quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

COP28: Colômbia está sendo castigada por ambição climática, diz ministra do meio ambiente

Na 28ª Conferência do Clima das Nações Unidas (ONU), a COP28, a Colômbia tem se posicionado como um dos defensores mais vocais do abandono dos combustíveis fósseis, o ponto mais nevrálgico e também contencioso da rodada de negociações. Mas, ao contrário do que se espera, o país “não está sendo recompensado pela ambição climática. Está sendo castigado”, declarou à Agência Pública a ministra colombiana do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Susana Muhamad. 

Nos primeiros dias da reunião, prevista para acontecer até 12 de dezembro em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, a Colômbia atraiu a atenção do mundo ao se juntar a dez pequenas ilhas do Pacífico e Caribe e aderir ao Tratado de Não Proliferação dos Combustíveis Fósseis. A iniciativa pressiona pelo abandono dessas fontes de energia –  o phase out, como é chamado em inglês –, necessário para o combate à crise climática que fez de 2023 o ano mais quente da história.

Apesar de o país ter uma economia dependente de petróleo e carvão, o presidente Gustavo Petro vem se mobilizando em relação ao uso de fósseis desde a campanha, no ano passado, quando ele prometeu não iniciar novos contratos de petróleo

Desde então, não só o compromisso vem sendo cumprido, como o país tem cobrado que outros assumam a mesma postura, a exemplo do que ocorreu na Cúpula da Amazônia, em agosto desde ano, quando Petro tentou emplacar, na declaração final da reunião, uma decisão sobre o fim da exploração petroleira na floresta. A proposta não foi acolhida pelo demais líderes presentes, entre eles, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

“Quando o presidente Petro disse que não faríamos novos contratos de exploração, imediatamente as agências de riscos chamaram a Colômbia para dizer o que iria acontecer [que o país poderia ter sua qualificação rebaixada no sistema de crédito internacional]: o mercado ficou nervoso, o peso se desvalorizou”, diz Muhamad, Na última sexta-feira (8), ela fez uma fala incisiva pela eliminação dos combustíveis fósseis na plenária oficial da COP28, que ganhou destaque entre os participantes da conferência.

Para evitar que os países sejam penalizados por abandonar as matrizes econômicas dependentes de fósseis, Muhamad argumenta ser necessária uma reforma na arquitetura internacional de financiamento. 

“Temos que abrir o caminho e criar condições para que todo o sistema financeiro, o sistema de mercado, os tratados de livre comércio e também, obviamente, a Convenção do Clima [da ONU] se alinhem [ao fim da era dos fósseis]’, aponta. “É preciso construir os incentivos para que, conforme os países avancem no phase out, haja acesso mais rápido e barato ao capital.”

Nesse sentido, ela propõe a criação de uma espécie de “Plano Marshall” (feito pelos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial para ajudar financeiramente os países aliados a se recuperarem)  para a “transição climática”. A ideia é preparar o sistema financeiro para atender à emergência criada pelos efeitos do aquecimento global por meio da criação de pacotes de auxílio a países em desenvolvimento, sobretudo. “Quando a Europa estava se recuperando da Segunda Guerra, ninguém ofereceu para ela crédito com juros a 30%”, destaca. 

“Fizemos isso com a covid, porque era uma emergência”, pontua. “Em seis anos, temos que fazer uma transformação sem precedentes. É uma emergência. Temos que tratá-la como tal.” A ideia de plano emergencial de ajuda financeira é defendida também por sua contraparte brasileira, a ministra Marina Silva.  

De acordo com Muhamad, essa “transformação sem precedentes” pela qual o planeta precisa passar envolve, além da transição energética, uma mudança mais profunda no sistema econômico, atualmente baseado na queima de combustíveis fósseis. Esse é o “elefante na sala” da COP, afirma. “Se não falarmos sobre isso, será muito difícil reduzir as emissões.”

“O que vemos é muito conservadorismo financeiro, muitas fronteiras de poder que não querem fazer mudanças substanciais porque, no fundo, essa ainda é uma economia muito colonial”, aponta a ministra. “Quem tem o poder quer mantê-lo. Falamos de transições e de que ninguém deve ficar para trás, mas isso não se reflete nos contratos de dívida, na realidade da dívida externa [dos países em desenvolvimento], nem na realidade da economia mundial.”

Para ela, não há como transformar o sistema econômico sem abolir os combustíveis fósseis. Por isso, avalia que sem uma decisão forte sobre isso, a COP28 “será um fracasso”.

·        “Colômbia continuará pressionando”

No mesmo dia em que a Colômbia aderiu ao Tratado de Não Proliferação dos Combustíveis Fósseis, o presidente Lula confirmou, em Dubai, que o Brasil se juntaria à Opep+, o grupo estendido da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). 

O anúncio ofuscou as medidas positivas do governo brasileiro na agenda de florestas, como a redução do desmatamento na Amazônia e a proposta de criação de um novo mecanismo para conservação de matas tropicais. Reforçou também a divergência entre as posições de Petro e Lula em relação ao abandono dos combustíveis fósseis, que emergiu durante a Cúpula da Amazônia.

Até o fim da COP28, Belém deve ser confirmada como sede da COP30, em 2025, que marcará os dez anos da assinatura do Acordo de Paris. Será durante a conferência brasileira que os países terão de apresentar novas metas, mais ambiciosas, de cortes de emissões de gases de efeito estufa. 

Os compromissos que foram assumidos em Paris são insuficientes para conter o aquecimento global a níveis toleráveis, e Belém será o momento para ajustar essas contas, a fim de colocar o mundo no trilho de conter a elevação da temperatura a no máximo 1,5°C em relação aos níveis pré-Revolução Industrial.

Para Susana Muhamad, essa agenda da COP 30, aliada à presidência do G20, que o Brasil ocupa até dezembro de 2024, coloca o país em condição de “liderança inegável’. “Que use sua influência para elevar a ambição na direção do 1,5°C”. Segundo ela, o governo colombiano “está pronto para apoiar posições progressistas” do vizinho amazônico neste processo. Mas não retrocessos. 

“Nós da Colômbia continuaremos pressionando. Faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para poder olhar para as crianças do nosso país e dizer que tentamos tudo o que podíamos”, afirma.

 

Ø  “Não assinaremos um atestado de morte”: pequenas ilhas rejeitam COP28 sem fim dos fósseis

 

Drue Slatter, uma jovem ativista de Palau, tinha os olhos cheios d’água enquanto falava em frente ao centro de imprensa da 28ª Conferência do Clima das Nações Unidas (ONU), a COP28, na noite de segunda-feira (11). Ela descrevia sua frustração diante do enfraquecimento da decisão sobre o fim do uso de combustíveis fósseis, o ponto mais importante e disputado desta rodada de negociações, às vésperas de seu término.

Um novo rascunho havia acabado de ser divulgado sem mencionar explicitamente a eliminação gradual das fontes fósseis de energia – o chamado phase out, em inglês – além de estender o prazo para 2050 para que as emissões alcancem o zero líquido (em que as emissões remanescentes sejam compensadas por atividades que removam CO2 da atmosfera).

Para seu país, um arquipélago de ilhas no oceano Pacífico, o compromisso com o fim da queima de petróleo, carvão e gás, os grandes causadores do aquecimento global, é uma questão de sobrevivência. Por isso, a perspectiva de não se alcançar um acordo nesses termos é “uma sentença de morte para o Pacífico”, disse Drue à Agência Pública. “O compromisso para fazer o phase out dos combustíveis fósseis parecia alcançável e agora não está mais no texto. Isso é extremamente decepcionante.”

Minutos antes, Cedric Schuster, presidente do Aosis – a aliança de 39 pequenos Estados insulares localizados no Caribe, África, Ásia e oceanos Pacífico e Índico –, havia dado um duro recado sobre o texto a jornalistas apinhados do lado de fora da sala de imprensa no imenso centro de convenções onde ocorre a conferência, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.

“Não assinaremos nosso atestado de morte. Não podemos assinar um texto que não tenha compromissos fortes sobre a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis”, declarou, cercado por câmeras e gravadores. “Perguntaram-nos o que está em jogo se estas negociações não produzirem um resultado forte que mantenha o 1,5 ºC vivo. Como vocês podem não entender que é a nossa própria sobrevivência que está em jogo?”

Consternado, Schuster – também ministro dos Recursos Naturais e Ambiente da ilha de Samoa, no Pacífico – disse ainda que o rascunho traz uma “linguagem fraca que destruirá as nossas chances de manter o limite de aquecimento de 1,5 °C”. E garantiu: “Qualquer texto que comprometa o 1,5 °C será rejeitado”. As negociações da COP costumam ultrapassar a data marcada para o seu término e devem se estender ainda mais neste ano.

As pequenas ilhas que o Aosis representa são as nações mais ameaçadas pelos efeitos da mudança do clima. A gradual elevação do nível do oceano causada pelo aquecimento global pode fazer com que algumas delas simplesmente afundem e sumam do mapa.

Outras sofrem com o aumento da frequência e intensidade de eventos climáticos extremos como ciclones, que castigam sua população e infraestrutura, praticamente inviabilizando seu desenvolvimento econômico.

Por isso, esses países sempre estiveram na dianteira do clamor pela redução de emissões de gases de efeito estufa. Foram os primeiros a propor uma meta de corte significativa, de 20% (em relação aos níveis de 1990, até 2005), nas emissões de carbono mundiais, ainda na década de 1990, durante as negociações do Protocolo de Quioto. Há anos se posicionam incisivamente pelo fim do uso de combustíveis fósseis.

A possibilidade de uma decisão sobre o tema, absolutamente central para o combate à crise do clima, tornou-se a demanda principal da sociedade civil em Dubai e recebeu apoio de mais de cem nações da África, Europa, Caribe e Pacífico, que assinaram uma declaração a favor da medida.

O Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis atingiu projeção com a entrada da Colômbia, país de economia dependente de petróleo e carvão, e outras pequenas ilhas. Os secretários-gerais da ONU, António Guterres, e do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), Simon Stiell, vêm pressionando publicamente os negociadores por uma definição sobre o assunto.

Organizações da sociedade civil também criticaram massivamente o texto. Logo após a divulgação do novo rascunho, representantes do bloco negociador da União Europeia também declararam não concordar com a proposta.

Em coletiva de imprensa, o governo brasileiro se somou ao coro: a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, chefe da delegação do país, destacou que a linguagem sobre combustíveis fósseis não é “apropriada” e tem “muitas insuficiências”.

Ralph Regenvanu, ministro das Mudanças Climáticas, Adaptação, Meteorologia e Riscos Geológicos, Energia, Meio Ambiente e Gestão de Riscos de Desastres de Vanuatu, país no sul do Pacífico formado por cerca de 80 ilhas, afirmou à Pública que, sem uma decisão sobre a eliminação dos fósseis, a COP28 “será um fracasso”.

“Significará que ainda estamos olhando para o cano de uma arma, basicamente como estamos agora”, pontuou. “Que enfrentaremos consequências desastrosas nos próximos anos. Que nossa vida em Vanuatu ficará muito mais insegura, que as pessoas não estarão seguras e protegidas, e que isso afetará tudo no país, todos os aspectos do nosso desenvolvimento.”

Regenvanu explica que Vanuatu, ao contrário de outros países-ilha como Tuvalu, não corre o risco de ser totalmente engolido pelo mar porque possui em seu território áreas mais altas. O problema é o custo de realocar a população das zonas baixas às mais elevadas para garantir sua sobrevivência, além de outras medidas de adaptação aos efeitos das mudanças do clima. “Adaptação é tudo o que fazemos. Não fazemos mais nada, não criamos políticas de desenvolvimento [econômico] normais. Colocamos todos os nossos esforços em nos adaptar [aos impactos do aquecimento global]”, relata.

Enfrentando situação tão dramática em casa e assistindo ao progresso lento das negociações, o ministro relata que não gosta de frequentar as conferências climáticas porque sempre “chega pessimista e sai decepcionado” com os resultados, que frequentemente não atendem à urgência imposta pela realidade. “Mas a questão é que não podemos nos dar ao luxo de não estar aqui, o que está em jogo é a sobrevivência das nossas populações”, afirma.

 

Fonte: Por Anna Beatriz Anjos, da Agencia Pública

 

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