quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Governos da Amazônia não cruzam dados de pecuária e desmatamento para controle ambiental

A maioria dos estados da Amazônia Legal não compartilha com as suas secretarias de meio ambiente informações do cadastro de pecuaristas e de movimentação do rebanho bovino – ainda que esses dados sejam gerados e gerenciados dentro dos próprios governos estaduais, nas agências de defesa sanitária ligadas às pastas de agricultura, pecuária e agronegócio.

A pecuária é o principal vetor do desmatamento na Amazônia e o compartilhamento dessas informações poderia ajudar na fiscalização ambiental e no combate à ilegalidades. “Seria muito valioso para identificar e responsabilizar infrações ambientais, inclusive os casos de gado com origem em áreas embargadas, terras indígenas ou unidades de conservação”, explica Ana Paula Valdiones, do ICV (Instituto Centro de Vida), organização da sociedade civil que atua com transparência e governança ambiental.

A Repórter Brasil enviou pedidos de Lei de Acesso à Informação a todos os nove estados da Amazônia Legal e descobriu que apenas Rondônia fornece acesso completo aos dados gerados pelo Idaron (Agência de Defesa Sanitária Agrosilvopastoril do Estado de Rondônia) à Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental (Sedam).

Lá, um acordo judicial entre os dois órgãos estaduais e o Ministério Público de Rondônia homologado em março de 2021 permite que a fiscalização ambiental possa acessar o cadastro de criadores de gado – que contém nomes, CPFs, endereços e localização das fazendas –  e também as informações contidas nas Guias de Trânsito Animal (GTAs), um documento sanitário obrigatório que registra o deslocamentos de animais.

A partir do acesso às informações do Idaron, a Sedam de Rondônia identificou operações com suspeitas de ilegalidade. Porém, os resultados concretos ainda não chegaram, já que a pasta ambiental ainda está fazendo análises para definir elementos técnicos e jurídicos e aplicar as sanções. Contatada pela reportagem, a assessoria de comunicação da Sedam informou que esta etapa não tem previsão para conclusão. Veja aqui a íntegra das respostas dos órgãos.

•        MT e Pará dão acesso parcial

Dono do maior rebanho de gado do país, o Mato Grosso compartilha parcialmente dados do Instituto de Defesa Agropecuária do estado (Indea) com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema-MT). O órgão utiliza a base de propriedades rurais cadastradas no Indea, mas não possui acesso às GTAs, documento que poderia “apoiar o monitoramento de áreas embargadas”, segundo a secretaria. “Estamos trabalhando junto ao Indea para acessar as GTAs”, completa a pasta.

A situação é semelhante no Pará. A assessoria de comunicação da secretaria de meio ambiente afirmou que “por meio da plataforma Selo Verde, possui todas as informações necessárias para proceder com o monitoramento e fiscalização ambientais, respeitando a Lei Geral de Proteção de Dados”. A Plataforma Selo Verde, porém, também não disponibiliza acesso aos dados das GTAs. Veja aqui a íntegra das respostas dos órgãos.

Na falta de um sistema de rastreabilidade individual do gado, a GTA se tornou o principal meio de verificar a origem dos animais abatidos por frigoríficos. Ela mostra o caminho dos bois entre as fazendas e, cruzada com outras bases de informações, pode revelar esquemas conhecidos como “lavagem de gado”, quando um fazendeiro com propriedade irregular envia seu rebanho para outra área, legalizada, e de lá, então para frigoríficos. É a este documento que o Ministério Público Federal recorre para promover as auditorias anuais nos frigoríficos signatários do TAC da Carne.

Apesar disso, algumas agências de defesa sanitária agropecuária resistem em compartilhar dados até mesmo com o Ministério Público Federal, observa Lisandro Inakake, coordenador do Programa Boi na Linha, do Imaflora, que busca promover uma cadeia da carne livre de irregularidades.

“Estes dados são de interesse público e deveriam estar acessíveis para toda a sociedade civil”, concorda Ana Paula Valdiones, do ICV.

•        Justificativas dos estados

No Amazonas, o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM) informou que iniciou tratativas de compartilhamento das informações em 2019/2020, mas a tentativa foi interrompida por causa da pandemia. Há pretensão de retomá-las, mas sem previsão de prazo.

A secretaria ambiental do Maranhão disse que ainda não houve necessidade de uso dos dados da pecuária para fiscalização ambiental. Já o Instituto Natureza do Tocantins (Naturatins) e o Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac) afirmaram que não são responsáveis pela fiscalização e controle de gado ou pelo gerenciamento de atividades sanitárias.

O Fundo Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos de Roraima (FEMARH) e a Secretaria de Meio Ambiente do Amapá não responderam aos contatos da reportagem.

A falta de acesso aos dados da pecuária não está limitada aos órgãos ambientais estaduais. Investigação da Repórter Brasil já havia revelado que Ibama e ICMBio só possuem acesso aos dados do Pará dentre os nove estados que compõem a Amazônia Legal.

•        Proteção de dados pessoais

Em agosto de 2023, a Justiça Federal determinou liminarmente que as agências do Amazonas (Agência de Defesa Agropecuária e Florestal do Estado do Amazonas – Adaf), de Rondônia (Idaron) e do Acre (Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Acre – Idaf) disponibilizassem ao MPF e aos órgãos de controle acesso facilitado e atualizado aos dados das GTAs, incluindo nomes, números de CPF/CNPJ e dos estabelecimentos de procedência e destino dos animais.

A decisão liminar decorre de ação ajuizada pelo MPF. De acordo com apuração da Procuradoria, Adaf e Idaron alegam que não podem compartilhar os dados por serem de cunho pessoal e, portanto, protegidos. Nos autos do processo, a Adaf alegou que a publicização das GTAs colocaria em risco a segurança física e patrimonial dos produtores, seus familiares e colaboradores e destacou que já disponibiliza ao MPF os dados das GTAs quando solicitada. Também na ação, Idaf e Idaron afirmaram já terem firmado acordos de cooperação técnica com o MPF, com o objetivo de permitir acesso do MPF aos dados das GTAs.

Outras agências apresentaram justificativas semelhantes para o não compartilhamento de dados. Contatadas pela reportagem, as agências do Pará (Adepará) e Tocantins (Agência de Defesa Agropecuária de Tocantins – Adapec) informaram que, quando solicitadas, fornecem dados, de acordo com a legislação de proteção de dados pessoais. A Agência de Defesa Agropecuária do Estado de Roraima (Aderr) alegou que os dados são pessoais e divulgados apenas por decisão judicial..

A alegação de que os dados não podem ser compartilhados por serem pessoais não se justifica. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) prevê a possibilidade de compartilhamento de dados necessários à execução de políticas públicas e prestação de serviços públicos, desde que a própria LGPD e seus princípios sejam respeitados. A Autoridade Nacional de Proteção de Dados orienta que o compartilhamento de dados deve ser formalizado, por exemplo, em um contrato ou convênio, definindo o objeto e finalidade do compartilhamento.

As agências de defesa agropecuária do Mato Grosso, Maranhão, Acre e Amapá não responderam aos questionamentos da reportagem.

 

       ASCEMA Nacional e INA alertam para riscos a servidores após Ministério da Justiça suspender Operação em Terra Indígena

 

Servidores da Funai, do Ibama e de outros órgãos se encontram em risco na Terra Indígena Apyterewa. Eles relatam que estão realizando as suas tarefas de extrusão, em cumprimento da decisão judicial, mas sem o suporte dos agentes da Força Nacional e das Forças de Segurança. Os relatos chegaram ao sábado para as entidades representativas dos servidores da Funai, Indigenistas Associados – INA, e a entidade representativa dos servidores do IBAMA – ASCEMA Nacional, que por meio desta nota externa a sua preocupação.

A medida, alegada como estratégia para evitar excessos e o agravamento de conflitos, tem tido efeito contrário e, na prática, tem impedido o avanço operacional, ao passo que restringe a realização das ações positivas de governo, justamente aquelas que podem auxiliar no apaziguamento dos ânimos e auxílio as populações de baixa renda.

A continuidade da ação de extrusão é necessária, visto o robusto arcabouço de informações apresentadas pelos servidores dos distintos órgãos envolvidos na ação, incluindo a constatação da massiva saída voluntária e retirada de rebanhos, optando por aderir as narrativas propagadas por lideranças políticas representativas dos invasores.

A possível suspensão das ações pode fomentar a resistência de invasores contrários ao cumprimento da ordem judicial, alimentando estratégias de obstrução de justiça, acirrando ânimos, colocando em risco os próprios invasores, e aumentando a insegurança dos indígenas Parakanã e das equipes de servidores que estão em campo, desguarnecidas neste momento. As entidades Ascema Nacional e Indigenistas Associados – INA, aguardam que seja prontamente reestabelecido o suporte das forças de segurança para que haja o imediato cumprimento da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal e a garantia da segurança de nossos servidores e associados.

 

Fonte: Reporter Brasil/INA

 

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