terça-feira, 7 de novembro de 2023

Pastor Zé Barbosa Jr.: Candidaturas Evangélicas Progressistas - Por que são necessárias?

Como tenho dito incansavelmente, não há como discutir a política no Brasil sem se passar pelo debate religioso, e isso não é novidade nenhuma. Não foi a “bancada evangélica” quem inventou isso, apesar de ser quem sequestrou o debate para pautas moralistas e absurdas, terreno onde dominam tanto o moralismo farisaico quanto o absurdo político, moeda principal do Bolsonarismo.

Mas (e também tenho dito isto diversas vezes) parece que boa parte da esquerda ou finge que não vê ou rejeita mesmo, conscientemente, o tema. Se fecha para um diálogo e a possibilidade de se disputar territórios e mentes e, pior ainda, condenam a religião a um estado de total alienação, como se fosse incompatível ser religioso e democrático. Como disse na minha coluna passada, muitas vezes a esquerda empurra “Deus” para o colo da direita. E a direita adora.

O principal argumento da esquerda para não se discutir a religião é a de que “o Estado é laico”. Aqui, incrivelmente, assemelham-se aos fundamentalistas em seus extremismos. Enquanto um fundamentalista religioso quer impor sua religião sobre o Estado, o fundamentalista esquerdista (sim, há diversos tipos de fundamentalismo!) quer extirpar a religião do Estado. Dois extremos do mesmo pêndulo, que desconhecem, no fundo, o que significa o Estado laico. 

Laicidade não significa a extirpação da religião no Estado, mas a sua total separação em termos de “poderio”: Nem o Estado impõe sua vontade sobre a religião e nem a religião impõe sua interpretação de mundo ao Estado. Separação entre um e outro é uma coisa. Anulação de um pelo outro é outra coisa. Não se pode pensar a política de um Estado sem levar em conta aspectos fundantes da sociedade e, entre eles, inexoravelmente estará a religião, ainda mais por aqui em terras brasileiras. O ethos brasileiro é religioso, queiramos ou não.

Negar a religião e seu papel na política é apagar da história, por exemplo, a luta de muitos padres, freiras, freis e até mesmo pastores contra a ditadura. Muitos perderam suas vidas. Um dos maiores documentos sobre a ditadura, que resultou no livro “Brasil: Nunca mais” é obra de 3 grandes líderes religiosos: um padre, Dom Paulo Evaristo Arns; um pastor, Jayme Wright e um rabino, Henry Sobel. E é por aí que levo a minha argumentação neste artigo: ninguém melhor que os “de dentro” para enfrentar os fundamentalismos que querem se arvorar sobre o Estado.

Um exemplo recente: a atuação magistral do Deputado Federal e pastor Henrique Vieira, tanto no Congresso como um todo quanto na CPI dos atos golpistas de 08/01. Tanto que as palavras de Henrique causavam furor nos que, membros da perversa “bancada evangélica”, eram expostos em sua hipocrisia religiosa e política. Um evangélico progressista se torna um calo no sapato de uma bancada inteira. A simples presença dele no parlamento é uma denúncia da desfaçatez daqueles que, dizendo-se cristãos, querem impor ao Estado sua moralidade hipócrita e violenta. Até porque um verdadeiro cristão progressista, é, impreterivelmente, um defensor ferrenho do Estado Laico.

É só o Estado laico que nos garante a plena e saudável liberdade religiosa. É absurda, por exemplo, a simples existência de uma “bancada evangélica”, e a existência de Henriques, Mônicas (Mônica Francisco, Deputada Estadual no Rio, pastora pentecostal) é, hoje, uma necessidade no combate aos desmandos dos que querem dominar o país a partir de seu discurso religioso. Ninguém melhor para enfrentá-los do que alguém que, conhecendo bem o discurso e a realidade que também lhes atinge, pode confrontar, desafiar e expor o ridículo evangélico/católico que quer o poder total no país.

Fica, portanto, meu recado e, de certa forma, apelo aos partidos de esquerda do Brasil: invistam em candidaturas evangélicas progressistas, principalmente nas Cidades e Estados tomados pelo fundamentalismo religioso, onde as “bancadas da Bíblia” já são maiorias nas Câmaras e Assembleias. Isso era pra ontem, mas ainda dá tempo de consertar um pouco o estrago e, quem sabe assim, ampliarmos as forças na luta por um Estado verdadeiramente laico, onde todas as religiões possam trafegar sem medo, tendo direitos respeitados e sem querer impor a ninguém a sua prática religiosa.

Ainda há esperança! Ainda...

 

Ø  J. Carlos de Assis: Consciência Humana

 

A democracia, que tanto se orgulha de suas conquistas no mundo ocidental, está sendo vítima de uma de suas principais consequências: o crescimento expressivo dos grupos identitários, os quais, na mesma medida em que se afirmam em termos de valores ou características comuns, fragmentam as sociedades politicamente. Mais do que isso, perde-se, em favor da afirmação de particularidades individuais, a própria consciência de humanidade.

É claro que expressões identitárias que conquistam reconhecimento público, como de movimentos religiosos, de negros, de mulheres, de índígenas e de diferentes nacionalidades, entre outras, são justas correções históricas de injustiças seculares cometidas por forças dominantes contra esses grupos. Entretanto, quando, no plano interno, elas se colocam acima da Nação, fracionam a unidade de um país e dificultam a própria governabilidade, pois o governo não tem como atender a todos de uma vez.

Os movimentos identitários só se apresentam como aspectos positivos do processo civilizatório quando não se superpõem a valores nacionais, no plano dos países, ou, no plano mundial, aos valores da própria humanidade. Do contrário, o extremismo religioso, o patriotismo fanático, o racismo invertido ou o partidarismo político cego dividem a sociedade em partes que só reconhecem a si mesmas, e não ao conjunto dela, como unidade superior.

No plano mundial, é o próprio sentido de consciência humana que está em jogo. Quando as sociedades colocam seus interesses próprios acima dos interesses do conjunto da humanidade, isso é reflexo de que consciência humana em si mesma está se degenerando. Vemos isso no caso do aquecimento global, provocado por indústrias poluidoras, e sua consequência dramática: as grandes mudanças climáticas que provocam tragédias jamais observadas na história do planeta.

Nos séculos XVI/XVII, um poeta inglês de extrema sensibilidade escreveu um poema que se iniciava com essas palavras: “Homem algum é uma ilha isolada. Cada homem é parte de um todo. Se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse o solar de teu amigo ou o teu próprio. Por isso, não perguntes por quem os sinos dobram. Os sinos dobram por ti”. Esta é a consciência de humanidade que está sendo perdida. Ninguém, hoje, sequer se pergunta por quem os sinos dobram em Israel, em Gaza, na Ucrânia, ou no Congo. Se alguém pergunta, não se dá conta que os sinos dobram por si mesmo!

Tenho dúvidas extremas sobre a que nos levará esse declínio de consciência humana que se observa nesse século materialista, onde as pessoas se dedicam, obsessivamente, de forma quase exclusiva, à acumulação do dinheiro. É o mundo do neoliberalismo, do Consenso de Washington, do Forum de Davos; em suma, o mundo dirigido pelos ricos e pelos bilionários, que fomentam a miséria e as guerras, de onde extraem suas fortunas. O mundo que ignora os pobres e os desassistidos.

No caso brasileiro específico e atual, vejo, além do identitarismo negativo, outro fator que, pelo extremismo político, está trazendo várias consequências perversas para o futuro do país. Entendo que é hora de começar a pacificar politicamente a sociedade, e isso não está acontecendo. O presidente Lula tem feito um grande esforço nesse sentido, mas não vem sendo ajudado pelo PT e seus aliados partidários. Esses últimos estão parados ideologicamente no 8 de janeiro.

A tentativa de golpe, ou a arruaça na Praça dos Três Poderes, devem ser encaradas, politicamente, como um fato de inigualável gravidade em nossa história, mas não pode ser um embaraço permanente para o futuro. É preciso começar a pensar no nosso destino comum como Nação, no qual todos os brasileiros precisam de viver com relativa harmonia. Não há sentido em viver permanentemente em guerra verbal por conta daqueles fatos deploráveis.

Claro que não serão nem esquecidos nem perdoados. Nesse ponto, porém, o Supremo Tribunal Federal está desempenhando um papel inigualável, com seus julgamentos sucessivos dos investigados pelos crimes, condenados com rigor. Mas não é necessário que políticos governistas subam à tribuna todos os dias no Congresso para fustigar bolsonaristas e aprofundar divergências com eles. Isso distancia a possibilidade de acordos pontuais para aprovação de projetos importantes para o país. O esforço de reconciliação não pode ser só de Lula. Tem que ser de todos os governistas.

Na verdade, se algo concreto divide o país é a política econômica. Os políticos governistas deveriam focar nisso: exercer uma pedagogia constante para explicar ao conjunto dos parlamentares a importância de uma virada na política econômica, como o próprio presidente Lula sinalizou, ao criticar a obsessão com o equilíbrio fiscal. Isso, de uma forma civilizada, poderia atrair pelo menos parte dos congressistas de boa vontade para uma nova política. E isso salvaria o país de um futuro tenebroso que repita a tragédia dos últimos dez anos, na qual a distância entre a indústria interna e a mundial, a parte mais importante da economia, atingiu quase 50%!

 

Ø  Globalização, um Deus que falhou: por que mais países têm optado pelo desenvolvimento soberano?

 

A ordem mundial hoje está passando por uma grande transformação. Muitos países estão seguindo a iniciativa da Rússia ao escolher uma política soberana, abandonando assim as falsas promessas da globalização.

Em verdade, já faz bastante tempo, pelo menos desde a década de 1990, que a globalização foi vendida como um processo inevitável para o pleno desenvolvimento da sociedade humana. O problema é que a forma como a globalização se deu, emanada sobretudo das políticas econômicas e culturais expansionistas dos Estados Unidos, baseou-se em regras injustas e que, em última análise, apenas ampliou a desigualdade entre os países.

Como observou certa vez o presidente russo Vladimir Putin, o modelo de globalização liberal capitaneado por americanos e europeus tornou-se apenas uma versão atualizada do neocolonialismo de séculos passados. Na prática, ela promoveu um mundo em que o modelo ocidental (especialmente o americano) de comportamento era o único aceitável, e no qual os direitos de todos os outros povos passaram a ser pisoteados e diminuídos.

Na década de 1990, no entanto, atores importantes como Rússia, China, Índia, Brasil, Turquia e outros ainda não se encontravam fortes ou confiantes o suficiente para defender um caminho de desenvolvimento alternativo. Por vezes inclusive, estes mesmos Estados falharam em reconhecer a ameaça existente nas políticas de Washington, que começou a utilizar os frutos e os ganhos da globalização para seu próprio benefício.

Contudo, com a chegada dos anos 2000, o cenário se alteraria drasticamente, dado que potências de peso no sistema se mostraram prontas a defender sua soberania diante do unilateralismo americano – sobretudo da era Bush – o que produziu uma verdadeira reviravolta nas relações internacionais do século XXI.

Fora dado então um novo impulso rumo à transição para um modelo de ordem mundial baseado em princípios de respeito mútuo, de ganhos econômicos recíprocos e de parcerias estratégicas para a defesa dos interesses nacionais de um número cada vez maior de países. A própria formação do BRICS em 2009 foi um exemplo nesse sentido, a saber, de uma cooperação internacional construtiva – e heterogênea – entre Estados insatisfeitos com as promessas vazias da globalização.

Hoje, por sua vez, o PIB combinado dos países do BRICS já excede o do G7, respondendo por 31,5% do total mundial, contra 30% das principais potências ocidentais do sistema. Não obstante, durante a última cúpula do grupo na África do Sul, o BRICS expandiu o seu número de membros, ampliando sua cooperação com regiões como o Oriente Médio, o Norte da África e a própria América do Sul. Como se não bastasse, no âmbito de sua integração financeira, o BRICS vem trabalhando para a expansão do uso de moedas nacionais em seu comércio, demolindo aos poucos a preeminência no dólar nas transações econômicas entre seus países.

A título exemplo, hoje mais de 70% dos pagamentos emitidos entre Moscou e Pequim são feitos em rublos e em yuans, ao passo que as relações comerciais envolvendo Rússia e Índia também estão se movendo no sentido de deixar a zona do dólar. Arábia Saudita e Irã, por sua vez, já se prontificaram a começar a negociar commodities em novas alternativas, tendo fechado importantes acordos com a China nesse sentido ao longo dos últimos meses. Tudo isso se deu justamente pelo descrédito e pelas falsas promessas de prosperidade da globalização baseada nos valores americanos, que ajudaram na verdade a minar a confiança internacional na liderança de Washington.

No mais, até mesmo rotas comerciais tradicionais – passíveis de serem bloqueadas pelos Estados Unidos e seus aliados – vêm perdendo cada vez mais importância, em favor de regiões como a Ásia-Pacífico, sobretudo em função do sustentado crescimento econômico de potências como China e Índia nas últimas décadas.

Testemunhamos então a construção de ambiciosos corredores logísticos em escala continental, como no caso da Nova Rota da Seda encabeçada pela China a partir de 2013, que visa o transporte terrestre de produtos chineses para o Ocidente através do território eurasiático. Não menos importante é a Rota do Mar do Norte, a mais curta a conectar os mercados da Europa e da Ásia, cuja maior parte do trajeto encontra-se sobre controle da Rússia. Finalmente, esforços já têm sido empreendidos para se implementar o promissor Corredor Norte-Sul que permitirá o transporte de mercadorias desde o Ocidente até o oceano Índico através dos territórios da Rússia, do Irã e da própria Índia.

Todos estes fatores demonstram que o mundo não voltará mais a ser o que era, ainda que a elite política e militar estadunidense se esforce para manter sua posição hegemônica no sistema. Fracassaram as tentativas de vender ao mundo um projeto único de desenvolvimento econômico e social.

Hoje, potências não ocidentais e demais países em desenvolvimento optaram por decidir de forma soberana como e por quais parcerias e instrumentos defender seus interesses nacionais. Diferentemente da década de 1990, já não se fala mais sobre a necessidade de se adotar o famigerado Consenso de Washington ou mesmo sobre a necessidade de emular as características políticas, econômicas e culturais dos Estados Unidos.

O zeitgeist da década de 1990 passou, tendo sido não mais do que um período histórico breve e transitório. A globalização, apesar de promissora, mostrou-se pouco efetiva em diminuir a disparidade entre os Estados e em produzir resultados que realmente beneficiassem todos e não apenas um pequeno punhado de países ocidentais. Em resposta, conforme novas potências foram emergindo no sistema durante os anos 2000, a falácia da globalização benigna foi desmascarada em definitivo, ao passo que cada vez mais Estados vêm optando pelo caminho do desenvolvimento soberano.

Hoje, é do interesse da maioria global defender esta ideia, como própria condição de sua existência no mundo multipolar. Rússia, China, Índia, Irã, Turquia e muitos outros no Sul Global já têm dado o exemplo. Afinal, quem quer confiar seu destino a um Deus que falhou?

 

Fonte: Fórum/DCM/Sputnik Brasil

 

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