segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

BRASKEM: DITADURA SABIA DOS RISCOS, MAS ESPIONOU OS CONTRÁRIOS À EXPLORAÇÃO EM MACEIÓ

AS VOZES QUE ALERTAM para a tragédia que assola Maceió, com o risco iminente de colapso em uma mina operada pela Braskem, não vêm de hoje. Nos meados dos anos 1970, movimentos sociais e a imprensa local já contestavam as atividades de exploração mineral na capital alagoana – e, desde aquela época, foram alvo da repressão dos militares por supostamente serem uma ameaça contra a atividade industrial  do país.

Um levantamento do Intercept Brasil em documentos produzidos sob sigilo pela Ditadura Militar revela como o Serviço Nacional de Informações, o SNI, foi acionado para monitorar quem se levantou contra a Salgema Indústrias Químicas – empresa que, em 2002, se tornaria a  Braskem. O SNI era a estrutura de espionagem usada pelo estado para perseguir adversários políticos e reprimir forças consideradas inimigas dos militares. 

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Os relatórios de inteligência, disponíveis para consulta no Arquivo Nacional, demonstram que as atividades de mobilização contra a expansão da exploração de minério na região, como reuniões, atividades sindicais, passeatas e até um bloco de carnaval foram minuciosamente monitoradas para evitar que o movimento ganhasse corpo em Maceió.

A atuação do SNI não era à toa. A exploração do sal-gema em Maceió era uma das meninas dos olhos do projeto desenvolvimentista da Ditadura Militar. Mais que isso, em 1975, a Petrobras e BNDES – na época, chamado apenas de BNDE – aportaram recursos milionários do governo federal no empreendimento. 

Vale lembrar que a exploração de sal-gema começou em 1970, durante o governo de Médici, que liberou a extração em áreas subterrâneas de Maceió no contexto do ‘milagre econômico’ brasileiro. A reserva, estimada em 3 bilhões de toneladas, foi descoberta em 1943, quando se buscava poços de petróleo na região. Já no governo Geisel foi criada a empresa Salgema – que, de forma sistemática, iniciou a extração da substância de mesmo nome, a partir de 1976. Com isso, o serviço secreto dos militares foi ativado para monitorar o tema.

·        Ditadura militar já sabia de ‘risco grave’ em Maceió

O mais antigo dos relatórios é de setembro de 1976 e demonstra que Francisco Hermenegildo Autran, um trabalhador sindicalizado que havia chegado a um posto de direção na Salgema, foi espionado pelos militares. “Ex-Cabo da Marinha do Brasil, conhecido por suas atividades de aliciamento e proselitismo comuno-subversivo no Centro de Instrução Almirante Wandelkoch em época anterior à Revolução de 31 de março de 1964”, diz o documento..

Um outro relatório datado de 1977 revela que o SNI tentou, sem sucesso, investigar uma possível sabotagem de trabalhadores à Salgema, denunciada pelo então diretor-presidente da companhia, Roberto Coimbra. “Chega-se a suspeitar de sabotagem por parte de elementos pertencentes ao quadro de funcionários da empresa. Apesar das investigações realizadas pela empresa, não foram descobertos os responsáveis pelos fatos ocorridos”, diz o relatório.

A desconfiança sobre os trabalhadores tinha razão de ser: os impactos negativos da exploração mineral na região já apareciam na imprensa e poderiam contaminar o corpo de funcionários. Como relembrou o site ComeAnanás, em março de 1977, menos de uma semana após o início da produção de cloro, surgiram os primeiros peixes mortos próximos ao local de lançamento de resíduos de sal-gema no mar,  Mais de 60 pessoas que apresentaram problemas respiratórios, náuseas e vômitos também já tinham sido atendidas no posto de saúde do Trapiche da Barra.

Em 1983, uma reportagem do jornal Gazeta de Alagoas, publicada em 13 de março, novamente acendeu o alerta do SNI. O relatório de inteligência produzido à época pelos arapongas demonstra que a estrutura de espionagem do governo federal, chefiada pelo coronel Newton Cruz, sabia dos riscos de um “acidente grave” na região – justamente o que está prestes a ocorrer agora, em 2023.

A matéria do jornal alagoano virou tema de registro dos espiões do SNI justamente por ter revelado, com base em um relatório confidencial da Polícia Militar de Alagoas, que o poder público planejava “ações a serem desencadeadas, no caso de acidente grave na Indústria Salgema, que resulte em vazamento de cloro para a atmosfera” – o que dava eco às críticas ao aumento da exploração mineral na região.

Em 1985, no último ano do governo militar, foi  retomada as  discussões sobre a ampliação da capacidade operacional da Salgema e a instalação do Polo Cloroquímico em Marechal Deodoro. Isso reacendeu as  mobilizações sobre o tema em Alagoas. Desde lá, o projeto era alvo de preocupações quanto ao transporte e à eliminação de subprodutos da exploração, como o ácido clorídrico.

Um outro relatório do SNI detalhou como se deu, em 17 de maio de 1985, uma das manifestações mais marcantes na história do caso, justamente em função do debate sobre a intensificação das atividades da Salgema e a inauguração do Polo Cloroquímico. No texto, o espião do SNI registrou que o protesto teve início às 16h e que as faixas e cartazes tinham os seguintes dizeres: “Não deixe duplicar a Salgema”, “O futuro será cinza” e “Não deixe duplicar seu risco”.

 relatório listou as entidades sindicais, movimento sociais e políticos que participaram do evento:o então deputado estadual Ronaldo Lessa, do PMDB e “ligado ao PC do B”, do deputado estadual Moacir Andrade, do PMDB, e da deputada estadual “e membro do MR-8” Selma Bandeira, além do vereador Edberto Ticianeli, do PMDB e “militante do PC do B” e da vereadora Kátia Born do PMDB “e simpatizante do PC do B”, além do professor e ecologista José Geraldo Wanderley Marques e dos jornalistas Anivaldo Miranda e Jorge Moraes.

Por fim, o espião afirmou que o ato poderia até ter sido maior, não fosse o fato de, horas antes, o professor Evilásio Soriano, mencionado como “coordenador do Polo Cloroquímico, da Salgema Indústrias Químicas”, ter participado de um debate na televisão local apresentando os argumentos positivos para a ampliação.

O movimento contrário à instalação do polo e ao aumento das atividades da Salgema, de fato, conseguiu atrasar os planos da empresa, que chegou a ir aos jornais ameaçando transferir as atividades para outros estados, como Bahia e Sergipe. A pressão dos acionistas, no entanto, levou à autorização da expansão da Salgema, no final de 1985.

Nem isso, nem o fim da Ditadura, fez o SNI – cuja estrutura foi mantida no governo do presidente civil José Sarney – parar de acompanhar as atividades contra a exploração mineral em Alagoas. 

No dia 7 de fevereiro de 1986, em plena Praia de Pajuçara, um informante do SNI foi escalado para acompanhar o bloco Meninos da Albânia, que criticou publicamente a Salgema. 

No ano seguinte, em 1987, um relatório do setor do SNI que acompanhava a indústria brasileira mostra a sensibilidade dos militares sobre a questão ambiental, ao analisar as “dificuldades e óbices” da Salgema.

Para o SNI, o o principal obstáculo da Salgema era a ” interpretação errônea que a imprensa alagoana e a opinião pública fazem sobre as possíveis externalidades (danos à flora e à fauna em decorrência de lixos químicos, etc) advindas da industrialização de produtos pela empresa”, diz o documento.

31 anos depois, a empresa destruiria cinco bairros da cidade no maior desastre ambiental urbano da história do Brasil.

 

Ø  Colapso das minas em Maceió demandará gastos de reparação e pode até 'melar' a venda da Braskem

 

O desastre ambiental em Maceió, provocado pela exploração de sal-gema em uma mina da Braskem, encabeça uma lista de crises enfrentadas pela empresa.

Antes, a questão era puramente financeira: as dívidas bilionárias de seu principal acionista, a Novonor (antiga Odebrecht) abriram a necessidade de levantar dinheiro para manter a operação. Para isso, a Braskem tinha uma negociação aberta para a venda de mais de 30% de suas ações para a Empresa Nacional de Petróleo de Abu Dhabi (Adnoc).

Em novembro, a Adnoc fez uma oferta de compra da maior parte das ações detidas pela Novonor por um valor de cerca de US$ 2,1 bilhões, ou R$ 10,3 bilhões, na atual cotação do dólar. À época, os acionistas ainda não achavam a ideal.

Agora, com o risco de um colapso na região das minas em Maceió, a negociação ganhou novos contornos, já que a reparação necessária após o desastre deve aumentar expressivamente os gastos que a Braskem terá pela frente.

·        Os riscos para o negócio

O desastre causado pela Braskem acabou de gerar multas de mais de R$ 72 milhões para a empresa, aplicadas pelo Instituto do Meio Ambiente do Estado de Alagoas (IMA-AL). Segundo o IMA, a empresa já foi autuada 20 vezes, incluindo as últimas.

Além dessas multas, a petroquímica responde a diversas ações judiciais — civis públicas e individuais —, além de acordos que já firmou e outros que podem ser firmados com o Ministério Público, Defensoria Pública e governos municipais, estaduais e federal.

João Daronco, analista da Suno Research, comenta que, embora a oferta da Adnoc já tenha sido feita, caso seja aprovada pelos acionistas da Braskem, precisará passar por um período conhecido no mercado como "due diligence" (em tradução livre, diligência prévia).

O processo envolve uma série de estudos investigativos que o investidor faz para entender se aquele negócio que ele está fechando, de fato, é uma boa oportunidade, além de mapear os possíveis riscos. Dessa forma, se a Braskem aceitar a oferta, a Adnoc terá um período para entender o tamanho do desastre antes de decidir seguir com o negócio.

A principal consequência é a queda de poder de negociação da petroquímica brasileira, o que pode incluir uma severa redução do valor ofertado pelas ações da empresa para compensar as multas pelo desastre em Maceió.

Para os especialistas ouvidos pela reportagem, é pouco provável que a companhia dos Emirados Árabes desista da compra.

Daronco afirma que a questão principal é a insegurança jurídica que o possível comprador enfrentaria "por não saber qual o tamanho do passivo (dívidas e todas as outras obrigações financeiras de uma empresa) existente desse desastre, além da questão reputacional".

"Dependendo do tamanho do passivo, podemos ver algum tipo de diminuição da liquidez financeira da companhia e, possivelmente, aumento do endividamento, mas esta é uma questão que ainda é difícil prever", destaca o analista.

·        Os problemas financeiros da Braskem

Mesmo antes de pesadas multas estarem no radar da empresa, a Braskem já passava por um momento financeiramente delicado. Daronco dá dois principais motivos:

  1. o setor petroquímico vive um período de "menores spreads", ou seja, uma menor diferença entre o preço de produção e de venda de seus produtos;
  2. a sua governança, com a Novonor, vem sendo obrigada a realizar uma série de desinvestimentos para poder pagar dívidas com seus credores.

Assim, a venda da companhia é vista como uma saída para que os acionistas minoritários tenham melhores resultados, além de uma troca na gestão ter o potencial de trazer maior eficiência para os negócios da companhia.

O principal acionista minoritário da Braskem é a Petrobras, que tem cerca de 36% das ações da empresa. Em outubro, o presidente da estatal, Jean Paul Prates, afirmou acreditar que a venda da fatia da Novonor (de mais de 38%) seria concluída até fevereiro de 2024 — se não houver entrave devido à situação em Maceió.

Os débitos da petroquímica com seus credores (que são os grandes bancos) são multibilionários: o saldo de dívida líquida da companhia em seu último balanço, do terceiro trimestre deste ano, era de quase US$ 5 bilhões (ou R$ 24 bilhões).

As ações pertencentes à Novonor estão em alienação fiduciária, ou seja, qualquer transação dessas ações só pode ser feita com a autorização dos credores, e isso significa que a própria venda da companhia depende de aprovação.

·        Como a situação em Maceió pode agravar as dívidas

Sem uma geração expressiva de caixa, o desastre em Maceió pode acabar em um aumento do endividamento da Braskem.

Em um relatório divulgado pela petroquímica em setembro, antes do agravamento do afundamento em Maceió, a empresa explicou que já tem acordos em andamento e verbas separadas para arcar com danos, mas afirmou que ainda não há previsão de qual será o custo final de toda a situação.

"A companhia não pode descartar futuros desdobramentos relacionados ao evento geológico de Alagoas, ao processo de realocação e ações nas áreas desocupadas e adjacentes, de modo que os custos a serem incorridos pela Braskem poderão ser diferentes de suas estimativas e provisões", aponta o relatório.

Além de multas aplicadas por governos à Braskem, a empresa também deve ser responsabilizada por todos os danos causados aos moradores dos locais afetados pelo desastre ambiental.

"Essas famílias têm que ser indenizadas, todo prejuízo material deve ser coberto", aponta Marcelo Tapai, especialista em direito imobiliário do Tapai Advogados.

"Além disso, tem um problema emocional muito sério: você abandonar sua casa, largar tudo para trás sem saber onde vai morar — visto que muito provavelmente a empresa não vai disponibilizar um imóvel nas mesmas condições no dia seguinte —, precisando ir para casa de parentes ou hotel. Isso causa um abalo emocional muito grande. Então, o dano moral está configurado e essas pessoas têm direito a receber também uma indenização por danos morais", diz ele.

 

Fonte: The Intercept/g1

 

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