terça-feira, 7 de novembro de 2023

Cacique Raoni: "Não respiramos mais ar puro nesta terra"

Sem conversar com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) desde que subiu a rampa do Planalto com o presidente eleito, em 1º de janeiro, o cacique caiapó Raoni — uma das lideranças indígenas mais conhecidas em todo o mundo — passou a semana em Brasília. Para marcar uma audiência com Lula, Raoni mobilizou a Funai, assessores palacianos e parlamentares. Sem resposta da Presidência, ele foi, ontem, ao Palácio do Planalto, mas não chegou ao gabinete presidencial. Foi recebido na Secretaria Nacional de Diálogos Sociais e Articulação de Políticas Públicas, comandada por Kelli Cristine de Oliveira Mafort.

Antes, Raoni conversou com a reportagem do Correio sobre demarcação de terras, violência contra lideranças, aquecimento global e proteção dos povos originários. Na entrevista, Raoni falou na língua caiapó, traduzida pelo neto Beptuk Metuktire.

•        Como o senhor avalia os 10 meses do governo Lula?

Tivemos uma época muito difícil sob a liderança do presidente Bolsonaro, tivemos muitos problemas, muitos desafios, e Lula começou (o governo) nos dando esse apoio, esse discurso de nos ajudar, de demarcar e proteger as terras indígenas. Quando eu penso em demarcações, eu penso na floresta. A floresta tem as suas folhas, e as folhas deixam a sombra para todos nós, para que a terra não se aqueça muito e para que possamos respirar. São esses pensamentos que eu venho compartilhando.

•        O senhor esteve na posse do presidente e, até agora, após 10 meses, ainda não conseguiu ser recebido por Lula. Qual a dificuldade para marcar esse encontro?

Quando eu me encontrei com ele na posse conversamos sobre demarcações de terras indígenas. Nós conversamos muito naquele dia sobre as questões indígenas e seus territórios, para que estejam protegidos e preservados, sem invasores. Eu estou em Brasília tentando conversar com Lula, aguardando algum horário ou dia para estar com ele.

•        Como o senhor vê a questão da demarcação das terras? Esse é o principal desafio dos povos originários?

Dentro da Câmara dos Deputados, algumas pessoas têm o pensamento contrário sobre demarcações de terras, ou seja, esses deputados não gostam de nós, indígenas. Quando nós pretendemos demarcar uma terra, eles sempre vêm (na direção). Eles estão muito contrários ao que nós pensamos, porque é um desafio também. Mas nós, povos indígenas, como todos aqui no Brasil, pensamos em estar firmes. Quando eles querem que a terra não seja demarcada, nós vamos até o fim para garantir nossas terras. Hoje, em volta dos territórios indígenas, não tem mais floresta, não existe mais natureza. Quando não existe mais natureza isso afeta os territórios. Nós, como povos indígenas vamos lutar pelos nossos territórios. Nós estamos lutando em defesa da vida.

•        Qual a sua avaliação a respeito do veto parcial da tese do Marco Temporal pelo presidente Lula?

Quando o Lula assinou para derrubar o marco temporal todos nós ficamos felizes por ele ter cumprido esse compromisso conosco. A decisão dele tem que continuar para que o marco temporal não volte.

•        Como o senhor vê a presença de garimpeiros, madeireiros e grileiros nas terras indígenas?

Isso não é bom, eu não gosto, eu não aceito. Nunca vou aceitar isso, pois, os próprios garimpeiros entram no território para destruir. Os madeireiros entram no território para destruir. Todos esses invasores precisam se retirar e fazer as atividades deles em outros locais que não sejam os territórios indígenas. Eu venho falando para todos que essas atividades ilegais precisam parar porque haverá consequências.

•        O que o governo tem feito de positivo e negativo em relação aos serviços que os povos indígenas necessitam nas suas comunidades?

Muito tempo atrás, nós tivemos vários profissionais que cuidavam muito bem dos pacientes, cuidavam de nós. Hoje, eu não vejo mais isso. Pessoas que vão para nossas aldeias não dão atenção para o paciente se tratar com qualidade, e até onde eu vejo, as gestantes também estão passando por uma situação muito difícil. Os doutores vão lá e querem fazer um parto cesáreo, e acabam fazendo errado. Por isso, eu conversei com a ministra da Saúde (Nísia Trindade) sobre essas questões e pedi a ela para solucionar esses problemas.

•        Como deveria ser esse atendimento?

Hoje, nós temos indígenas trabalhando na Funai, na saúde, e isso está acontecendo na minha base. Até mesmo no Instituto Raoni há um indígena. Mas o governo mudou essa visão de que os próprios indígenas têm que trabalhar nas nossas próprias coisas. Quando me encontrei com a ministra da Saúde, reforcei esse pedido apoio. E ela, rapidamente, conversou com o nosso pessoal da base do distrito (indígena) para poder ajudar. Ela mandou recursos para ajudar os nossos parentes. São essas ajudas que o governo já está dando.

•        O líder Tymbektodem Arara, da Terra Indígena Cachoeira Seca, no Pará, foi encontrado morto 16 dias após denunciar invasões de terras na ONU. Há muitos líderes vivendo sob ameaças?

Sobre ameaças contra lideranças, sobre as mortes das lideranças que estão acontecendo, quero pedir ao Lula que se comprometa em proteger as lideranças. Os brancos vem fazendo atividade ilícita e matam as lideranças quando fazem a exploração de garimpo. E eles continuam matando as lideranças.

•        Qual a sua avaliação do trabalho da ministra dos Povos Originários, Sônia Guajajara, e da presidente da Funai, Joenia Wapichana. É a primeira vez que mulheres indígenas ocupam esses espaços.

Venho acompanhando o trabalho delas sobre demarcação de terras. E venho recebendo informações de que elas estão trabalhando em prol das nossas comunidades.

•        O que significa para as comunidades indígenas se verem representadas por mulheres indígenas em dois cargos de comando?

Desde a campanha do Lula, eu vinha falando para ele que os próprios indígenas deveriam ocupar os espaços na Funai e em outros órgãos. Foi aí que elas entraram e começaram a trabalhar ajudando a comunidade, e eu vejo elas trabalhando bem. Eu fico refletindo que nós mesmos estamos ocupando espaços e fico feliz por elas.

•        Em uma entrevista, o senhor disse que, se nós continuarmos no ritmo que estamos de destruição da natureza, corremos o risco de desaparecer. Como o senhor vê as mudanças climáticas? Há tempo para salvar o planeta?

Por muito tempo, por muitos anos, eu me encontro com nossos criadores lá de cima, e eles vinham me alertando sobre o nosso planeta. (Me disseram que,) se a gente continuar destruindo o planeta, não vamos mais resistir nessa terra. Os nossos próprios criadores se preocupam conosco. Não são eles que vão nos matar, somos nós mesmos. Eu ainda converso com eles, que me alertam sobre as mudanças climáticas. Hoje, vocês estão vendo a seca, a falta de chuvas. Nós não estamos mais respirando um ar puro nessa terra, o mundo está mudando. Eu vou continuar alertando todos nós, nosso dever é cuidar da natureza. Se cuidarmos da natureza, vamos existir por muito tempo, mas, se a destruição continuar, todos nós vamos desaparecer. É nosso dever lutar por uma vida digna para sobreviver.

•        O que o senhor vê como proposta de esperança neste governo que ainda pode se concretizar?

Eu e o Lula já estamos numa idade muito avançada, estamos ficando muito velhos. Quando eu encontrei com ele, eu refleti e falei que ele terá que continuar nos ajudando, terá que ajudar todos os povos nesse Brasil de forma igual. E continuar ajudando até que ele possa se aposentar e indicar uma pessoa que ele confie e preserve esse legado dele. Nós, como povos indígenas, estamos muito bem depois de tudo que aconteceu no passado, muitos problemas, muitas dificuldades e sofrimento. Hoje, não temos mais isso. Por isso, o governo tem que continuar nesse caminho. Hoje estamos tranquilos, amanhã não sabemos. Se Lula sair, que alguém continue o legado dele.

 

       MPF aperta o cerco contra frigoríficos que contribuem com desmatamento na Amazônia

 

O gado abatido em frigoríficos na região amazônica está sendo monitorado pelo Ministério Público Federal (MPF).

O objetivo é evitar o comércio de carne de animais criados em áreas desmatadas. Até pouco tempo, apenas os bovinos do Pará eram monitorados. Agora, entraram na lista todos os estados do bioma Amazônia.

A iniciativa é parte de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado entre empresas e o MPF, em 2018. Pelo acordo, todos os signatários precisam contratar auditoria para acompanhar o rastreamento dos bovinos abatidos.

No caso das empresas que não firmaram o TAC e não contrataram auditoria própria para avaliar suas compras, as análises são feitas de forma automática pelo MPF com base nos dados disponíveis de Guia de Trânsito Animal e Cadastro Ambiental Rural (CAR).

As informações permitem ao público nacional e internacional saber quais são as empresas em toda a Amazônia brasileira que indicaram estar abertas à análise de suas compras de matéria-prima, para garantir o respeito à legislação socioambiental.

“As empresas que não se adequam e não fazem auditorias estão prejudicando a Amazônia. São empresas que estimulam uma série de irregularidades e de crimes, e o combate a esse tipo de atuação é o alvo principal de novas ações que o MPF vai ajuizar”, explica o procurador da República Ricardo Negrini.

•        Resultados

No Pará, onde outros quatro ciclos de auditorias já haviam sido realizados, a aferição deste ano abrangeu 78% do número de animais comercializados no estado. O que representa 11 pontos percentuais a mais que no ciclo de auditorias anterior.

No total, o número de animais comercializados no Pará por empresas auditadas chegou a 2,7 milhões de unidades no ciclo de auditorias realizadas e divulgadas em 2023.

No estado, o grau de inconformidade caiu de 10,40% do total de animais auditados no primeiro ciclo de auditorias, cujos resultados foram divulgados em 2018, para 4,81%, no ciclo divulgado agora.

O objetivo do MPF e instituições parceiras é que os números no Pará continuem em queda e que o comportamento também se repita nos demais estados da Amazônia.

Em Mato Grosso, dos três frigoríficos analisados, ambos com várias unidades no estado, dois tiveram 100% de conformidade e um deles de 98%.

Em Rondônia, uma empresa também apresentou 100% de respeito às normais socioambientais envolvendo os animais abatidos. E outra 88%.

No Acre, três frigoríficos foram auditados, com percentual de conformidade variando de 90% a 97%.

Já no Amazonas, das dez empresas que passaram por auditoria, duas apresentaram 100% de conformidade. As demais variaram de 86% a 99%.

Como próximas etapas, o MPF anunciou que dará continuidade aos trabalhos para a execução dos TACs das empresas signatárias não colaboradoras e para o ajuizamento de ações contra empresas que não assinaram TAC.

Também estão previstos o envio de recomendações aos varejistas e instituições financeiras e a realização de trabalho conjunto com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para fiscalização prioritária das empresas sem auditoria.

 

Fonte: Correio Braziliense/CNN Brasil

 

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