quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

Conciliação de Lula com militares incluiu articulação contra proposta do PT

"Enquanto eu for presidente, não tem GLO", disse o presidente Lula (PT) cinco dias antes de assinar decreto autorizando as Forças Armadas a atuarem em operação de Garantia da Lei e da Ordem, a GLO, em portos e aeroportos do Rio de Janeiro e de São Paulo.

No anúncio da GLO, em 1º de novembro, Lula justificou a medida como necessária diante da "situação muito grave" envolvendo o crime organizado no Rio de Janeiro. "Bem, na verdade esse decreto, ele estabelece a criação de uma operação integrada de combate ao crime organizado e, por isso, eu estou fazendo esse decreto de GLO", contemporizou.

A mudança de postura de Lula com a GLO ocorreu após uma articulação entre os comandantes das Forças Armadas e o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, que permeou o trabalho de todo o ano das cúpulas militares.

O objetivo era reconstruir uma relação de confiança entre os militares e o presidente após uma transição de governo intrincada e embates após os ataques às sedes dos Poderes, em 8 de janeiro.

Múcio sinalizou a interlocutores que alguns fatos serviram como viradas de chave na relação entre Lula e os chefes militares. Um desses casos foi a operação da FAB (Força Aérea Brasileira) para resgatar os brasileiros e familiares no início do conflito entre Israel e o grupo terrorista Hamas.

O ministro ainda acredita que conseguiu reverter o cenário de desconfiança mútua quando Lula começou, no fim do primeiro semestre, a telefonar diretamente para os comandantes militares, ao invés de usar Múcio como intermediário dos contatos.

A estratégia do governo Lula 3 para manter em equilíbrio as relações civis-militares tem como foco a perspectiva da conciliação. O plano contraria alas mais à esquerda da coalizão que apoiou a campanha eleitoral do petista.

No próprio PT, por exemplo, a ala majoritária tentou aproveitar o momento de crise militar para aprovar medidas no Congresso para extirpar atribuições dos militares e alterar o artigo 142 da Constituição.

O movimento, capitaneado pelo deputado Carlos Zarattini (PT-SP), acabou enterrado pelo próprio governo Lula, que articulou a construção de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) pactuada com os chefes militares para prever apenas a proibição de que militares permaneçam na ativa caso disputem eleições.

Múcio também articulou junto a Lula para evitar a recriação da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos demanda do ministro Silvio Almeida (Direitos Humanos) para apurar crimes cometidos durante a ditadura militar.

Na visão do historiador e sociólogo Lucas Pedretti, estudioso sobre as relações civis-militares, Lula tem adotado em seu terceiro governo a estratégia de evitar o confronto com as Forças Armadas. Para Pedretti, a conciliação promovida por Lula e Múcio pode, como efeito, ter garantido a governabilidade do petista.

"Essa opção política deixa em aberto um problema, que vai se manifestar cedo ou tarde, quando houver uma nova crise política, crise institucional. À medida em que os militares continuam se percebendo como poder moderador da República e continuam dispondo de mecanismos institucionais e legais para isso."

O único confronto que o governo promoveu contra as Forças Armadas foi quando Múcio decidiu demitir o então comandante do Exército, general Júlio César de Arruda, na esteira da quebra de confiança pelos atos de 8/1 e a relutância em tirar o ex-ajudante de ordens Mauro Cid de cargo de chefia em Goiânia (GO).

Após o embate, Lula e Múcio arbitraram em favor dos militares em discussões sobre o aumento no orçamento das Forças e nos conflitos entre as Forças e a Polícia Federal, entre outros momentos.

O embaixador Rubens Barbosa, presidente do Cedesen (Centro de Defesa e Segurança Nacional), defende que havia uma diferença clara no governo Lula 3 em comparação com as gestões anteriores do petista.

"No Lula 3, a relação com os militares era de desconfiança total e de restrições de toda sorte. Não foi assim no Lula 1 e 2. Depois de um ano, a situação mudou totalmente e o relacionamento nunca foi mais tranquilo do que agora. 'Thanks to' Múcio", afirmou.

Lucas Pereira Rezende, professor de ciência política da UFMG, destaca que o princípio adotado por Lula na relação com os militares segue o mesmo adotado nos dois governos anteriores. "O princípio da acomodação dos militares para que eles não interfiram em questões de ordem política doméstica", disse.

Ele avalia, porém, que há diferenças fundamentais entre as gestões petistas ao longo das últimas duas décadas.

"Hoje nós temos um embaixador dos militares no Ministério da Defesa. E a via passou a ser contrária, os militares dizem o que querem fazer, e o ministro [José Múcio] comunica isso ao governo. E o papel do ministro da Defesa deveria ser o contrário: um ator político sinalizando aos militares o que eles devem fazer, ou seja, a sociedade demandando aos militares", completou.

Para o professor, o "acomodacionismo" com os militares buscado por Lula é o mesmo feito em diversos níveis por todos os governos da Nova República. "E culminou nos acampamentos golpistas e na intentona de 8 de janeiro. Enquanto esta lição não for aprendida não teremos uma democracia plena no Brasil."

 

       Questão religiosa provoca debates no PT e no governo Lula

 

O domínio da direita e mesmo da ultradireita junto a um eleitorado expressivo e radicalizado tem sido motivo de debates entre os organismos partidários e, em especial, no Partido dos Trabalhadores (PT). A legenda chegou ao governo em uma eleição apertada e, há um ano, ainda encontra um eleitorado dividido.

Principal centro de estudos ligado ao PT, a Fundação Perseu Abramo planeja estruturar, ainda este ano, um núcleo dedicado ao estudo do fenômeno que consegue reunir pessoas de extratos sociais distintos, principalmente na camadas medianas, temas religiosos e a relação do partido com a religiosidade. Embora todas as religiões sejam objeto de análise do novo núcleo, os evangélicos receberão atenção redobrada.

•        Extrema direita

Os Núcleos de Acompanhamento de Políticas Públicas (NAPPs) são os grupos se dedicam a temas como economia, segurança, agricultura, educação, saúde e, agora, também sobre a questão dos segmentos radicalizados pela extrema direita junto aos protestantes e neopentecostais.

— Precisamos dar uma atualizada no comportamento dos religiosos no Brasil, refletir sobre o que pensam e como podem se relacionar conosco — disse ao site de notícias Brasil de Fato (BdF) o presidente da Fundação, Paulo Okamotto.

Segundo afirmou, há uma compreensão no partido quanto à Igreja Católica, e não tão boa com relação aos evangélicos. A ideia é produzir estudos e pesquisas e dar sugestões sobre como se relacionar com o segmento.

— Existem diversos pentecostais e neopentecostais que simpatizam com o PT e pertencem ao partido — acrescentou.

•        Resistência

A orientação para que se multipliquem os esforços para compreender os anseios de parte da população brasileira que, hoje, serve como esteio aos atos golpistas partiu do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que recebeu conselhos de seus assessores para intensificar o relacionamento com os evangélicos, um eleitorado que se tornou fiel ao bolsonarismo.

Enquanto líderes religiosos desse segmento expressam a necessidade de maior atenção do presidente, fontes no governo têm dito nos bastidores que Lula pensa estabelecer um diálogo mais próximo com tais setores, em especial neste ano, com foco nas eleições municipais de outubro.

Pesquisas internas conduzidas pelo Palácio do Planalto, às quais a reportagem do Correio do Brasil teve acesso, revelam que os evangélicos figuram entre os grupos que mais rejeitam o presidente, sua gestão e o governo como um todo. Apesar da resistência inicial, o presidente parece inclinado a atender a esses apelos e se envolver mais diretamente, possivelmente revertendo a rejeição. O presidente, no entanto, demonstra ser completamente avesso a "usar a religião” em questões mundanas como é a política eleitoral.

 

       PT pede que STF derrube lei que institui marco temporal de terras indígenas

 

O Supremo Tribunal Federal (STF) recebeu mais uma ação questionando a validade da lei que estabelece o marco temporal para demarcação de terras indígenas. O pedido foi protocolado pelo PT, PCdoB e PV – as três legendas integram uma única federação partidária.

A lei foi aprovada pelo Congresso em setembro, no mesmo dia em que o Supremo rejeitou a tese do marco temporal. O texto estabelece que apenas as terras ocupadas por povos indígenas em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, podem ser demarcadas. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou esse trecho, mas o Congresso derrubou o veto neste mês. A norma foi promulgada no final de dezembro.

PSOL, Rede e Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) também questionaram a lei no Supremo. Por outro lado, três partidos de oposição ao governo (PP, PL e Republicanos) pediram que a Corte reconheça a constitucionalidade do marco temporal sob o argumento de que a última palavra deve ser do Legislativo.

As três ações foram distribuídas para o ministro Gilmar Mendes. Os partidos aliados do governo pediram que a ação fosse distribuída “por prevenção” ao ministro Edson Fachin, por ele ter sido relator da ação que resultou na declaração de inconstitucionalidade do marco temporal.

Tanto Fachin como Gilmar votaram contra a tese do marco temporal no julgamento realizado em setembro. Mas, enquanto Fachin atendeu integralmente ao pleito dos indígenas e não quis discutir a indenização dos proprietários, Gilmar fez ressalvas à amplitude das terras demarcadas e disse que “não falta terra”, mas “falta apoio”.

•        Indígenas e partidos recorrem ao STF para suspender marco temporal

“É preciso que tenhamos essa dose de realidade no nosso raciocínio, sob pena de estarmos a oferecer soluções ilusórias. Pode ser revogado o marco temporal, a dificuldade vai continuar”, afirmou Gilmar quando votou, em setembro.

 

Fonte: FolhaPress/Correio do Brasil/IstoÉ Dinheiro

 

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