quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Eliara Santana: Mídia e judiciário - uma parceria que golpeou de morte a democracia brasileira

“Só nos resta resistir”. Essa fala foi proferida pela professora Maria Luisa Alencar Feitosa no encerramento da mesa “Lawfare: ontem hoje e sempre”, realizada no dia 26 de outubro, durante o MILWEEK 2023, evento de letramento midiático promovido pela Unicamp em parceria com a UFAC e em consonância com a Semana de Letramento Midiático da Unesco, que ocorre todos os anos, no período de 24 a 31 de outubro. A mesa teve a participação das professoras Maria Luisa Alencar Feitosa, Márcia Lucena e Juliana Neuenschwander, e eu tive a alegria e a honra de mediar.

Ao propor essa mesa e essa discussão para um evento de letramento midiático, o MILWEEK, que já se consolidou no cenário brasileiro, estando em sua terceira edição, vieram-me à lembrança duas cenas, dois momentos marcantes para entender tudo o que vivemos e a relevância desse debate. O primeiro, o dia 16 de março de 2016, uma terça-feira. Eu estava na cozinha organizando a janta para a família e ouvindo o bater de panelas na rua. Naquele dia, o então juiz Sérgio Moro, o todo-poderoso da Lava Jato, liberou trechos de gravações de diálogos do ex-presidente Lula, então investigado pela Lava Jato. O Jornal Nacional teve acesso exclusivo às gravações, e a Globo as inseriu em sua programação com total destaque. A edição da noite garantiu o espetáculo. O tema ganhou 33 minutos na edição, que tinha cerca de 50 minutos no total. Ou seja, um jornal inteiro para encenar e mobilizar a opinião pública. Pra dimensionar o alcance político dessa ação de conluio, no dia anterior à liberação e divulgação dos áudios, a então presidenta Dilma havia anunciado Lula como ministro-chefe da Casa Civil. Depois dos áudios, o STF suspendeu a nomeação. Se Lula tivesse assumido a Casa Civil, o desfecho do impeachment seria outro.

O segundo momento, em março de 2020, foi quando vi no Facebook a imagem de Márcia Lucena, então prefeita do Conde, na Paraíba, em reunião com lideranças comunitárias, de tornozeleira. Ela tinha sido acusada de fazer parte de uma “orcrim”, organização criminosa que seria comandada pelo então governador Ricardo Coutinho (nada disso nunca foi provado, e os processos seguem até o momento). Era o auge da Operação Calvário, na Paraíba, filhote da Lava Jato. Eu acompanhava o caso já vendo todos os elementos mais perniciosos e absurdos se desenhando de novo. Márcia, como prefeita do Conde, havia ousado enfrentar o poder local dos coronéis de toga para barrar a especulação imobiliária numa região com muitos quilombolas que podiam perder suas terras.

E eu, mais audaciosa do que efetivamente com algum poder de mobilização, imediatamente entrei em contato com a assessoria de Márcia – queria escrever e publicar sobre ela, sobre o caso e sobre a versão Nordeste da Lava Jato. Mergulhada como tinha estado nas construções da Operação de Curitiba, eu já farejava de longe a atuação dessa parceria tão nefasta quanto eficaz: o conluio, a ação combinada da mídia com parte do judiciário para dar corpo e sustentar, perante a opinião pública, os desmandos e abusos incontáveis, as convicções tomando o lugar das provas e evidências, a brutalidade na condenação sem julgamento, a violência da exposição midiática. Imediatamente me solidarizei com Márcia e produzi um texto para circular no mês internacional da mulher – ali começou minha admiração por ela e nossa amizade.

O ciclo de golpeamento da democracia pela parceria abjeta e violenta da mídia corporativa com parte expressiva do judiciário tinha então sequência no Brasil. Nesse sentido, é muito importante ressaltar que quando falamos nessa “parceria”, estamos falando da ação conjunta muito bem articulada de duas instâncias de poder – a mídia (imprensa corporativa) e o judiciário (na figura da Lava Jato).

Duas instâncias poderosas sem controle externo, que se unem num trabalho conjunto para combater determinado ator ou determinado grupo, eleito como inimigo, a partir de um repertório construído. E sem essa parceria, esse trabalho conjunto e afinado, a Operação Lava Jato e o lawfare (que é a prática de uso do judiciário como arma, em linhas bem gerais) não tomariam a dimensão que tomaram, não teriam o poder que tiveram, e seus articuladores não seriam alçados à categoria de “heróis” no imaginário nacional.

Agora em 2023, no momento em que sugeri essa mesa para o MILWEEK, os ventos estavam um pouquinho diferentes. A Operação Lava Jato havia se desmantelado, com a exposição das ações espúrias de seus articuladores, a relação com a mídia ficou vergonhosamente exposta e explicitada, a justiça determinou a retirada da tornozeleira de Márcia Lucena, que está em Brasília no Ministério de Direitos Humanos e Cidadania, Lula foi novamente eleito, depois de amargar 580 dias na prisão. Mas os ventos só mudaram um tiquinho, e os algozes seguem na espreita e agindo. Porque o lawfare permanece como prática no Brasil, permanece perseguindo e punindo sem provas, permanece com o poder sem controle de juízes e procuradores. Mais do nunca, precisamos falar sobre essas práticas e sobre as memórias que não devem ser apagadas e silenciadas.

Portanto, entendo que não é possível falar em letramento midiático se não falarmos sobre o lawfare no Brasil, se não mostrarmos como a ação da mídia, alinhada ao judiciário e aos grupos de poder coloca em prática uma perseguição que inviabiliza os governos populares, essa é a tônica. Basta olhar quem são os perseguidos políticos do lawfare, da Lava Jato – todos se vinculam a perspectivas de enfrentamento aos poderes arbitrários, todos se colocam ao lado dos invisibilizados pelo capitalismo predatório, todos se colocam na luta pela construção de um país minimamente desigual. É uma perseguição, sob o disfarce de ação judicial, que tem endereço, tem “escolhidos”.

Por isso, minha ideia ao propor esse tema para um evento de letramento midiático se vincula essencialmente a um posicionamento de nunca, jamais deixar que se esqueça o que aconteceu no Brasil em tempos recentes; nunca, jamais deixar que se esqueça que o lawfare, alimentado pela mídia, solapa e destrói experiências populares, solapa e destrói famílias, solapa e destrói vidas, sonhos, esperanças; solapa e destrói a democracia brasileira.

Citei para vocês apenas dois casos, para ilustrar essa memória necessária. Mas há centenas de outros, e o grupo “Lawfare nunca mais” tem feito um trabalho maravilhoso de levantamento, debate, exposição para mostrar que a prática da justiça como arma, que fere apenas aqueles que se colocam na linha de frente contra o autoritarismo e a manutenção das desigualdades, permanece muito viva no Brasil. E precisamos conhecer para entender, para combater e jamais esquecer. Só nos resta resistir.

 

·         ‘Tive que aprender a ignorar os ataques rasteiros da oposição’, diz Eliziane Gama sobre CPMI do 8 de janeiro

 

Passadas três semanas da entrega do relatório final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro, a relatora do processo, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), vive um novo momento e um pouco mais de paz. Ao longo dos últimos cinco meses em que esteve à frente do colegiado, a parlamentar foi alvo de ameaças de morte, além de ataques, comentários machistas e tentativa de silenciamento por parte de colegas da oposição. Agora, já com o relatório aprovado e incorporado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em diferentes investigações, Eliziane credita parte do resultado ao modo como decidiu ignorar as agressões bolsonaristas.

Foi o que ela destacou ao jornalista Juca Kfouri durante o programa Entre Vistas, exibido na quinta-feira (2) na TVT, em que compartilhou os bastidores do processo. “Todos os dias eu ia para a CPMI sabendo que teria um enfrentamento com algum parlamentar, sobretudo da oposição que faz, como ficou bem claro, um ataque muito rasteiro”, classificou. No primeiro mês de trabalho, a senadora tentava revidar os ataques, como fez ao ser provocada pelo senador Marco Feliciano (PL-SP), que acusou o colegiado de ser “rotulado”. Ao que Eliziane rebateu, apontando que Feliciano se comportava como uma “pessoa abjeta e misógina”.

·         Rotina de trabalho

Logo depois, no entanto, a senadora mudou de atitude e decidiu ignorar os ataques. “Porque não valia a pena. Não tem o que se debater com essas pessoas. (…) E eu fiz isso durante basicamente quatro meses de trabalho, não respondia a esses parlamentares especificamente”, comentou

“Receber o convocado que você vai interpelar sabendo que será interrompida, que ouvirá tumultos para desviar o foco, foi um verdadeiro exercício de concentração, de paciência. Porque eu tinha que simplesmente fechar os ouvidos para eles e focar no depoente para realmente ter um bom rendimento. Então num primeiro momento foi complicado. (…) Mas depois eu tomei a decisão de fato de ignorá-los. Porque para eles a única resposta que eu poderia dar era a indiferença e foi o que eu fiz. No final de tudo, de todos os depoimentos e informações que tivemos, não há dúvida nenhuma que essa forma que eu decidi tratar o decorrer dos trabalhos foi uma forma eficiente”, garantiu a Juca Kfouri.

·         Punição à altura

Por outro lado, até hoje, a senadora acumula mensagens de apoio de seguidores que acompanharam sua saga na comissão. Nesta semana, a Procuradoria-Geral da República (PGR) solicitou à relatora o compartilhamento de documentos secretos recebidos pelo colegiado durante a investigação sobre os ataques às sedes dos três poderes. O pedido foi visto como sinal de continuidade da investigação no Ministério Público Federal (MPF).

Em seu parecer, Eliziane pediu o indiciamento de 61 pessoas, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro. O grupo é acusado de associação criminosa, violência política, abolição violenta do Estado democrático de direito e golpe de Estado. A relatora também pediu punição à altura para os influenciadores e financiadores que fomentaram os atos golpistas. Assim como vem sendo aplicado sobre os executores, condenados pelo STF a penas que variam de 14 a 17 anos de prisão.

“Às vezes, as pessoas dizem: ‘Essa decisão do Supremo de 14, 15 e 17 anos (de prisão) é muito tempo’. Ela é e tem que ser mesmo, porque quem agride o Estado democrático de direito está agredindo toda uma nação brasileira. Quando você luta para a implantação de um golpe, você está querendo na verdade voltar o Brasil à censura, ao radicalismo e à tortura, que foi o que a gente viveu na ditadura militar”, destaca Eliziane. “Esse foi o cenário que a gente viveu. E se esse golpe tivesse dado certo, eu não estaria aqui falando contigo, Juca. Aliás, eu não sei nem onde estaríamos hoje, possivelmente buscando asilo em algum lugar”, concluiu a relatora.

 

·         Cid detalha funcionamento do gabinete do ódio em delação

 

O tenente-coronel Mauro Cid explicou aos investigadores o funcionamento do chamado “gabinete do ódio”, um grupo de assessores de Jair Bolsonaro (PL) cujo propósito é disseminar informações falsas contra adversários do bolsonarismo. Ao abordar o papel do militar, o subprocurador-geral da República Carlos Frederico Santos confirmou que possui “anexo sobre golpe, joias, vacina, gabinete do ódio, milícias digitais”.

A entrevista, que foi divulgada no domingo, foi concedida à revista Veja. Agentes federais encaminharam ao Supremo Tribunal Federal (STF) um relatório sobre as atividades das milícias digitais bolsonaristas, juntamente com um guia detalhado das etapas para os ataques.

A partir das revelações de Mauro Cid em sua delação, os investigadores buscam obter informações adicionais sobre as ações ilegais supostamente realizadas por Bolsonaro durante o seu mandato. Cid, que anteriormente atuou como ajudante de ordens do ex-presidente, afirmou que o ex-mandatário tentou ocultar indivíduos sob investigação relacionados a possíveis tentativas de golpe.

Neste ano de 2023, Mauro Cid alegou que Bolsonaro consultou militares a respeito de estratégias para realizar um golpe de Estado no Brasil. No celular do tenente, os investigadores descobriram um esboço de um plano para um golpe de Estado no país, que envolvia a declaração do estado de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e que estava concebido de acordo com as diretrizes da Constituição, ou seja, que previa estado de sítio “dentro das quatro linhas”.

O tenente-coronel foi detido em maio deste ano devido a irregularidades envolvendo os registros de vacinação de Bolsonaro. Em setembro, o ministro do STF, Alexandre de Moraes, deu seu aval para o acordo que permitiu que o tenente realizasse uma delação premiada.

O militar fornecerá informações adicionais sobre as alegadas atividades ilegais de Bolsonaro no contexto do inquérito relacionado às joias. De acordo com a lei, presentes recebidos por autoridades de outros países não podem ser incorporados ao patrimônio pessoal, devendo ser propriedade do Estado brasileiro.

 

Fonte: Observatório de DesInformação/RBA/O Cafezinho

 

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