Conciliação de Lula com militares incluiu articulação contra proposta do
PT
"Enquanto eu for presidente, não tem
GLO", disse o presidente Lula (PT) cinco dias antes de assinar decreto
autorizando as Forças Armadas a atuarem em operação de Garantia da Lei e da
Ordem, a GLO, em portos e aeroportos do Rio de Janeiro e de São Paulo.
No anúncio da GLO, em 1º de novembro, Lula
justificou a medida como necessária diante da "situação muito grave"
envolvendo o crime organizado no Rio de Janeiro. "Bem, na verdade esse
decreto, ele estabelece a criação de uma operação integrada de combate ao crime
organizado e, por isso, eu estou fazendo esse decreto de GLO",
contemporizou.
A mudança de postura de Lula com a GLO ocorreu após
uma articulação entre os comandantes das Forças Armadas e o ministro da Defesa,
José Múcio Monteiro, que permeou o trabalho de todo o ano das cúpulas
militares.
O objetivo era reconstruir uma relação de confiança
entre os militares e o presidente após uma transição de governo intrincada e
embates após os ataques às sedes dos Poderes, em 8 de janeiro.
Múcio sinalizou a interlocutores que alguns fatos
serviram como viradas de chave na relação entre Lula e os chefes militares. Um
desses casos foi a operação da FAB (Força Aérea Brasileira) para resgatar os
brasileiros e familiares no início do conflito entre Israel e o grupo
terrorista Hamas.
O ministro ainda acredita que conseguiu reverter o
cenário de desconfiança mútua quando Lula começou, no fim do primeiro semestre,
a telefonar diretamente para os comandantes militares, ao invés de usar Múcio
como intermediário dos contatos.
A estratégia do governo Lula 3 para manter em
equilíbrio as relações civis-militares tem como foco a perspectiva da
conciliação. O plano contraria alas mais à esquerda da coalizão que apoiou a
campanha eleitoral do petista.
No próprio PT, por exemplo, a ala majoritária
tentou aproveitar o momento de crise militar para aprovar medidas no Congresso
para extirpar atribuições dos militares e alterar o artigo 142 da Constituição.
O movimento, capitaneado pelo deputado Carlos Zarattini
(PT-SP), acabou enterrado pelo próprio governo Lula, que articulou a construção
de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) pactuada com os chefes militares
para prever apenas a proibição de que militares permaneçam na ativa caso
disputem eleições.
Múcio também articulou junto a Lula para evitar a
recriação da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos demanda do ministro Silvio Almeida
(Direitos Humanos) para apurar crimes cometidos durante a ditadura militar.
Na visão do historiador e sociólogo Lucas Pedretti,
estudioso sobre as relações civis-militares, Lula tem adotado em seu terceiro
governo a estratégia de evitar o confronto com as Forças Armadas. Para
Pedretti, a conciliação promovida por Lula e Múcio pode, como efeito, ter
garantido a governabilidade do petista.
"Essa opção política deixa em aberto um
problema, que vai se manifestar cedo ou tarde, quando houver uma nova crise
política, crise institucional. À medida em que os militares continuam se
percebendo como poder moderador da República e continuam dispondo de mecanismos
institucionais e legais para isso."
O único confronto que o governo promoveu contra as
Forças Armadas foi quando Múcio decidiu demitir o então comandante do Exército,
general Júlio César de Arruda, na esteira da quebra de confiança pelos atos de
8/1 e a relutância em tirar o ex-ajudante de ordens Mauro Cid de cargo de
chefia em Goiânia (GO).
Após o embate, Lula e Múcio arbitraram em favor dos
militares em discussões sobre o aumento no orçamento das Forças e nos conflitos
entre as Forças e a Polícia Federal, entre outros momentos.
O embaixador Rubens Barbosa, presidente do Cedesen
(Centro de Defesa e Segurança Nacional), defende que havia uma diferença clara
no governo Lula 3 em comparação com as gestões anteriores do petista.
"No Lula 3, a relação com os militares era de
desconfiança total e de restrições de toda sorte. Não foi assim no Lula 1 e 2.
Depois de um ano, a situação mudou totalmente e o relacionamento nunca foi mais
tranquilo do que agora. 'Thanks to' Múcio", afirmou.
Lucas Pereira Rezende, professor de ciência
política da UFMG, destaca que o princípio adotado por Lula na relação com os
militares segue o mesmo adotado nos dois governos anteriores. "O princípio
da acomodação dos militares para que eles não interfiram em questões de ordem
política doméstica", disse.
Ele avalia, porém, que há diferenças fundamentais
entre as gestões petistas ao longo das últimas duas décadas.
"Hoje nós temos um embaixador dos militares no
Ministério da Defesa. E a via passou a ser contrária, os militares dizem o que
querem fazer, e o ministro [José Múcio] comunica isso ao governo. E o papel do
ministro da Defesa deveria ser o contrário: um ator político sinalizando aos
militares o que eles devem fazer, ou seja, a sociedade demandando aos
militares", completou.
Para o professor, o "acomodacionismo" com
os militares buscado por Lula é o mesmo feito em diversos níveis por todos os
governos da Nova República. "E culminou nos acampamentos golpistas e na
intentona de 8 de janeiro. Enquanto esta lição não for aprendida não teremos
uma democracia plena no Brasil."
Questão
religiosa provoca debates no PT e no governo Lula
O domínio da direita e mesmo da ultradireita junto
a um eleitorado expressivo e radicalizado tem sido motivo de debates entre os
organismos partidários e, em especial, no Partido dos Trabalhadores (PT). A
legenda chegou ao governo em uma eleição apertada e, há um ano, ainda encontra
um eleitorado dividido.
Principal centro de estudos ligado ao PT, a
Fundação Perseu Abramo planeja estruturar, ainda este ano, um núcleo dedicado
ao estudo do fenômeno que consegue reunir pessoas de extratos sociais
distintos, principalmente na camadas medianas, temas religiosos e a relação do
partido com a religiosidade. Embora todas as religiões sejam objeto de análise
do novo núcleo, os evangélicos receberão atenção redobrada.
• Extrema
direita
Os Núcleos de Acompanhamento de Políticas Públicas
(NAPPs) são os grupos se dedicam a temas como economia, segurança, agricultura,
educação, saúde e, agora, também sobre a questão dos segmentos radicalizados
pela extrema direita junto aos protestantes e neopentecostais.
— Precisamos dar uma atualizada no comportamento
dos religiosos no Brasil, refletir sobre o que pensam e como podem se
relacionar conosco — disse ao site de notícias Brasil de Fato (BdF) o
presidente da Fundação, Paulo Okamotto.
Segundo afirmou, há uma compreensão no partido
quanto à Igreja Católica, e não tão boa com relação aos evangélicos. A ideia é
produzir estudos e pesquisas e dar sugestões sobre como se relacionar com o
segmento.
— Existem diversos pentecostais e neopentecostais
que simpatizam com o PT e pertencem ao partido — acrescentou.
• Resistência
A orientação para que se multipliquem os esforços
para compreender os anseios de parte da população brasileira que, hoje, serve
como esteio aos atos golpistas partiu do próprio presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, que recebeu conselhos de seus assessores para intensificar o
relacionamento com os evangélicos, um eleitorado que se tornou fiel ao
bolsonarismo.
Enquanto líderes religiosos desse segmento
expressam a necessidade de maior atenção do presidente, fontes no governo têm
dito nos bastidores que Lula pensa estabelecer um diálogo mais próximo com tais
setores, em especial neste ano, com foco nas eleições municipais de outubro.
Pesquisas internas conduzidas pelo Palácio do
Planalto, às quais a reportagem do Correio do Brasil teve acesso, revelam que
os evangélicos figuram entre os grupos que mais rejeitam o presidente, sua
gestão e o governo como um todo. Apesar da resistência inicial, o presidente
parece inclinado a atender a esses apelos e se envolver mais diretamente,
possivelmente revertendo a rejeição. O presidente, no entanto, demonstra ser
completamente avesso a "usar a religião” em questões mundanas como é a
política eleitoral.
PT
pede que STF derrube lei que institui marco temporal de terras indígenas
O Supremo Tribunal Federal (STF) recebeu mais uma
ação questionando a validade da lei que estabelece o marco temporal para
demarcação de terras indígenas. O pedido foi protocolado pelo PT, PCdoB e PV –
as três legendas integram uma única federação partidária.
A lei foi aprovada pelo Congresso em setembro, no
mesmo dia em que o Supremo rejeitou a tese do marco temporal. O texto
estabelece que apenas as terras ocupadas por povos indígenas em 5 de outubro de
1988, data da promulgação da Constituição, podem ser demarcadas. O presidente
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou esse trecho, mas o Congresso derrubou o
veto neste mês. A norma foi promulgada no final de dezembro.
PSOL, Rede e Articulação dos Povos Indígenas do
Brasil (Apib) também questionaram a lei no Supremo. Por outro lado, três
partidos de oposição ao governo (PP, PL e Republicanos) pediram que a Corte
reconheça a constitucionalidade do marco temporal sob o argumento de que a
última palavra deve ser do Legislativo.
As três ações foram distribuídas para o ministro
Gilmar Mendes. Os partidos aliados do governo pediram que a ação fosse
distribuída “por prevenção” ao ministro Edson Fachin, por ele ter sido relator
da ação que resultou na declaração de inconstitucionalidade do marco temporal.
Tanto Fachin como Gilmar votaram contra a tese do
marco temporal no julgamento realizado em setembro. Mas, enquanto Fachin
atendeu integralmente ao pleito dos indígenas e não quis discutir a indenização
dos proprietários, Gilmar fez ressalvas à amplitude das terras demarcadas e
disse que “não falta terra”, mas “falta apoio”.
• Indígenas
e partidos recorrem ao STF para suspender marco temporal
“É preciso que tenhamos essa dose de realidade no
nosso raciocínio, sob pena de estarmos a oferecer soluções ilusórias. Pode ser
revogado o marco temporal, a dificuldade vai continuar”, afirmou Gilmar quando
votou, em setembro.
Fonte: FolhaPress/Correio do Brasil/IstoÉ Dinheiro
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