domingo, 31 de dezembro de 2023

Fiscal, tributária, dólar e juros para baixo, PIB para cima: a retrospectiva econômica de 2023

O ano começou com a terceira gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT)  cheia de críticas, expectativas e dúvidas sobre a herança deixada pelo ex-presidente da República Jair Bolsonaro. Para espanto de alguns – principalmente do mercado financeiro – a inflação, que terminou em 5,79% em 2022, fechou melhor, contra os atuais 4,68% no acumulado dos últimos 12 meses, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Outro horizonte positivo, também relacionado com a queda do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), foi a trajetória de queda da Selic, taxa básica de juros, que começou 2023 num embate político entre Lula e Roberto Campos Neto, do Banco Central, e fechou em 11,75% ao ano. É o menor patamar do índice desde maio de 2022.

Retrospectiva econômica: entenda como juros, inflação, PIB e medidas do governo se relacionaram para fechar 2023:

·        PIB, juros e inflação

Reginaldo Nogueira, PhD em Economia e diretor sênior do Ibmec, recorda que o fluxo inflacionário acompanhou muito a tendência mundial a partir do final da pandemia de 2020. Ao entrar em 2021, a inflação do planeta inteiro começa a subir, puxada por alguns fatores, o primeiro tinha sido colapso das cadeias de produção durante a pandemia e a guerra da Rússia x Ucrânia, colocando pressão sobre commodities agrícolas, considerando que ambos países são exportadores relevantes. O cenário fez com que as taxa de juros no mundo ficaram elevadas, no Brasil chegando próximo dos 14% ao ano. 

“Os índices de inflação começaram a arrefecer, e a expectativas para 2024 começaram a melhorar. Os juros seguem caindo, porém continuamos com expectativa dentro da meta, mas fora do centro de 3%”, avalia.

Junto a isso, acrescenta o professor, temos ao redor desse tema, a taxa de crescimento econômica. O Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro registrou alta de 0,1% no terceiro trimestre de 2023 ante o segundo trimestre de 2023. O índice cresceu 0,9% no 2° trimestre do ano, de acordo com o IBGE.

“O PIB projeta crescer em torno de 3%, mas ele claramente vem esfriando na margem. O consumo das famílias e o consumo do governo tem mantido o PIB, mas o investimento privado tem caído. Uma parte disso é a própria taxa de juros; com ela reduzindo, libera o efeito de investimento”, diz Nogueira.

Três temas são conectados ao cenário de juros, com queda favorável, mas que começou de forma tardia, tendo um banco central mais conservador e defensor da máxima ‘conter a inflação para baixar os juros’. Marco Rocha, economista e professor do Instituto de Economia da Unicamp, enumera alguns pontos:

“Primeiro foi o espaço aberto pela redução no começo do ano da taxa de juros norte-americana e a redução também da inflação global depois do pior momento do pico e do preço da energia por conta do conflito da Ucrânia. Os preços de energia e dos alimentos também começaram a ceder um pouco. A inflação internacional passou pelo mesmo processo, isso permitiu, de certa forma, abrir espaço também para a redução da taxa de juros no Brasil”, afirma.

O comportamento da balança comercial também foi favorecida pelo comportamento de preço tanto do agro quanto a indústria extrativa foi mais um desses componentes que repercutiu positivamente na formação do PIB, criando também maior horizonte de certeza sobre o comportamento da taxa de câmbio e dos juros futuros.

Para além disso, tem o comportamento dos preços internos. “O Brasil teve uma safra de alimentos muito boa, o que significou menores pressões sobre o item Alimentação nos índices de inflação, e isso também possibilitou uma redução da taxa de juros, lembrando que o item Alimentos foi um dos fatores que pressionaram as inflações em anos anteriores”, defende Rocha. 

·        Dólar abaixo de R$ 5

Para melhorar, o tão criticado dólar também se movimentou em consequência aos pontos acima. Na reta final de 2023, a moeda segue performando diferente das expectativas do mercado há 11 meses, quando o Boletim Focus anunciava projeção do câmbio na casa dos R$ 5,30. Na primeira quinzena de dezembro, a pesquisa do Relatório de Mercado mostrou que a expectativa é outra: o câmbio em 2023 passou para R$ 4,95 e em 2024, para R$ 5.

“Tudo isso contribuiu, de certa forma, para a redução da taxa de juros e também para a redução do câmbio; no fundo, o comportamento da economia norte-americana e a acomodação de certas tensões globais também possibilitaram dólar um tanto mais barato, o que contribui, por sua vez, também para os itens em que o dólar repercute dentro do índice de inflação”, esclarece o economista.

Arcabouço e metas

Ao mesmo tempo, a atual equipe econômica travou embates no Congresso Nacional para aprovar duas propostas essenciais para o país: o arcabouço fiscal, que substitui o antigo teto de gastos; e a reforma tributária, discutida há pelo menos 30 anos, e que simplifica impostos sobre o consumo.

Para Rocha, a grande vitória do governo Lula 3 até agora foi a PEC da Transição, responsável por bancar programas sociais prioritários, como o Bolsa Família, Farmácia Popular, entre outros. Também é responsável pelo cenário econômico, segundo especialista.

“Ela está garantindo, de certa forma, um bom crescimento esse ano, além do comportamento das exportações, de forma geral, mas ela que está acomodando uma série de políticas que estão permitindo uma certa ao governo realizar certas medidas que, no final das contas, estão contribuindo também para um resultado positivo acima do esperado na economia”, explica. 

A nova regra, promulgada em agosto, autoriza o aumento de despesas acima da inflação, diferentemente do teto de gastos. Com ela, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deu start para a busca pelo déficit zero nas contas do governo de olho em 2024. A medida também era uma ‘demanda para acalmar o mercado’.

“O novo arcabouço fiscal tem o mérito de colocar um horizonte de segurança sobre o comportamento da dívida e das contas públicas, que era uma demanda sobretudo do mercado financeiro, e com isso o governo conseguiu criar um horizonte, vamos dizer assim, de negociação com esse setor e de uma certa boa vontade, que acabou tendo repercussão nas taxas de juros de longo prazo”, diz Rocha.

Para ele, no entanto, o arcabouço é pouco anticíclico. “Quando a economia está crescendo, o governo consegue acomodar gastos, consegue recuperar a sua capacidade de realizar política; com a economia entrando em estagnação ou entrando em crise, a capacidade fiscal de fazer políticas contra a crise e contra a estagnação econômica, por conta da própria forma que funciona o novo arcabouço, fica também um tanto prejudicada. O limite mínimo de despesas, pelo menos na minha leitura, é muito pouco, no caso, por exemplo, de uma crise ou de um processo de estagnação. E aí acaba a capacidade da política fiscal agindo nesses momentos também ficando prejudicada”, analisa o professor. 

·        Reforma Tributária

A Câmara dos Deputados aprovou a reforma tributária (PEC 45/19), que simplifica impostos sobre o consumo, prevê fundos para o desenvolvimento regional e para bancar créditos do ICMS até 2032, além de unificar a legislação dos novos tributos.

A reforma unifica cinco tributos para dois: Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) serão unificados em uma Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), do Governo Federal. Já o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e Imposto sobre Serviços (ISS) serão unificados no Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a cargo de estados e municípios.

Uma das maiores polêmicas, com idas e vindas entre as Casas Legislativas, foi a criação da cesta básica nacional, com tributo zero. Aguarda-se ainda uma Proposta de Emenda Constitucional para definir a lista de ‘itens essenciais para alimentação’.

Outro ponto importante foi manter o IPI para os produtos da Zona Franca de Manaus, sendo uma exceção em relação aos produtos das demais regiões, garantindo assim incentivos fiscais.

A aprovação também prevê criar o  Imposto Seletivo, chamado de “imposto do pecado”, sobre bens e serviços que prejudiquem a saúde e o meio ambiente, como cigarros e bebidas alcóolicas, visando desestimular o consumo desses produtos; a cobrança de impostos para quem possui jatinhos e iates e lanches, por meio de IPVA, além de tributar heranças.

Para alguns especialistas, o impacto pode não ser 100% positivo.

“Não diria que a reforma tributária teria força para mudar os rumos do país, mas terá efeitos positivos na economia  em razão da modernização e simplificação do sistema. O cidadão comum não vai sentir diretamente os efeitos da reforma, uma vez que a simplificação não trará diminuição da carga tributária, pelo contrário, poderá acarretar um aumento da tributação no setor de serviços em geral. A expectativa é de que produzirá efeitos positivos com menos litigiosidade, complexidade e conflito entre os entes tributastes (União, Estados e Municípios)”, avalia Eduardo Maneira, do Escritório Maneira Advogados.

Nogueira, do Ibmec, alerta que a reforma é aprovada em momento de crise fiscal grave e necessidade de geração de receita.

“É uma reforma que ela oferece, principalmente com o potencial de geração, de aumento de tributação sobre o setor de serviços. Traz simplificação para um sistema que é reconhecidamente complexo, o grande ponto utilizado para sua aprovação e é o grande motivo pela sua aceitação. Por outro lado ela deve gerar um aumento da carga tributária brasileira”, finaliza o professor. 

 

Fonte: IstoÉ

 

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