sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

Miguel Borba de Sá: o Partido da Guerra e seus críticos

É fácil se enganar quando o assunto é política internacional, até mesmo quando se é um estudante da matéria. Kenneth Waltz, por exemplo, é conhecido por seu realismo estrutural, ou neorrealismo, que marcou época nas teorias de Relações Internacionais (RI) desde a publicação de sua obra-prima em 1979. Alvo predileto dos teóricos liberais e também das chamadas teorias críticas (gramscianas, feministas ou pós-modernas), a figura de Waltz foi sendo, aos poucos, associada à política militarista dos Estados Unidos da América (EUA) durante a Guerra Fria. Mas esta visão é, no mínimo, distorcida. E os efeitos da distorção ultrapassam os debates acadêmicos, pois a associação imediata do realismo de RI com o Partido da Guerra encobre a atuação de muitos daqueles que desejaram e ensejaram importantes conflitos internacionais.

 Waltz, por exemplo, já em 1967 opunha-se à Guerra do Vietnã usando as teorias realistas que sempre defendeu: não vale a pena “matar pessoas a fim de libertá-las”, dizia ele; nem “encobrir-se, com um manto de justiça, em torno de uma causa nacional, para legitimar um banho de sangue”. Além de criticar a então famosa Teoria do Dominó, Waltz deplorava a “violência desnecessária”, a “destruição generalizada” e as “perseguições” decorrentes das supostas “boas intenções” das grandes potências, especialmente da mais poderosa dentre elas: os EUA. Para ele, a escalada belicista no Vietnã era tão perigosa quanto a “escalada de justificativas” inventadas pelos estrategistas e propagandistas da guerra em seu país.

Muito antes de Henry Kissinger negociar a derrota em 1973 (após haver escalado a guerra de uma forma sem precedentes), Waltz já advogava por “qualquer acordo possível” com o Vietnã do Norte como o único “caminho que a sabedoria poderia tomar” e duvidava que alguém melhor do que Ho Chi Minh pudesse governar o país asiático. Mas o jovem Waltz não estava sozinho. Ninguém menos do que Hans Morgenthau igualmente opunha-se ao conflito no sudeste asiático. Morgenthau, o grande decano da teoria realista de RI nos EUA no pós-2ª Guerra, chegaria a abandonar seu cargo no governo de Lyndon Johnson, sendo publicamente combatido pela Casa Branca até em programas de televisão por conta de suas críticas ao envolvimento norte-americano no Vietnã. Na visão de ambos os realistas, Waltz e Morgenthau, guerras ideológicas sem fim (contra o comunismo) não eram do interesse nacional dos EUA.

Em 2003, quando o terrorismo pareceu substituir o comunismo no auge da Guerra do Terror do governo Bush II, Kenneth Waltz novamente manifestou-se. Tomou a dianteira na oposição acadêmica contra a invasão do Iraque, no que foi acompanhado por notáveis discípulos ‘neorrealistas’ como John Mearsheimer – que hoje é o maior expoente acadêmico de RI no ocidente a opor-se à guerra da OTAN na Ucrânia. Para Mearsheimer, a atual guerra é lamentável e era evitável, por destoar daquilo que deveria ser o interesse estratégico dos EUA ou da União Europeia. Levar democracia e livre-mercado para outros povos, especialmente à força, viola os preceitos centrais do realismo. Mas está na base do programa liberal para as relações internacionais.

Não se tratam de coincidências. Expoentes do realismo, em geral, parecem cautelosos frente aos grandes conflitos bélicos de suas respectivas épocas. O britânico Edward H. Carr, alegadamente o fundador do realismo na moderna teoria de Relações Internacionais, opusera-se até mesmo à guerra contra a Alemanha nazista, sendo um destacado defensor da política de ‘apaziguamento’ frente à ameaça hitlerista. Seu maior oponente, o liberal Norman Angell (ganhador do prêmio Nobel da Paz em 1933), era o grande advogado da guerra imediata. Assim, os realistas nem sempre acertam (Carr faria uma autocrítica por subestimar aquilo de que Hitler seria capaz), mas associá-los à guerra tout court é simplesmente errôneo.

Hoje, Mearsheimer é um crítico da destruição de Gaza por Israel, o que lhe confere tanta antipatia no establishment político quanto a sua rejeição da interferência da OTAN na Ucrânia. Em 2012, Waltz já enfurecera Benjamin Netanyahu, que chamou o eminente professor de ‘estúpido’ por defender (no último artigo que escrevera em vida) que a paz no Oriente Médio somente seria alcançada com o fim do monopólio nuclear israelense naquela região. Os realistas, como todos os outros analistas, podem errar, claro está. Mas encará-los como porta-vozes exclusivos do complexo industrial-militar é, novamente, enganoso.

O Partido da Guerra opera, nos EUA, por dentro de ambos os partidos – Democrata e Republicano – assim como possui representantes acadêmicos tanto entre teóricos realistas ou liberais. O maniqueísmo não funciona aqui. Acreditar que um defenda a paz e o outro a guerra é um erro que a esquerda não pode se dar ao luxo de cometer, pois a guerra é um assunto sério demais para ser deixado apenas para os generais – ou para os teóricos profissionais de relações internacionais. Se a prática é mesmo o critério da verdade, como queria Lênin, é preciso averiguar como cada um se portou diante da realidade da guerra antes de rejeitar esta ou aquela escola de pensamento sobre política internacional.

Ainda mais quando se tratam de debates entre estas duas escolas, que conjuntamente ignoram o imperialismo como categoria relevante de análise. O intelectual palestino Edward Said afirmava que "[t]odo império, em seu discurso oficial, disse que não era como todos os outros; que as suas circunstâncias eram especiais, que ele tem a missão de esclarecer, civilizar, trazer ordem e democracia, e que usa a força somente em último caso. E, mais triste ainda, há sempre um coro de intelectuais dispostos a dizer palavras calmantes sobre impérios benignos ou altruístas, como se não devêssemos acreditar em nossos olhos ao observar a destruição, a miséria e a morte trazidas pela última mission civilizatrice”. É obrigatório perguntar, então, caso a caso, quem dançou conforme a música e quem, no coro, teve a coragem de desafinar.

 

Ø  Túneis do Hamas: ‘não acredite no Exército de Israel’, afirma general israelense

 

A ofensiva israelense contra a Faixa de Gaza estaria encontrando grandes dificuldades em lidar com a estratégia do Hamas de utilizar túneis como guarida dos seus combatentes e base para ataques surpresa contra as tropas que realizam ataque por terra.

Esse cenário descrito no parágrafo acima pode parecer irreal, se comparado com os comunicados publicados por Tel Aviv nas últimas semanas, mas quem o apresentou foi o general da reserva Yitzhak Brik, ex-comandante das Forças Armadas de Israel, em seu artigo publicado nesta quinta-feira (28/12) pelo diário Haaretz.

Conhecido como um dos mais importantes analistas militares da imprensa local, Brik questiona os avanços militares em Gaza que o governo do país vem anunciando recentemente. Já o título do artigo, ele pede ao leitor que “não acredite do Exército de Israel”.

O articulista explica que “com base nas informações que recebi de soldados e oficiais que lutam na Faixa de Gaza desde o início da guerra, cheguei à seguinte conclusão: o porta-voz do governo e os analistas militares dos canais de televisão estão apresentando uma imagem falsa dos milhares de mortos do Hamas e da luta corpo a corpo nas batalhas por terra. O número de membros do Hamas mortos por nossas forças em campo é muito menor”.

“Os terroristas do Hamas saem das aberturas dos túneis para plantar bombas, colocar armadilhas e lançar mísseis antitanque em nossos veículos blindados, e depois desaparecem de volta para os túneis. Atualmente, a forças de Israel não têm mostrado a capacidade de encontrar soluções eficiente para essa luta corpo a corpo contra os combatentes do Hamas que estão escondidos nos túneis”, analisou Brik.

O artigo do general israelense também critica “a criação de imagens de vitória (por parte dos canais de televisão) antes mesmo de chegarmos perto de atingir nossos objetivos”. Segundo ele, “isso pode ser muito prejudicial, se a meta de destruir as capacidades do Hamas e libertar os reféns não forem atingidos em sua totalidade”.

Em outro trecho, Brik prevê que “destruir os túneis do Hamas levará muitos anos e custará a Israel muitas baixas”.

“O próprio governo admite agora que há centenas de quilômetros de túneis, localizados nas profundezas do subsolo, com várias ramificações. Alguns deles têm até mesmo vários andares, com muitos pontos usados pelos terroristas para se preparar para um combate. O Hamas os construiu ao longo de décadas, com a orientação de especialistas renomados. Eles ligam toda a extensão de Gaza e também a Península do Sinai, sob a cidade de Rafah”, analisa o general da reserva.

Brik conclui o texto dizendo que “a ideia de que o Hamas foi dissuadido persistiu por muitos anos e levou as Forças de Israel a descartar planos de combate em Gaza e em seus túneis”. Também afirmou que “muitos oficiais que estão lutando agora em Gaza me disseram que será muito difícil, se não impossível, impedir que o Hamas se reconstrua, mesmo depois de toda a destruição que Israel tem causado em suas bases”.

“Será que os políticos e os altos funcionários da defesa são capazes de lidar com esse cenário? Ou eles são capazes de pensar em outras soluções criativas, nas quais não sairíamos como os grandes vencedores com tudo o que queríamos, mas também não seríamos os grandes perdedores?”, diz o último parágrafo do artigo.

 

Ø  A escalada de ataques do Hezbollah a Israel que eleva temor de expansão do conflito

 

Se os ataques do Hezbollah continuarem, Israel tomará ações para remover o grupo da sua fronteira com o Líbano, advertiu o ministro israelense Benny Gantz.

Gantz afirmou que o Exército israelense irá intervir se os membros do Hezbollah não pararem de atirar em direção ao norte de Israel.

O tempo para encontrar uma solução diplomática está se esgotando, segundo ele.

Paralelamente, o chefe das Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) também declarou que suas tropas estão "em total prontidão" para novos combates no norte do país.

"Nossa primeira tarefa é restaurar a segurança e a sensação de segurança dos moradores do norte, e isso irá levar tempo", afirmou o chefe do Estado-Maior das IDF, o general Herzi Halevi.

As trocas de disparos entre os dois lados da fronteira vêm aumentando desde os ataques do Hamas a Israel, em 7 de outubro.

Na quarta-feira (27/12), o Hezbollah lançou o maior número de ataques na fronteira em um único dia desde 8 de outubro, segundo declararam fontes de segurança à agência de notícias Reuters.

Os incidentes trouxeram preocupações de que o conflito na Faixa de Gaza possa se espalhar pela região.

"A situação na fronteira norte de Israel exige mudanças", afirmou Gantz em entrevista coletiva, na noite de quarta-feira.

"O cronômetro para uma solução diplomática está quase zerado. Se o mundo e o governo libanês não agirem para evitar os disparos sobre os habitantes do norte de Israel e afastar o Hezbollah da fronteira, as IDF o farão."

No início de dezembro, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, afirmou, em visita às tropas perto da fronteira, que Israel "transformaria unilateralmente Beirute e o sul do Líbano, a pouca distância daqui, em Gaza e Khan Yunis [cidade no sul da Faixa de Gaza]" se o Hezbollah começasse uma guerra aberta.

O Hezbollah é uma organização xiita considerada terrorista pelos Estados do Ocidente, Israel, países árabes do Golfo Pérsico e pela Liga Árabe.

Financiado pelo Irã, é uma das forças militares não estatais mais fortemente armadas do mundo.

Em 2006, uma guerra generalizada entre o Hezbollah e Israel teve início quando o grupo conduziu um ataque mortal através da fronteira e tropas israelenses invadiram o sul do Líbano.

·        Mortes nos dois lados da fronteira

Na fronteira, os disparos de foguetes e o uso de drones armados pelo Hezbollah aumentaram esta semana.

Os aviões de guerra israelenses responderam rapidamente.

Na quinta-feira (28/12), forças israelenses declararam terem interceptado um drone que cruzou a fronteira com o Líbano e entrou no seu território.

Antes, na quarta, a imprensa estatal do Líbano informou que um combatente do Hezbollah e dois dos seus parentes foram mortos por um ataque aéreo israelense.

O ataque teria atingido uma residência na cidade libanesa de Bint Jbeil, a cerca de 2 km da fronteira com Israel.

Segundo uma declaração do Hezbollah, uma das vítimas, Ibrahim Bazzi, era um cidadão australiano que visitava sua família.

Mais de cem pessoas já foram mortas no Líbano desde outubro. A maioria eram combatentes do Hezbollah, mas também existem civis entre os mortos, incluindo três jornalistas.

No lado israelense, sabe-se que pelo menos quatro civis e nove soldados morreram na fronteira com o Líbano desde o início das hostilidades.

Milhares de civis residentes em dezenas de comunidades da região foram evacuados pelo exército.

Enquanto isso, a Unifil – a força de manutenção de paz das Nações Unidas que opera no sul do Líbano desde 1978 – convocou as autoridades libanesas para pedir esclarescimentos após uma de suas unidades ser atacada no sul do país.

A Unifil afirma que "um grupo de homens jovens" atacou uma patrulha na vila de Taybeh. Um veículo também ficou danificado.

Os líderes do Hezbollah elogiaram o ataque sem precedentes lançado por atiradores do Hamas contra o sul de Israel em 7 de outubro.

Pelo menos 1,2 mil pessoas foram mortas no ataque – a maioria delas, civis – e outras cerca de 240 foram tomadas como reféns - parte delas já libertadas em acordo negociado para trégua temporária no conflito.

Desde então, mais de 21,1 mil pessoas foram mortas pelas forças israelenses na Faixa de Gaza – a maioria delas, mulheres e crianças – em 11 semanas de combates, segundo o ministério da Saúde administrado pelo Hamas.

No momento, milhares de famílias palestinas na Faixa de Gaza tentam encontrar abrigo, enquanto Israel amplia sua ofensiva por terra pelo centro e o sul do território.

 

Fonte: Opera Mundi/BBC News Mundo

 

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