiais militares da Força-Tarefa, dentro da área de mata da comunidade, sem o consentimento do cacique e suas lideranças. O caso foi denunciado ao comando da Polícia Militar (PM) na região e à Secretaria de Justiça do estado da Bahia.

No dia seguinte, 9 de janeiro, em uma área próxima à Aldeia Trevo do Parque, foi encontrado o corpo do indígena Ademir Machado Reis. Além de morador da Aldeia Trevo do Parque, tinha laços familiares na Reserva Indígena Caramuru Catarina Paraguassu, em Pau Brasil (BA). Na ocasião, as lideranças relataram que Ademir sofria de distúrbios mentais. A Polícia Civil de Itamaraju investiga o caso.

Na última terça-feira (16), Roberto Bráz Ferreira foi encontrado sem vida no interior de sua residência na Aldeia Barra Velha, com sinais de golpes de machado, em várias partes do seu corpo. O indígena Pataxó de 46 anos exercia a profissão de artesão. O caso é acompanhado pela Polícia Civil de Trancoso, na Bahia. As lideranças indígenas relatam não saber qual a motivação, ou se há algum suspeito pelo ocorrido.

Na tarde deste domingo (21), um grupo de indígenas do povo Pataxó Hã-Hã-Hãe, que estavam na posse de uma área rural dentro de uma parte reivindicada do território tradicional Caramuru-Catarina Paraguassu, no município de Potiraguá, no Sudoeste da Bahia, foram atacados por um grupo de supostos fazendeiros e pistoleiros fortemente armados.

Os disparos de armas de fogo contra os indígenas resultaram em vários feridos, pelos menos três confirmados até o momento, pois vários se refugiaram na mata para se proteger dos disparos. No entanto, a pajé Maria de Fátima Muniz de Andrade, mais conhecida como Nega Pataxó, foi assassinada. O ancião e cacique, Nailton Muniz, gravemente baleado, foi encaminhado para o hospital da cidade de Itapetinga (BA).

Em pouco mais de 30 dias (14 de dezembro a 21 de janeiro), foram registradas pelo menos oito investidas contra os povos indígenas no Sul e Extremo Sul da Bahia, quatro delas apenas nos primeiros 21 dias de janeiro. A situação demonstra a necessidade de que os direitos territoriais reivindicados pelos povos indígenas sejam analisados e garantidos de forma rápida e efetiva.

Não é preciso investigar muito para descobrir quem são os cabeças pensante deste "poder paralelo", desta milícia armada que se instalou na Bahia, da ligação destes com os atos antidemocráticos que se espalhou pelo país e que abertamente e sem nenhum pudor ou medo de punição convocam ações ilegais contra os indígenas, trabalhadores sem-terra entre outros, pois tem plena convicção que não serão penalizados. Alguém pode explicar este sentimento de impunidade?

O Cimi manifesta solidariedade aos familiares e amigos dos indígenas assassinados, e reafirma seu compromisso junto aos povos na luta pela demarcação de seus territórios tradicionais. Exige ações mais enérgicas por parte das autoridades federais, para evitar que novas ações violentas sejam orquestradas contra os povos, ao mesmo tempo em que cobra que os agressores e mandantes sejam identificados e responsabilizados por todos os danos individuais e coletivos causados aos indígenas.

 

Ø  A quem interessa a polícia como inimiga? Por Requião Filho

 

Há cinco anos, o estado do Paraná testemunhou um evento chocante de tortura policial em Matelândia. Este incidente, agora reavivado, traz à tona não somente esse fato, mas também as sérias preocupações sobre a cultura e o comportamento dentro das instituições encarregadas de proteger e servir a população. Tortura praticada por servidores públicos, filmada e compartilhada, sem constrangimento algum, jamais será tolerada, e é nosso dever cobrar esclarecimentos sobre os procedimentos adotados, transparência nas investigações e celeridade em tais processos, garantindo que a punição seja aplicada de maneira devida.

Dito isso se torna fundamental destacar que o discurso maniqueísta que cede a tentação simplista de retratar a realidade complexa da Segurança Pública no Brasil, como quem descreve um roteiro de filme, com o embate entre vilões e mocinhos, também não deve ter espaço em ambientes sérios, de quem procura solução verdadeira para questões que afetam tantas vidas.

Ao analisar a realidade dos policiais no Paraná, é preciso reconhecer a complexidade e os desafios que estas enfrentam. Ser um policial no Brasil é assumir um papel marcado por riscos extremos, pressões psicológicas intensas e, lamentavelmente, uma remuneração que não reflete adequadamente a gravidade e a importância de seu trabalho. Os alarmantes índices de suicídio na Polícia Militar são indicativos preocupantes dessas questões que apontam para a cultura de violência dentro das instituições, e para o adoecimento desses profissionais.

Apesar das forças de segurança serem tratadas por alguns como instituições elitistas, a maior parte dos recrutas e soldados conhece de perto a realidade das periferias e territórios populares, afinal, estes vieram e muitas vezes ainda residem nesses espaços. Isso não quer dizer que eles não estão sujeitos a erros, mas significa entender que retratar a figura do policial como inimigo da população é ignorar sua realidade, origem e seu papel na construção da nossa sociedade.

Digo isso como quem acredita no papel fundamental das forças de segurança para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, como quem, diferente do que afirmam alguns bolsonaristas e, aparentemente, parte da esquerda, entende que o monopólio do uso da força para garantia de direitos, segurança e bem-estar da população deve estar nas mãos do Estado e não de justiceiros. Por isso é importante ser categórico, a quem serve o discurso que coloca o policial como inimigo?

Quando a figura do policial é excessivamente criminalizada, isso prejudica sua capacidade de proteger e servir, especialmente em comunidades vulneráveis. Isso não apenas dificulta o combate ao crime, mas também fortalece criminosos, que aproveitam essa situação para consolidar seu poder. A criminalização exagerada dos policiais não apenas prejudica seu desempenho, mas também coloca em risco a segurança e o bem-estar da comunidade.

É importante lembrar que os policiais são, antes de tudo, seres humanos com vidas e papéis sociais diversos. Muitos são pais, mães, o vizinho que joga futebol na várzea aos fins de semana. Essa humanização é essencial para quebrar estereótipos e aproximar a polícia da comunidade. Quando os policiais são vistos apenas como agentes de repressão, perde-se a noção de que eles também são parte integrante da comunidade que servem.

Uma das grandes barreiras na relação polícia-comunidade é o ciclo vicioso de desumanização do policial, em relação a população e da população com o policial. Para uma transformação efetiva e duradoura, é crucial acabar com o discurso de "nós contra eles”, que frequentemente permeia as discussões sobre segurança pública. A colaboração e o entendimento mútuo entre a polícia e a comunidade são fundamentais.

Somente através de treinamentos sérios e investimentos concretos é possível construir um diálogo aberto respeitoso e contínuo, que propicie um ambiente de confiança e segurança para todos. Este é um desafio que demanda tempo, paciência e persistência, mas é essencial para a criação de uma sociedade mais justa e pacífica.

Uma força policial que esteja enraizada nas comunidades e que possa ver a humanidade no outro deve ter sua própria humanidade reconhecida. Somente por meio de uma abordagem abrangente e ação decisiva, a polícia do Paraná, e de todo o Brasil, poderá melhorar.

 

Fonte: Brasil 247/Cimi

 

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