As semelhanças e diferenças entre Milei, Trump e Bolsonaro
Desde que Javier
Milei chocou a Argentina com sua vitória inesperada nas eleições
primárias de agosto, analistas e jornais ao redor do mundo passaram a salientar
os pontos em comum entre a trajetória do economista que venceu as eleições
presidenciais argentinas e a de outros dois políticos que também tiveram uma
ascensão surpreendente: os ex-presidentes Donald
Trump, dos Estados Unidos, e Jair
Bolsonaro, do Brasil.
As comparações com Bolsonaro e Trump, dois líderes
de quem Milei se diz admirador, já eram feitas desde 2021, quando o economista
argentino que se define como libertário foi eleito deputado, e ganharam
mais destaque depois que sua coalizão, La Libertad Avanza ("A Liberdade
Avança", em tradução livre), despontou nas primárias, com mais de 30% dos
votos.
Donald Trump fez questão de compartilhar uma
notícia sobre a vitória de Milei e comentar: "Make Agentina great
again", escreveu na rede Truth, usando uma versão de seu slogan. Jair
Bolsonaro disse no X, antigo Twitter: "A esperança volta a brilhar na
América do Sul". O brasileiro, declarado inelegível pelas autoridades
brasileiras, completou fazendo um aceno a Trump, que pretende voltar a disputar
a Casa Branca no ano que vem: "Que esses bons ventos alcancem os Estados
Unidos e o Brasil para que a honestidade, o progresso e a liberdade voltem para
todos nós".
Milei, Bolsonaro e Trump costumam ser descritos
por alguns analistas como líderes populistas de um
novo movimento
global de "direita antipolítica" (ou, para
alguns, de "direita radical" ou "extrema direita") que se
constrói questionando a direita tradicional. Os três se apresentam como
"outsiders" e ganharam popularidade com um discurso antissistema e
antielite, e uso das redes sociais para se conectar diretamente com suas bases.
Mas, apesar de várias afinidades, também há
distinções importantes entre os três, que podem se refletir no governo de
Milei.
A BBC News Brasil conversou com analistas sobre as
principais semelhanças e diferenças entre Milei, Bolsonaro e Trump.
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Cultivo da imagem de antissistema e 'outsider'
Assim como Trump e Bolsonaro, Milei se apresenta
como alguém que não faz parte do establishment e que chegou para lutar contra
as elites políticas. "A casta tem medo" foi uma de suas frases de
efeito durante a campanha. Analistas entendem que "casta", na visão
do agora presidente eleito, seriam principalmente políticos kirchneristas, mas
também empresários.
Estreante na política, sua ascensão meteórica é
atribuída ao discurso contra "os políticos de sempre" e a decadência
argentina "dos últimos cem anos".
Patricio Navia, professor da Universidade de Nova
York, entende que esta característica de se apresentar como fora do sistema
político é o principal ponto de semelhança entre os três — Milei, Trump e
Bolsonaro. "Os três se parecem no sentido de serem antissistema, mas
conhecendo bem o sistema. E aproveitam esse conhecimento para dizer: 'Eu
conheço o sistema, é corrupto e discrimina vocês, o povo puro e honesto'".
A narrativa "antissistema" inclui a
mensagem de que eles são os "redentores" que vão resolver os
problemas do país, porque estão mais bem capacitados, mas também porque vão
resgatar um suposto passado melhor que o país já teve, observa Navia.
"Trump tinha o discurso de 'Make America Great
Again' ('Torne os EUA grandes novamente', em tradução livre). Milei diz que a
Argentina deu certo quando se abriu ao mundo, mas desde que o peronismo surgiu
(há 80 anos), a Argentina vai mal. Quer dizer, 'Let’s make Argentina great
again' (ou, 'Vamos fazer a Argentina grande de novo')."
Navia vê em Bolsonaro uma linha semelhante.
"Mas o mundo ideal de Bolsonaro era 'voltemos ao Brasil de quando havia um
governo militar que ordenava o país inteiro'".
Essa imagem, nos três casos, é reforçada por um
discurso marcado pela quebra de protocolo político e por um estilo belicoso. "Esse
componente antissistema é explorado pelos três", assinala Carlos Gustavo
Poggio, professor de Relações Internacionais do Berea College, em Kentucky, nos
EUA.
Poggio ressalta que esse não é um traço objetivo, e
é mais uma questão de estilo do que de conteúdo, em busca de conexão com
eleitores que se consideram fora da política tradicional. Mas, apesar das
semelhanças na maneira como se apresentam, os três líderes têm trajetórias
diferentes.
Milei, que foi economista em um dos principais
grupos empresariais da Argentina, a Corporacion América, que possui negócios
que vão da administração de aeroportos à agroindústria, ganhou fama com suas
participações explosivas em programas de TV. Ele, no entanto, só entrou na
política em 2021, quando foi eleito deputado. Na época, a bancada de seu
partido, A Liberdade Avança, foi formada apenas por ele e pela sua atual
vice-presidente, Victoria Villarruel.
Por sua vez, Bolsonaro já tinha três décadas de
experiência como parlamentar quando foi eleito à presidência, em 2018.
No caso de Trump, que construiu sua carreira como
empresário de sucesso, o ingresso na política ocorreu com sua conquista
surpreendente do Partido Republicano, um dos dois principais partidos políticos
nos EUA. "Trump fez campanha como outsider, dizia (aos eleitores) que não
era de Washington, que estava indo a Washington para agitar e mudar as
coisas", diz à BBC News Brasil o cientista político Todd Belt, professor
da Universidade George Washington, em Washington DC, nos EUA. "Ele dizia
que iria trazer suas habilidades como empresário, e que elas seriam superiores
às dos insiders", lembra Belt.
Inicialmente rejeitado pela liderança tradicional,
Trump acabou não apenas vencendo as eleições de 2016, mas transformando o
partido à sua semelhança. Ainda hoje, após perder a disputa de 2020 e ser alvo
de várias investigações, Trump continua sendo o líder do Partido Republicano e
o favorito nas pesquisas para definir o candidato republicano que disputará a
Presidência na eleição do ano que vem.
"Nem Bolsonaro nem Milei contam com uma
estrutura partidária como a de Trump", salienta Poggio. "Isso também
é uma diferença importante, que faz com que tenham de recorrer a uma questão
muito mais personalista, muito mais focada na pessoa, já que não podem recorrer
ao discurso partidário."
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Uso das redes sociais e base de eleitores
Tanto Milei quanto Trump e Bolsonaro inicialmente
não eram levados a sério por seus adversários e pela mídia tradicional. Os três
líderes se assemelham na maneira como usaram as redes sociais para se conectar
diretamente com sua base eleitoral e, a partir daí, capturar a cobertura da
imprensa. Com declarações bombásticas, fugindo do "politicamente
correto", eles criaram momentos virais em redes como Facebook, Twitter ou
TikTok, com milhões de visualizações. Isso, por sua vez, levou a mídia
tradicional a dar cada vez mais espaço a esses candidatos.
Adepto mais recente deste protocolo, Milei
conquistou o fervor dessa base de apoiadores com declarações estridentes e
propostas vistas como radicais. Ele descreveu as mudanças climáticas como uma
mentira socialista, prometeu "dinamitar" o Banco Central do país e
dolarizar a economia, chamou de "excremento" a moeda local e de
"maligno" o papa Francisco, que é argentino. De jaqueta de couro
preta e empunhando microfone, o argentino alimenta uma imagem roqueira em
comícios e aparições públicas enquanto não teme os críticos ao dizer que seus
cachorros, clones genéticos de seu falecido cão Conan, são os "maiores
estrategistas (políticos) do mundo".
"Não há ninguém que tenha sido capaz de usar
as mídias sociais para impulsionar a cobertura da mídia tradicional da maneira
que Trump fez", ressalta Belt, lembrando que o sucesso da campanha do
americano em 2016 serviu de modelo para outros líderes ao redor do mundo.
Poggio observa que sempre houve candidatos com esse
estilo. Mas, antes da popularização das redes sociais, esses políticos eram
filtrados pela mídia tradicional, não recebiam tanta cobertura. "Os
grandes jornais, as grandes redes de TV, não davam plataforma para esse tipo de
candidato", diz Poggio. "Hoje, o incentivo das redes sociais é
justamente o oposto. Você consegue mais engajamento quanto mais xingamentos,
quanto mais absurdo você é."
Bolsonaro foi eleito presidente em 2018 apesar de
ter inicialmente apenas 8 segundos de propaganda eleitoral na TV. "Isso só
foi possível por conta dessa fragmentação da comunicação que existe hoje,
permitida pelas redes sociais", diz Poggio.
As redes sociais também exercem um papel central
para Milei. Sua popularidade nas plataformas é
impulsionada por jovens da Geração Z, que compõem parte importante de seu
eleitorado. Muitos estão desiludidos com políticos tradicionais, após décadas
de crises econômicas constantes no país. Milei ganhou tração especialmente no
TikTok, plataforma na qual tem 1,4 milhão de seguidores.
Em seus comícios, chama a atenção a presença de
jovens com menos de 30 anos, principalmente do sexo masculino. Muitos dos
eleitores que ajudaram Trump a chegar à Presidência em 2016 também eram do sexo
masculino, principalmente homens brancos e sem diploma universitário. Mas,
apesar de também terem muitos eleitores jovens, no caso de Trump e Bolsonaro, a
característica mais marcante dos seguidores não é a idade, e sim o sentimento
de alienação política, econômica e cultural, na visão de Poggio. "Estão
fora do processo político, sentem que não têm vez, sentem que os políticos não
os ouvem, sentem que, portanto, é necessário alguém justamente que se apresente
como outsider, de fora desse sistema, que prometa destruir esse sistema",
nota Poggio.
A visão do argentino Rosendo Fraga, do Centro de
Estudos Nova Maioria, de Buenos Aires, na Argentina, é semelhante. Para Fraga,
os três parecem ter entendido a frustração das sociedades a partir da
desigualdade social, o que leva setores a se identificarem com um
"outsider" em busca do progresso econômico, agora estancado, ou de
pedidos de "maior rigor" na segurança pública.
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Discurso anti-China e antiesquerdista
A China, assim como o Brasil, são os
alvos constantes nas críticas de Javier Milei.
Ele afirmou, várias vezes, que os empresários
"são livres" para negociar com "os países que quiserem",
mas que seu governo não terá relação com os dois países, os principais
parceiros comerciais da Argentina.
O argentino entende que a China, governada pelo
partido comunista, e o Brasil, no momento presidido por Luiz Inácio Lula da
Silva, à frente de uma coalização liderada pelo esquerdista PT, são países
"comunistas e socialistas" e deles afirma querer distância. Com esses
posicionamentos, Milei se apresenta como anticomunista como Jair Bolsonaro. Ambos,
assim como Trump, se posicionam contra as ideias e políticas da esquerda.
O americano, por sua vez, também lançou mão da
retórica anticomunista. Em sua campanha para as eleições de 2024, ele disse
querer barrar a entrada de "comunistas e marxistas" no país. Embora
os três também façam declarações contra a China, analistas lembram que há
diferenças importantes nesse contexto.
Para Belt, no caso de Trump, o discurso anti-China
não tem base em uma ideologia anticomunista, mas está mais ligada ao fato de
que muitos de seus apoiadores, que tinham perdido seus empregos em fábricas,
culpavam a China, e o candidato viu nisso uma oportunidade. "A primeira
coisa que Trump fez ao chegar à Presidência foi implementar impostos mais caros
para determinadas importações da China", observou o professor Patricio
Navia, da Universidade de Nova York.
As disputas entre os dois países foram constantes
no governo Trump e, de certa forma, permaneceram na gestão de Joe Biden, nota
Rosendo Fraga, do Centro de Estudos Nova Maioria, de Buenos Aires. Na sua
visão, o lema 'Make America Great Again' não era contra a Rússia, mas contra a
China.
Poggio ressalta que, apesar da semelhança do
discurso anti-China, a realidade do Brasil e da Argentina é muito diferente da
dos EUA, que é a maior potência do mundo.
"Bolsonaro, logo que se torna presidente,
percebe que esse discurso anti-China não tinha como colar na realidade, dado
que a China é o maior parceiro comercial do Brasil. É (também) um dos maiores
parceiros comerciais da Argentina."
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Apoio religioso e narrativa messiânica
O argentino estuda a Torá, livro sagrado judaico, e
tem um rabino como referente espiritual. Ele costuma citar frases bíblicas ou
de inspiração bíblica com frequência e às vezes o faz em hebraico, segundo a
imprensa local. "A batalha pode ser difícil, mas as forças do céu sempre
vencerão", disse Milei num discurso recente.
É uma referência a um versículo do Antigo
Testamento (livro dos Macabeus, capítulo 3, versículo 19), que diz: "Em
uma batalha, a vitória não depende do número de tropas, mas das forças do
céu". Foi a mesma frase que usou ao tomar posse como deputado há dois
anos, num movimento visto por analistas como tendo aspectos
"messiânicos" ao defender que sua carreira política tem apoio divino.
No Brasil, Bolsonaro também explorou a ideia de que
tinha um mandato divino para chegar ao poder, algo repetido sempre por sua
esposa evangélica, Michelle, e reforçado por ele, que tem Messias como nome do
meio. Bolsonaro se declara católico, mas vai a eventos evangélicos com
frequência e fez do apoio de segmentos evangélicos uma das forças de sua
trajetória. O brasileiro contou com expressivo apoio do eleitorado evangélico
tanto em 2018, quando saiu vitorioso, quanto em 2022, quando perdeu para Lula.
Na Argentina, Milei não tem apoio sólido desses
eleitores evangélicos nem das lideranças religiosas, nem parece buscar isso
ativamente. Os evangélicos representam cerca de 15% da população argentina,
metade da fatia no Brasil. O presidente eleito argentino não faz questão nem
mesmo de cortejar o papa Francisco, que é argentino.
Milei criticou o pontífice em uma entrevista ao
apresentador americano Tucker Carlson (ex-Fox News). "O papa tem muita
influência política. Ele está ao lado de ditaduras sangrentas. O papa tem
afinidade com os comunistas assassinos", afirmou Milei, citando Cuba e
Venezuela.
Segundo Todd Belt, da Universidade George
Washington, Trump inicialmente também não tinha um apoio muito grande dos
evangélicos. Mas isso mudou quando ele fez de uma de suas principais promessas
na campanha de 2016 indicar juízes conservadores e antiaborto para a Suprema
Corte, e também quando escolheu como seu vice-presidente um nome tradicional da
direita religiosa, Mike Pence.
Belt lembra que agora, depois que o objetivo de
derrubar o direito ao aborto foi atingido em nível federal nos EUA, líderes
evangélicos americanos estariam considerando apoiar outro candidato
republicano, "que esteja mais próximo da moralidade que defendem em sua
vida pessoal", em suas palavras. Mas, para além das lideranças religiosas,
boa parte dos fiéis das congregações não compartilham esse sentimento, e
continuam extremamente fiéis a Trump. "Apesar de Trump estar perdendo
parte do apoio no topo, isso não ocorre na base. Ele ainda tem o movimento
evangélico firmemente a seu lado", diz Belt.
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Aborto e casamento gay
Milei e Bolsonaro também têm semelhanças em outros
temas caros aos setores conservadores da sociedade, como críticas ao que
classificam como ideologia de gênero e oposição à descriminalização do aborto,
que ocorreu na Argentina em 2020.
Mas, se Bolsonaro se apresenta como defensor da
família tradicional e conservador, Milei tem um discurso diferente, e se coloca
não como conservador, mas como ultraliberal. Ainda assim, Milei, que já chegou
a defender a venda de órgãos (depois deixou de mencionar a proposta), não se
alinha à liberdade individual quando o tema é direito ao aborto. Ele disse que,
em seu governo, pretende convocar um plebiscito sobre a Lei de Interrupção
Voluntária do Aborto, aprovada em 2021, sob o argumento de que é contra a
interrupção da gravidez e a forma como a medida foi aprovada — em uma votação
no Congresso. Ele disse que é "a favor da vida" por convicção
"filosófica, biológica e matemática".
Carlos Gustavo Poggio, do Berea College, lembra que
o aborto é um elemento importante porque envolve a questão da religião e da
base religiosa que apoia esses candidatos. "Mas, como no caso do Milei,
essa base não é muito expressiva, para ele este é um tema que não tem tanta
importância", assinala Poggio. "Para Bolsonaro é um tema mais
central, justamente para mobilizar eleitores mais evangélicos e eleitores mais
religiosos", acrescenta.
No caso de Trump, um dos marcos de sua Presidência
foi a indicação de três juízes conservadores à Suprema Corte dos EUA, que
acabaram tendo papel crucial na decisão do ano passado que anulou o direito
constitucional ao aborto, garantido desde 1973. Mas, segundo Todd Belt, o
ex-presidente americano não tinha uma perspectiva conservadora sólida em
relação ao aborto, e abraçou o tema mais por ser vantajoso politicamente do que
por convicção pessoal. "Trump nunca foi contra o aborto até se tornar
candidato", diz Belt.
Após a decisão da Suprema Corte, vários Estados
aprovaram leis restritivas em relação ao aborto, e o tema tem beneficiado os
democratas em eleições legislativas e estaduais. "Trump meio que percebeu
que esse é um tema que está sendo problemático para os republicanos. O ideal,
para Trump, seria não discutir esse tema. Mas isso será muito difícil, porque
os democratas vão obrigá-lo a discutir (na campanha à próxima eleição
presidencial)", diz Poggio.
Já quando o tema é casamento gay, uma pauta que tem
oposição clara do bolsonarismo no Brasil, Milei defende suas credenciais
libertárias e disse que não é contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo
porque a "individualidade deve ser respeitada". Ele diz ser contra o
Estado se envolver na formalização de qualquer casamento. "Para mim, não
tem a menor importância a escolha sexual (de uma pessoa). Se a pessoa quiser
estar com um elefante, e se tem o consentimento do elefante, é um problema da pessoa
e do elefante. (..) O que não se pode é impor algo a partir do Estado",
disse durante entrevista a um jornalista peruano. A frase de Milei provocou
controvérsia por ter citado elefantes ao falar de homossexualidade.
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Narrativa de fraude eleitoral
Trump rejeitou sua derrota nas urnas em 2020 e,
apesar da ausência de provas sobre irregularidade nas eleições, disseminou
entre seus apoiadores a ideia de que teria havido fraude. Isso culminou com a
invasão do Capitólio, sede do Congresso americano, em 6 de janeiro de 2021.
Episódio semelhante ocorreu no Brasil após a
derrota de Bolsonaro no ano passado.
Alegando fraude no sistema de votação eletrônico
brasileiro, apoiadores do presidente derrotado invadiram edifícios do governo
federal em Brasília em 8 de janeiro deste ano.
Segundo Poggio, Bolsonaro copiou a estratégia de
Trump. "É um discurso importante também para manter a base mobilizada, um
discurso que reforça a identidade de antissistema”, diz Poggio. "'O povo
me ama, mas o sistema está contra mim, não quer que eu seja eleito'",
exemplifica. "Infelizmente, apesar de violar as normas democráticas, é
(uma estratégia) bem-sucedida", ressalta Belt.
"Nos Estados Unidos, todos os republicanos que
se manifestaram contra o que Trump fez e a violência de 6 de janeiro acabaram
(posteriormente) se unindo a ele, porque ele conseguiu continuar dominando o
Partido Republicano."
Milei, mesmo saindo vencedor das primárias em
agosto, chegou a alegar fraude, e afirmou, sem apresentar evidências, que
adversários haviam roubado cédulas de seu partido, o que teria lhe custado
inúmeros votos e pontos percentuais de vantagem na disputa do primeiro turno,
quando ficou atrás de Sérgio Massa. Um jornal argentino comparou a estratégia à
de Trump e Bolsonaro. Autoridades do sistema eleitoral criticaram a atitude,
ratificando que o sistema eleitoral argentino é "confiável".
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Livre mercado e apoio dos principais setores
econômicos
Milei tem declarado que o Estado "só
atrapalha" e defende a liberdade de mercado. Ele diz considerar que os
empresários serão mais prósperos e haverá menos corrupção se as negociações
empresariais, incluindo com outros países, não incluírem a presença estatal.
A quase ausência do Estado defendida por Milei o
diferencia do "protecionismo de Trump" e do posicionamento de Jair
Bolsonaro quando esteve à frente da presidência brasileira. "Bolsonaro
queria um Estado poderoso que promovesse reformas conservadoras. Ele era
neoliberal em algumas coisas, mas também muito conservador e protecionista em
outras coisas", diz Navia, da Universidade de Nova York. "Trump
queria um Estado protecionista. Eles são diferentes numa série de dimensões que
são muito importantes de políticas públicas."
O argentino não conta com o apoio explícito dos
setores empresariais do país que temem tanto a implementação de suas propostas,
como a dolarização da economia, como o impacto de abalos nas relações com
Brasil e China, países que ele critica. Num discurso diante de empresários,
Milei afirmou que acabaria com as obras públicas e foi aplaudido timidamente.
De acordo com o analista argentino Rosendo Fraga, o
empresariado preferia Sergio Massa, porque já o conheciam. Na campanha, Milei
se recusou a se reunir com a entidade União Industrial Argentina (UIA, que
costuma ser comparada com a FIESP, poderosa entidade empresarial brasileira). O
especialista avalia, porém, que a "resistência" do empresariado e do
mercado financeiro poderá se acomodar e ocorrer uma aproximação com a vitória
de Milei.
O argentino recebeu apoio do ex-presidente Mauricio
Macri (2015-2019), bem visto pelos grandes setores econômicos. "O mercado
tem resistência a Milei porque não sente que o controla ou que ele se deixa
controlar por eles", diz Fraga. Milei conta, no entanto, com o apoio de
setores como as empresas de tecnologia e até no âmbito do petróleo,
insatisfeitos com a política econômica de Massa.
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Militares e ditadura
Milei e Bolsonaro também tem pontos de contato na
relação que travam com o passado de regimes militares dos dois países — uma
realidade sem paralelo com os EUA de Trump.
Capitão do Exército reformado, Bolsonaro fez da
reivindicação da ditadura brasileira (1964-1985) uma bandeira de campanha,
defendendo seus supostos avanços econômicos e rejeitando as acusações de
violações de direitos humanos que aconteceram no período. Já Milei trouxe o
tema para a campanha argentina de uma maneira inédita desde a redemocratização
do país, em 1983.
Em dois debates, o argentino questionou o total de
vítimas da ditadura do país, alegando que não seria os 30 mil informados pelas
organizações de direitos humanos.
Analistas ouvidos pela reportagem entendem que
Milei segue a pauta de sua candidata a vice-presidente, Victoria Villarruel. Ela
já disse que pretende
rever as indenizações pagas pelo Estado às vítimas da ditadura militar (1976-1983).
A dupla também propõe estabelecer compensação às vítimas de atentados de
guerrilhas de esquerda nos anos 1970.
Villarruel voltou a afirmar que o ex-centro de
tortura da Marinha argentina, a ESMA, agora chamado Espaço Memória e Direitos
Humanos, deve ser desativado e ser transformado em escolas. O lugar foi
declarado Patrimônio da Humanidade pela Unesco, em setembro.
Na Argentina, diferentemente do Brasil, os líderes
do regime ditatorial foram levados ao banco dos réus nos anos 1980. Desde a
retomada da democracia (1983), os militares não têm influência determinante na
política do país.
Fonte: BBC News Brasil
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