Milhares de vítimas, hospital bombardeado e mais: atrocidades de Israel
na Faixa de Gaza em 2023
As Convenções de Genebra são uma série de tratados
formulados em Genebra, na Suíça, que definem normas para as leis relativas ao
direito humanitário internacional. Começam a ser elaboradas ainda no século 19
e, desde então, vêm sendo ampliadas, atualizadas e aprimoradas. Mesmo assim,
nem sempre são levadas em conta, especialmente pelas maiores potências
militares do planeta, como é o caso de Israel.
A 4ª Convenção de Genebra, datada de 1949, proíbe
“a violência à vida e à pessoa, em particular assassinato de todos os tipos,
mutilação, tratamento cruel e tortura”. Leia abaixo a seleção feita pelo Brasil
de Fato de atrocidades cometidas pelos israelenses na Palestina e veja
se consegue identificar alguma dessas práticas proibidas.
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1. Torturas e maus tratos
O destino de centenas de palestinos sequestrados
pelo exército israelense na Faixa de
Gaza permanece incerto, pois os militares negam acesso a organizações
humanitárias, apesar de relatos recentes de palestinos que morreram sob
custódia israelense. Relatos de mortes e maus tratos aumentam as preocupações
sobre o tratamento sistemático dispensado por Israel aos prisioneiros, em
aparente desrespeito a noções básicas de direitos humanos.
"Éramos espancados e ordenados a ajoelhar por
horas. Ficamos três dias em um campo aberto no frio. Fomos torturados. Fomos
acusados de ser membros do Hamas, de sermos terroristas", disse um
ex-detento palestino trazido de volta à Faixa de Gaza pelo exército israelense
descalço.
A Anistia Internacional divulgou um relatório no
dia 20 de dezembro, instando autoridades a "investigar o tratamento
desumano e o desaparecimento forçado de detentos palestinos de Gaza". A
ONU declarou ter recebido "numerosos relatos perturbadores" sobre
"detenções em massa, maus-tratos e desaparecimentos forçados de
possivelmente milhares de palestinos", incluindo crianças.
O Comitê Internacional da Cruz Vermelha não
conseguiu verificar as condições de milhares de prisioneiros palestinos desde 7
de outubro, quando Israel suspendeu todas as visitas. A porta-voz do órgão
sugeriu que Israel está violando o direito internacional humanitário ao negar
acesso a campos de detenção.
No dia 8 de dezembro, um vídeo mostrando mais de 20
palestinos sentados no asfalto seminus, com o tronco curvado, enquanto soldados
de Israel circulam ao seu redor, gerou indignação. O governo israelense afirmou
que se trata de moradores de áreas no norte da Faixa de Gaza, segundo ele um
dos principais redutos e centros de comando do Hamas, insinuando que poderiam
ser combatentes
Mas palestinos disseram ter reconhecido nas imagens
pessoas que, segundo eles, não têm laços com o Hamas ou outras facções. Hani
Almadhoun, um palestino-americano que vive nos Estados Unidos, contou ter
identificado diversos familiares, incluindo seu sobrinho de 12 anos. Um portal
árabe sediado em Londres afirmou que um dos homens detidos é um jornalista de
sua equipe e denunciou a captura de profissionais de imprensa.
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2. Matar e sequestrar jornalistas
Mais de 60 jornalistas já foram mortos desde o
início da ofensiva israelense, o que levanta a suspeita de uma possível
política deliberada de tentar inviabilizar o trabalho dos profissionais que se
dedicam a reportar o massacre em curso.
Um dos casos mais notórios é o de um jornalista que
não foi morto, mas teve sua vida profundamente marcada por essa guerra: o chefe
da sucursal da emissora Al Jazeera em Gaza, Wael Dahdouh,
ferido num ataque que matou dois colegas de profissão em dezembro, pouco tempo
depois de ter perdido vários membros de sua família (esposa, filho, filha e
neto) em outro ataque. A Al Jazeera é uma emissora do Catar, que costuma destacar
o ponto de vista dos árabes sobre os acontecimentos.
Na cama de um hospital, Dahdouh contou que a equipe
da emissora estava acompanhando socorristas na evacuação de uma família após a
destruição de sua casa. À medida que os jornalistas saíam do local a pé, uma
explosão o derrubou no chão. Ele pressionou seus ferimentos e saiu do local em
busca de ajuda, mas quando chegou a uma ambulância, os socorristas disseram que
não poderiam retornar ao local do ataque porque era muito perigoso.
Segundo ele, uma ambulância tentou chegar até o
jornalista que acabou morrendo, mas foi alvo de disparos, o que parece
configurar mais um caso, entre tantos outros reportados durante essa guerra, em
que civis inocentes feridos não conseguem obter o atendimento médico adequado
porque as forças israelenses atrapalham o trabalho de resgate.
Segundo o Comitê para Proteção de Jornalistas
(CPJ), profissionais da mídia em Gaza enfrentam riscos particularmente altos ao
cobrir a invasão israelense, que advêm de ataques aéreos devastadores,
comunicações interrompidas, escassez de suprimentos e cortes de energia, sem
falar em múltiplos ataques, ameaças, ciberataques, censura e assassinatos de
familiares. Até 15 de dezembro, a contagem era de 64 mortos (57 palestinos, 4
israelenses e 3 libaneses); 13 feridos; 3 desaparecidos; 19 presos.
As agências de notícias Reuters e France Press
buscaram junto às Forças de Defesa de Israel (IDF) garantias de que seus
jornalistas não seriam alvo de ataques, e ouviram que seria impossível garantir
a segurança deles.
A Al Jazeera perguntou ao
porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, John Kirby, se Israel
estava alvejando jornalistas deliberadamente, algo que o país negou. Mas Tim
Dawson, secretário-geral adjunto da Federação Internacional de Jornalistas,
soou o alarme sobre as "dezenas de jornalistas" mortos desde 7 de
outubro. "Acredito que isso agora é uma questão de liberdade de imprensa.
Temos que nos perguntar: 'O que o [militar israelense] está tentando alcançar?
Por que eles não permitem a entrada de jornalistas estrangeiros?'", disse
à Al Jazeera.
"É crucial que os jornalistas possam realizar
seu trabalho sem ataques violentos", afirmou Stephane Dujarric, porta-voz
do secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas), António Guterres.
É perturbadora também a situação de correspondentes
que simplesmente saem de cena, como Diaa al-Khalout, correspondente do serviço
em árabe do grupo sul-africano TNA Media. Segundo testemunhas, ele foi
sequestrado pelo exército israelense em 7 de dezembro, junto com seus irmãos,
parentes e outros civis em Beit Lahia, norte de Gaza, e até o dia 21, seu
paradeiro era desconhecido.
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3. Transformar hospital em alvo
Dez dias haviam se passado do início da guerra
quando um fato chocou mesmo as pessoas acostumadas aos confrontos coloniais na
região: um ataque ao hospital Al-Ahli, na cidade de Gaza, provocou centenas de
mortes — a quantidade variava conforme a fonte, mas as autoridades locais
estimaram em quase 500 vítimas fatais.
Segundo a Defesa Civil Palestina, tratava-se do
ataque mais mortífero em cinco guerras travadas desde 2008. "O que
aconteceu esta noite equivale a um genocídio", disse na ocasião o
porta-voz Mahmoud Basal.
Além do volume da mortandade num único ataque,
chamou a atenção o fato de ter ocorrido num hospital, tipo de local que costuma
ser preservado em respeito aos feridos e doentes. E que, nesse caso específico,
abrigava também uma série de deslocados que haviam saído de suas casas para
evitar virar alvo das bombas israelenses. Ou seja, era uma espécie de campo de
refugiados improvisado. Por isso morreu tanta gente.
Um grupo de relatores da ONU chamou o ataque de
"atrocidade" e lembrou que, no mesmo dia, houve um ataque mortal a
uma escola da UNRWA, a agência das Nações Unidas para refugiados palestinos e
mais dois campos de refugiados densamente povoados. "O cerco total a Gaza,
juntamente com ordens de evacuação inviáveis e transferências forçadas de
população, é uma violação do direito humanitário e penal internacional. Também
é indescritivelmente cruel", disseram.
Com o passar dos dias e meses, a situação nos
hospitais de Gaza só fez piorar. Alegando que funcionam como abrigo e base
operacional para militantes do Hamas, Israel os transformou em alvos de ataques
e cercos frequentes, sem falar nas dificuldades operacionais causadas pela
falta de equipamento e combustível para geradores. A ponto de, dois meses após
a mortandade no Al-Ahli, a OMS (Organização Mundial de Saúde) ter declarado que
no norte de Gaza não havia sequer um hospital funcional.
Na mesma época, a OMS usou termos como "uma
cena de horror completa" e "banho de sangue" para se referir ao
Al-Shifa, um dos poucos hospitais que ainda conseguia operar, ainda que de modo
bem pouco funcional: prestando apenas serviço de estabilização básica de
trauma, sem sangue para transfusões e quase nenhum profissional de saúde para
cuidar do fluxo constante de pacientes, sem falar nos pacientes com lesões
traumáticas sendo suturadas no chão, com praticamente nenhum analgésico. O uso
de lanterna de telefone celular para iluminar procedimentos se tornou comum
durante o massacre em Gaza.
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4. Matar crianças e mulheres
O fato de Israel ter matado 20 mil palestinos em 75
dias de ofensiva — média de 266 pessoas por dia, a imensa maioria civis
inocentes — é um assombro. Mas a parte mais dramática dessa estatística é o
fato de 70% dos cadáveres serem de crianças e mulheres, o que contraria as
regras internacionais que regem, ou deveriam reger, as guerras.
Diariamente, chegam à redação do Brasil de Fato
fotografias de crianças mortas e feridas sendo carregadas nos braços de
adultos, enroladas em lençóis, levadas para hospitais e enterros. São imagens
fortes, que provocam dúvida: publicar para reportar o horror vivido pelos
palestinos, ou poupar o leitor de registros tão deprimentes?
Entre os muitos relatos sobre o assunto vindos
campo de batalha, destacamos aqui o de uma médica australiana que ajudou a
coordenar ajuda médica para Gaza falou sobre os horrores que testemunhou,
afirmando que uma "grande proporção de crianças está sendo morta ou
mutilada para toda a vida".
Natalie Thurtle, que trabalhou com a organização
Médicos Sem Fronteiras (MSF), disse ao jornal britânico The Guardian que
"a partir das conversas com colegas e ao ver as imagens que eles estão
vendo, o número de crianças mortas ou mutiladas neste conflito é extremamente
alto". Ela acrescentou que entre 150 e 200 pacientes chegavam diariamente
ao Hospital Al-Aqsa, no centro de Gaza, mas "cerca de um terço desses
pacientes chegava morto".
Em entrevista à Al Jazeera, Adnan Abu
Hasna, porta-voz da Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinos
(UNRWA), descreveu a situação na Faixa de Gaza como "um tsunami
humanitário".
Uma hipótese levantada durante o atual massacre é a
possibilidade de estar ocorrendo um "genocídio de manual", normativa
composta de cinco critérios, três dos quais Israel estaria implementando: matar
membros de um grupo; causar dano sério corporal ou mental a membros desse
grupo; deliberadamente infligir sobre o grupo condições de vida calculadas para
trazer a destruição física de seu todo ou de parte.
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5. Prisões e maus tratos na Cisjordânia
Gaza é o epicentro da questão palestina no momento,
pois é de lá que partiram os ataques que serviram de pretexto para o
contra-ataque israelense e é lá que fica sediado o Hamas, grupo palestino que
Israel pretende erradicar, segundo seu governo. Mas na Cisjordânia, outro
território palestino na região, que vive sob permanente ocupação de Israel e
onde existem assentamentos ilegais de cidadãos israelenses, a vida também
mudou.
Desde o início do massacre israelense, nota-se um
crescimento na quantidade de prisões no território ocupado. Mais de 4,6 mil
palestinos foram detidos por tropas israelenses, o que configura uma média de
cerca de 61 pessoas por dia. O escritório das Nações Unidas para direitos
humanos nos territórios ocupados declarou estar “profundamente preocupado” com
a elevação dessa estatística.
A disponibilidade israelense para aprisionar
pessoas é tanta que acabou transformando num jogo de soma zero a chamada pausa
humanitária para troca de reféns por prisioneiros, no final de novembro.
Explica-se: ao mesmo tempo em que libertou 150 prisioneiros nos quatro
primeiros dias do acordo, Israel colocou outros 133 palestinos atrás das
grades, todos detidos na Cisjordânia e na porção oriental de Jerusalém, segundo
associações de prisioneiros palestinos.
Tudo isso sem falar das denúncias de maus-tratos e
torturas, conforme mencionado acima.
E sem falar também numa série de outras violações
de direitos que ocorrem na Cisjordânia, perpetradas por colonos e tropas
israelenses contra palestinos, que não são punidas por Israel, como violência
física e patrimonial. Um exemplo: proibir o acesso dos agricultores palestinos
às suas terras e queimar suas colheitas.
Na última quinta-feira (21/12), ocorreu uma
destruição considerável de infraestrutura agrícola numa região chamada Khirbet
at-Taweel, perto de Belém, na Cisjordânia, onde duas edificações, usadas por
famílias palestinas para criar animais, foram derrubadas por tanques
israelenses. Perto dali, foram registradas 14 ocorrências semelhantes. As
tropas de Israel alegam falta de permissão para o funcionamento dessas
instalações agrícolas. Testemunhas dizem que equipamentos de produção foram
roubados e/ou destruídos.
Ø Mortes após
ataque israelense em campo de refugiados passam de 100
Subiu nesta terça-feira (26/12) para 106 o número
de mortos no ataque israelense contra o campo de refugiados de Maghazi, no centro
da Faixa de Gaza. A informação é da agência de notícias Associated
Press, que cita registros do hospital de Al-Aqsa, próximo ao local do
bombardeio.
Um balanço anterior divulgado pelo Ministério da
Saúde de Gaza, enclave controlado pelo grupo Hamas, falava em pelo menos 70
vítimas.
Trata-se de um dos ataques mais mortais desde o início da operação israelense no
território palestino após a ofensiva do Hamas em 7 de outubro, que deixaram 1,2
mil mortos.
Desde então, os bombardeios israelenses em Gaza já
fizeram mais de 20 mil vítimas, segundo as autoridades locais.
O Exército de Israel disse ter iniciado uma
"verificação" sobre o ataque contra o campo de refugiados e pediu que
a população do centro da Faixa de Gaza se "afaste das zonas de
combate", embora a ONU tenha dito que não há mais lugar seguro no enclave.
Já no sul do território, em Khan Younis, projéteis
de artilharia israelense atingiram os andares superiores da sede local do
Crescente Vermelho, que abrigava deslocados de outras regiões.
Segundo a entidade humanitária, o ataque provocou
"algumas vítimas".
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Lula defende criação de Estado palestino
O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva
participou na segunda-feira (25/12) de um almoço de Natal com repatriados da
Faixa de Gaza. Durante o encontro, o mandatário defendeu a criação de um Estado palestino e
afirmou que "não é humanamente possível aceitar o que está acontecendo na
Faixa de Gaza".
“Não é possível a morte de tantas mulheres e tantas
crianças, a destruição de todo patrimônio que foi construído pelo povo
palestino”, disse Lula. “Eu há muito tempo defendo a criação do Estado
palestino. E continuamos brigando na ONU para que seja construído um estado
palestino e que os povos voltem a viver em paz”, completou.
No discurso, o mandatário afirmou que a diplomacia
brasileira vai continuar conversando com a diplomacia de Israel para permitir a
retirada de civis que estão na Faixa de Gaza.
Fonte: Brasil de Fato/Ansa/Opera Mundi
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