Corte da ONU determina que Israel evite
atos de genocídio
Embora a Corte Internacional de Justiça (CIJ) não tenha acatado a demanda da África do Sul por um
cessar-fogo imediato em Gaza, as medidas impostas nesta sexta-feira (26) pelo
tribunal a Israel são históricas e colocarão forte pressão sobre o país,
segundo analistas entrevistados pela BBC.
Os 17 juízes da CIJ
determinaram que Israel tome as medidas em seu
poder para evitar atos que podem ser considerados genocídio em Gaza e pediram a libertação dos reféns
mantidos pelo Hamas.
Para os especialistas,
a decisão desta sexta emite um sinal para Israel e seus aliados de que suas
ações estão sob escrutínio internacional.
Juliette McIntyre,
professora da Universidade da Austrália do Sul, destaca que os juízes da Corte
citaram diversas declarações feitas por autoridades israelenses.
Para ela, isso mostra
que eles estão atentos ao debate público e que o governo israelense precisará
ser mais cuidadoso em seus posicionamentos.
Essa pressão também
deverá ter efeitos dentro de Israel, na avaliação do professor Itamar Mann, da
Universidade de Haifa.
Para ele, o governo
terá agora que tomar decisões sobre o que chamou de “governança
contragenocídio”. E isso pode provocar brigas internas, inclusive entre o
Ministério da Justiça e a Procuradoria Geral israelenses.
A decisão da CIJ
também é, para Mann, mais um episódio a ser observado pela população
israelense, somando-se a insatisfações internas com a conduta no conflito em
Gaza.
Entretanto, apesar da
pressão que deve gerar, Juliette McIntyre aponta que a decisão dessa sexta —
que ela vê como uma "vitória" para a África do Sul — não deve
provocar mudanças imediatas no conflito em Gaza.
A CIJ, criada em 1945,
é o tribunal internacional que deve resolver disputas entre os 193
Estados-membros da Organização das Nações Unidas (ONU).
O tribunal das Nações
Unidas avalia a acusação de genocídio contra Israel apresentada pela
África do Sul, mas as decisões anunciadas hoje ainda não
são uma posição final sobre essa alegação — que o governo israelense nega
veementemente e pode demorar anos para ser julgada (entenda mais abaixo).
A Corte, no entanto,
determinou algumas medidas provisórias. Entre as principais decisões, estão:
1. Israel deve tomar
todas as medidas possíveis para prevenir quaisquer atos que possam ser
considerados de genocídio, entre os quais matar membros de um grupo étnico,
causar danos corporais, infligir condições destinadas a provocar a destruição
do grupo ou impedir nascimentos;
2. Israel deve
garantir que os seus militares não cometam quaisquer atos considerados de
genocídio;
3. Israel deve
prevenir e punir quaisquer comentários públicos que possam ser considerados
incitamento ao genocídio em Gaza;
4. Israel deve tomar
medidas para garantir o acesso à ajuda humanitária em Gaza;
5. Israel deve impedir
qualquer destruição de provas que possam ser utilizadas em um caso de
genocídio;
6. Israel deve
apresentar um relatório ao tribunal no prazo de um mês após esta ordem ser
dada.
As medidas exigidas na
decisão desta sexta se destinam a garantir que, embora os juízes ainda estejam
analisando a acusação fundamental da África do Sul contra Israel, os palestinos
de Gaza tenham alguma forma de proteção.
O tribunal também
expressou grande preocupação com o destino dos reféns mantidos pelo Hamas em
Gaza e pediu sua libertação imediata.
As decisões da CIJ são
vinculantes, ou seja, Israel tem que cumpri-las. Mas não existe mecanismo para
garantir o cumprimento das determinações.
Isso significa que
Israel poderia optar por ignorar completamente as determinações dos juízes,
afirma o correspondente de diplomacia da BBC Paul Adams.
Israel declarou guerra
contra o Hamas depois que o grupo invadiu e matou 1.300 pessoas em seu
território — a maioria civis — e fez cerca de 240 reféns em um ataque sem
precedentes.
Mais de 25 mil
pessoas, principalmente mulheres e crianças, foram mortas na campanha militar
israelense em Gaza desde então, segundo o Ministério da Saúde controlado pelo
Hamas.
·
Reações
Após a sessão da CIJ,
o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, disse: "(Israel)
continuará a defender a nós próprios e aos nossos cidadãos, ao mesmo tempo que
adere ao direito internacional".
O premiê israelense
afirmou ainda que Israel "continuará esta guerra até a vitória
absoluta" e até que "todos os reféns sejam devolvidos".
O ministro da Defesa
israelense, Yoav Gallant, também se pronunciou, afirmando que "o Estado de
Israel não precisa ser ensinado sobre moralidade para distinguir entre
terroristas e a população civil em Gaza".
Em publicação nas
redes sociais, ele também classificou o processo da África do Sul contra Israel
como "antissemita".
Por sua vez, a
ministra dos Negócios Estrangeiros da África do Sul, Naledi Pandor, afirmou
que, sem um cessar-fogo em Gaza, a decisão da "CIJ não funciona
realmente".
"Eu gostaria que
a palavra 'cessação' fosse incluída na decisão, mas estou satisfeita com as
instruções que foram dadas", disse ela.
Questionada por um
jornalista se acha que Israel cumprirá as ordens, ela afirmou que "nunca
teve esperanças em relação a Israel", mas espera que os "amigos
poderosos" do país o aconselhem a seguir as determinações.
O governo sul-africano
também divulgou um comunicado acolhendo as ordens judiciais e qualificando a sentença
como uma "decisão histórica".
O ministro dos
Negócios Estrangeiros palestino saudou as medidas provisórias ordenadas pelo
tribunal.
"Os juízes da CIJ
avaliaram os fatos e a lei, decidiram a favor da humanidade e do direito
internacional", afirmou Riyad Al-Maliki, segundo a agência de notícias
Reuters.
Al-Maliki faz parte da
Autoridade Palestina, que administra parte da Cisjordânia e é rival do Hamas.
·
O julgamento
A África do Sul considera que Israel está cometendo um genocídio
contra o povo palestino em Gaza e
abriu um processo na Corte Internacional de Justiça em 29 de dezembro de 2023.
O governo brasileiro
manifestou apoio à iniciativa sul-africana.
Nas provas
apresentadas à CIJ, a África do Sul disse que as ações de Israel "têm por
objetivo provocar a destruição de uma parte substancial do grupo nacional,
racial e étnico palestino".
No documento de 84
páginas, o país africano argumenta que os atos genocidas incluem matar
palestinos, causar graves danos mentais e corporais e infligir deliberadamente
condições destinadas a "provocar a sua destruição física como grupo".
Também afirma que as
declarações das autoridades israelenses expressam intenções genocidas.
Em resposta às
alegações, Benjamin Netanyahu disse que seu país está se comportando com uma
"moralidade" sem paralelo na sua campanha em Gaza.
Um porta-voz do
governo israelense comparou o caso da África do Sul a um "libelo de
sangue", uma falsa alegação de que judeus assassinaram cristãos para usar
o seu sangue em rituais antigos.
Ele também disse que o
Hamas tem total responsabilidade moral pela guerra que iniciou.
A África do Sul
apresentou um segundo processo solicitando à CIJ que tomasse medidas
temporárias, o que foi julgado nesta sexta.
No caso, o país pedia
que o tribunal ordenasse a Israel que parasse todas as ações militares em Gaza
— decisão que não foi acatada pela CIJ.
Como o processo foi
classificado como urgente, foi ouvido primeiro.
A Ucrânia fez um
pedido semelhante depois de ter sido invadida pela Rússia em 24 de fevereiro de
2022, e a corte ordenou que a Rússia suspendesse a sua campanha militar algumas
semanas depois. Moscou ignorou isso.
·
O que é genocídio?
Nos termos da
Convenção das Nações Unidas sobre Genocídio de 1948, trata-se de um ato
cometido com a intenção de destruir total ou parcialmente um grupo nacional,
étnico, racial ou religioso, que envolve:
- Matar membros do grupo
- Causar danos corporais ou mentais graves a membros do grupo
- Infligir deliberadamente condições de vida calculadas para
trazer destruição física
- Impor medidas destinadas a prevenir nascimentos
- Transferir de forma forçada crianças do grupo para outro
grupo
O genocídio é um dos
crimes internacionais mais difíceis de provar. Tanto Estados quanto pessoas
podem ser acusadas pelo crime.
·
Qual é o papel da
Corte Internacional de Justiça?
A CIJ é o tribunal
superior das Nações Unidas que decide sobre disputas entre Estados. Todos os
membros da ONU são automaticamente membros da CIJ.
Parte da competência
do tribunal é ouvir disputas relativas à Convenção do Genocídio de 1948.
Seis milhões de judeus
foram assassinados pelos nazistas na Europa durante a Segunda Guerra Mundial,
de 1939 a 1945. Posteriormente, os líderes mundiais procuraram evitar uma
repetição, adotando esta convenção.
Israel, África do Sul,
Mianmar, Rússia, Brasil e Estados Unidos são algumas das 153 partes que a
ratificaram.
Ø
As reações de israelenses e palestinos à
decisão
O primeiro-ministro de
Israel, Benjamin Netanyahu, disse
que Israel "continuará a defender a si e aos seus cidadãos, ao mesmo tempo
que adere ao direito internacional", após a Corte Internacional de Justiça (CIJ) determinar que o país deve tomar medidas para evitar atos que possam
caracterizar genocídio na Faixa de Gaza.
Netanyahu afirmou ainda
que Israel "continuará esta guerra até a vitória absoluta" e até que
"todos os reféns sejam devolvidos", em referência
aos cidadãos, em sua maioria israelenses, sequestrados em Israel nos ataques
promovidos pelo grupo militante islâmico Hamas em 7 de outubro de 2023.
A CIJ também
determinou que os reféns ainda mantidos em poder do Hamas devem ser libertados. Estima-se que 240 foram raptadas e
levadas para Gaza durante os ataques.
Israel afirma que 132
pessoas continuam desaparecidas após terem sido raptadas e levadas para Gaza
durante os ataques. O país acredita que 25 estejam mortos.
Outras 105 pessoas
foram libertadas em um acordo de cessar-fogo com o Hamas que
durou seis dias no final de novembro, quando prisioneiros palestinos foram
libertados por Israel como parte das negociações.
A CIJ não concordou,
porém, com o pedido feito pela África do Sul — que acusou Israel de estar
cometendo genocídio contra o povo palestino na ação movida perante o tribunal —
de que fosse determinado um cessar-fogo imediato.
Ainda assim, a decisão
representa uma vitória para a África do Sul e uma derrota para Israel, avalia
Jeremy Bowen, editor de assuntos internacionais da BBC News, porque a Corte
sinalizou que a forma como Israel trava esta guerra deve mudar radicalmente.
Bowen aponta que a CIJ
não exigiu um cessar-fogo porque "sob o direito humanitário internacional,
nas circunstâncias certas e dentro do contexto jurídico, a guerra é legal, e
Israel foi atacado".
Ao mesmo tempo, embora
Israel tenha reiteradamente afirmado que respeita as leis internacionais sobre
guerras, "as observações feitas pela juíza da CIJ indicam que o tribunal
não concorda".
·
'Decisão a favor da
humanidade'
Do lado palestino, o
ministro de Relações Exteriores, Riyad Al-Maliki, celebrou a decisão da CIJ.
"Os juízes
avaliaram os fatos e a lei, decidiram a favor da humanidade e do direito
internacional", dise Al-Maliki, segundo a agência de notícias Reuters.
Al-Maliki é membro da
Autoridade Palestina, que administra parte da Cisjordânia, e é rival do Hamas.
Um membro do alto
escalão do partido político Fatah – que está no no poder da Cisjordânia e
também rival do Hamas – também saudou a decisão da Corte.
Sabri Saidam disse à
BBC que Israel recebeu um "cartão amarelo" e acrescentou que o Fatah
está esperando para ver como Israel responde e o que será feito para
implementar as medidas determinadas pela CIJ.
"Gostaríamos de
ver as hostilidades e a sabotagem de todo o plano de deslocamento dos
palestinos cessarem e que seja permitida a chegada de ajuda e a reconstrução de
Gaza", diz Saidam.
"Mas o mais
importante é que todos os palestinos vejam o fim do conflito."
Ele acrescentou que,
embora a decisão da CIJ seja um "passo na direção certa”" ele
acredita que muitos palestinos sentirão que é tarde demais.
Saidam diz que a
questão do conflito com Israel "não é mais sobre o Hamas", mas sobre
o futuro dos palestinos como povo.
Israel afirmou
repetidamente que os objetivos da sua ofensiva em Gaza são eliminar o Hamas e
libertar os reféns em poder do grupo.
·
'Israel não precisa de
lição de moralidade'
No entanto, ministros
de Israel não receberam positivamente a decisão da Corte.
O ministro da Defesa
israelense, Yoav Gallant, rejeitou as decisões da CIJ para que Israel faça mais
para garantir a prevenção de quaisquer atos que possam ser considerados
genocidas.
"O Estado de
Israel não precisa de ser ensinado sobre moralidade para distinguir entre
terroristas e a população civil em Gaza", publicou ele nas redes sociais,
chamando a ação movida pela África do Sul de "antissemita".
"As IDF [Forças
de Defesa de Israel] e as agências de segurança continuarão a operar para
desmantelar as capacidades militares e de governo da organização terrorista
Hamas e para devolver os reféns às suas casas. Tenho plena confiança nas nossas
tropas", disse ele.
O ministro de Relações
Internacional de Israel, Israel Katz, também recorreu às redes sociais para
reafirmar que o país tem o direito de se defender e disse que o governo
israelense está comprometido com o direito internacional,
"independentemente de qualquer processo da CIJ".
Após a decisão da CIJ,
ele disse à equipe jurídica de Israel: "Vocês representaram Israel e o
povo judeu com honra. Vocês nos deixaram orgulhosos".
·
Autoridades do Hamas
saúdam decisão da CIJ
Também ouvimos o
Hamas, e o grupo também acolheu hoje a decisão da CIJ.
Sami Abu Zuhri, um
alto funcionário do Hamas, disse à agência de notícias Reuters: "A decisão
do Tribunal Internacional de Justiça é um desenvolvimento importante que
contribui para isolar a ocupação (Israel) e expor os seus crimes em Gaza."
"Pedimos que a
ocupação seja obrigada a implementar as decisões do tribunal".
A CIJ decidiu que
Israel deve tomar todas as medidas para evitar atos genocidas em Gaza, mas não
chegou a pedir a suspensão imediata das operações.
Fonte: BBC News Mundo
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