quinta-feira, 26 de outubro de 2023

Os militares por trás de vídeos ensinando como usar e manter metralhadoras do Exército

Logo após a revelação do furto de 21 metralhadoras do arsenal de guerra do Exército em Barueri (SP), militares colocaram panos quentes no caso ao afirmar que as armas desaparecidas estariam “inservíveis” e só funcionariam após manutenção. Em junho de 2020, porém, o próprio Exército publicou abertamente nas redes sociais uma série de vídeos didáticos com técnicas de manutenção e uso de um dos modelos furtados no último dia 10 de outubro – capaz de disparar 550 tiros de alto calibre por minuto – e ninguém foi responsabilizado pelo conteúdo, que deveria ser de uso interno dos militares.

Os vídeos ficaram públicos por mais de três anos em contas oficiais do Exército no Facebook e YouTube, sem qualquer restrição, como revelado pelo site Sociedade Militar. Com acesso ao material, removido das redes sociais pelo atual comando militar dias após o crime em São Paulo, a Agência Pública apurou quem eram os oficiais responsáveis pela obra – por comandarem batalhões e grupamentos que elaboraram os vídeos, afinal.

Militares de brigadas e batalhões subordinados ao Comando Militar do Sul, no Rio Grande do Sul, produziram as videoaulas ensinando modos de calibragem, manutenção e operação para metralhadoras Browning .50 – modelo cobiçado pelo crime organizado e que estava entre as armas levadas do arsenal militar em São Paulo. À época da produção dos vídeos didáticos, o Comando Militar do Sul estava sob responsabilidade do general Valério Stumpf Trindade, chefe do Estado-Maior do Exército até abril passado, quando ele passou para a reserva.

Os vídeos consultados pela Pública mostram que a iniciativa foi liderada pelo 3º Grupamento Logístico do Exército, que publicou o conteúdo em seu perfil no Facebook no dia 29 de junho de 2020. À época, o grupamento era comandado pelo então coronel de cavalaria Marcelo Lorenzini Zucco – irmão do deputado federal Zucco (Republicanos-RS), que presidiu a recente CPI contra o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) no Congresso.

Ainda no governo Bolsonaro, o militar Zucco virou comandante da 1ª Brigada de Infantaria de Selva, em Roraima. Era ele, afinal, quem comandava tropas na mesma região onde o garimpo avançou como nunca contra os indígenas Yanomami.

Em 2022, Marcelo Zucco foi cobrado durante uma audiência no Congresso por supostamente não combater efetivamente o garimpo ilegal, como relatado pelo observatório De Olho nos Ruralistas. Zucco voltou para o Comando Militar do Sul recentemente, quando foi nomeado como adido do Comando em maio passado, já no governo Lula.

O único militar que aparece nomeado nos vídeos é o major Jonas Chaves de Almeida, que foi promovido a tenente-coronel ainda no governo Bolsonaro, em 23 de agosto de 2022, como mostra o Diário Oficial da União. À época, ele era chefe de armamento do 3º Grupamento Logístico do Exército, organização subordinada à 3ª Região Militar e ao Comando Militar do Sul.

Em um dos vídeos, o militar explica que “o Exército Brasileiro conta com três modelos distintos de metralhadora .50” e que, juntamente com o 19º Batalhão de Infantaria Motorizado, o 3º Grupamento Logístico faria “os vídeos de instrução apresentando as diferenças e as formas de manejo e preparação para o tiro” dessas armas.

“Nos próximos vídeos desta série, iremos verificar com mais detalhes todos os cuidados e os procedimentos a serem adotados com cada um dos modelos do armamento”, afirma ainda o major, ao fim do conteúdo – com 4 minutos e 34 segundos de duração. O Exército só tirou o material de suas redes sociais após a notícia sobre o furto das metralhadoras, o pior do tipo registrado desde 2009, dentre as quais havia 13 metralhadoras Browning .50.

•        Major Jonas Chaves de Almeida, então chefe de armamento do 3º Grupamento Logístico do Exército

•        Vídeo mostra “todos os cuidados e os procedimentos a serem adotados com cada um dos modelos do armamento”

>>>> Oficiais foram promovidos ou para a reserva

Como anunciado pelo major Jonas nos vídeos, além de ser exibido por meio das logomarcas oficiais dos grupamentos e batalhões, o material teve apoio de outros braços do Comando Militar do Sul.

A série de vídeos sobre a metralhadora Browning .50 foi feita com apoio do Comando da 3ª Região Militar, então liderado pelo general de divisão Riyuzo Ikeda; do 19º Batalhão de Infantaria Motorizado, do então coronel Marcos Paulo Moreira da Silva; e do 3º Batalhão de Suprimento, do então tenente-coronel Jason Silva Diamantino.

Atualmente, o ex-comandante da 3ª Região Militar Riyuzo Ikeda trabalha como gerente de programa estratégico no Departamento de Educação e Cultura do Exército no Rio de Janeiro.

Riyuzo Ikeda foi nomeado para o cargo no Rio de Janeiro em 21 de setembro passado pelo atual comandante do Exército, general Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva. O militar trabalha no regime de Prestação de Tarefa por Tempo Certo – manobra usada à exaustão durante o governo Bolsonaro para conceder bônus salarial a militares que iam para a reserva. Conforme o Portal da Transparência, seu salário-base gira em torno de R$ 18 mil.

O ex-comandante do 19º Batalhão de Infantaria Motorizado coronel Marcos Paulo Moreira da Silva, por sua vez, entrou para a reserva remunerada do Exército em novembro de 2022, de acordo com o Diário Oficial da União. O militar passou à reserva “a pedido”, ou seja, por vontade própria, mantendo seu salário – pouco mais de R$17 mil, segundo o Portal da Transparência.

O ex-comandante do 3º Batalhão de Suprimento Jason Silva Diamantino segue na ativa, tendo sido promovido já no governo Lula ao cargo de coronel intendente. Atualmente, ele trabalha como diretor de contabilidade no Comando do Exército em Brasília, segundo o Diário Oficial da União, com vencimentos mensais na casa dos R$17 mil – conforme o Portal da Transparência.

A Pública perguntou ao Exército qual era a justificativa para disponibilizar tais conteúdos ao público em geral por mais de três anos. Além disso, questionou se a divulgação dos vídeos foi autorizada pelos comandantes das organizações militares envolvidas no caso e se o atual comandante da Força, general Tomás Miné Ribeiro Paiva, achava correta a decisão de manter tais vídeos abertos na internet por mais de três anos.

Em resposta, o Centro de Comunicação do Exército disse que os vídeos eram destinados aos oficiais do Comando Militar do Sul, “em virtude das peculiaridades e cuidados com o aquele tipo de armamento”, e que os conteúdos “foram removidos atendendo às orientações de segurança”.

Os militares disseram ainda que estariam tomando ações para “evitar que outros materiais dessa natureza voltem a circular”, sem mais detalhes. O Exército também não informou se algum procedimento interno de investigação foi – ou será – aberto para apurar responsabilidade de oficiais da ativa e da reserva pelo caso.

 

       PF aciona Exército e investiga o furto das armas de guerra

 

A Polícia Federal (PF) abriu investigação preliminar sobre o furto das 21 armas do Arsenal de Guerra em São Paulo e decidiu apurar o caso após o Exército nem sequer acionar a instituição policial para comunicar o ocorrido.

A Superintendência da PF em São Paulo já enviou ofícios ao Exército solicitando informações sobre o roubo. O procedimento em curso é chamado de “notícia-crime em investigação”, etapa que antecede a decisão sobre abertura ou não de um inquérito policial.

Para que o inquérito seja instaurado, são necessários dois pré-requisitos: a existência de crime e a atribuição da PF para investigá-lo.

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Segundo fontes da coluna, é inevitável que a Polícia Federal entre de cabeça no caso, uma vez que houve furto de armas de guerra [crime], um patrimônio da União [elemento que conferiria competência da corporação para atuar].

A PF é a polícia judiciária da União, e o não acionamento da instituição pelo Exército chamou a atenção de investigadores.

Na corporação, a Corregedoria é o órgão responsável por avaliar se estão presentes as condições necessárias para abrir o inquérito. E, uma vez que o parecer seja favorável ao procedimento, ele será instaurado independentemente da vontade do Exército, que toca a sua própria apuração interna.

Civis e militares deverão ser investigados

Caso queira o monopólio da investigação, o Exército poderá alegar que o furto das armas configura “crime militar”, única condição na qual a polícia judiciária (PF) ficaria de fora.

Contudo, o 8 de Janeiro é um exemplo robusto de que a Polícia Federal pode apurar a conduta de militares em inquérito. O furto das armas, por essa lógica, seria um crime com o envolvimento de militares, mas não um crime estritamente militar.

As armas furtadas em Barueri seriam vendidas para Comando Vermelho (CV) e Primeiro Comando da Capital (PCC), segundo o secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite.

Uma vez instaurado o inquérito, o que é muito provável, a Polícia Federal passará a investigar formalmente militares e civis envolvidos no caso. E eles poderão se tornar réus na Justiça comum.

•        Exército desiste de transferir militar após furto de armas

O Exército desistiu de transferir o tenente-coronel Rivelino Barata de Sousa Batista, responsável pelo Arsenal de Guerra em São Paulo, para Fortaleza. O militar chefiava o setor responsável pela guarda das 21 armas furtadas em Barueri.

Militares ouvidos pela coluna avaliaram que a transferência, que chegou a ser publicada no boletim interno do Exército, repercutiu negativamente. O receio é que o deslocamento fosse interpretado pela sociedade civil e por autoridades como um movimento para abafar o caso.

Se fosse concretizada, a mudança para Fortaleza renderia cerca de R$ 50 mil para Batista, em meio a benefícios que receberia pela transferência de estado.

Obtida pela coluna, a revogação do ato foi publicada em boletim interno da corporação. Procurado, o Exército se manifestou por meio de nota. Nela, informou ainda haver necessidade de Batista prestar serviço em São Paulo:

 “O Centro de Comunicação Social do Exército informa que a transferência do militar foi revogada por necessidade do serviço”.

Rivelino Barata de Sousa Batista foi exonerado da Diretoria do Arsenal de Guerra de São Paulo pelo comandante do Exército, Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva.

Para o lugar de Batista, foi nomeado o coronel Mário Victor Vargas Junior.

 

       Militares que furtaram armas do Exército podem pegar 27 anos de prisão

 

Os sete militares suspeitos de participação no furto de 21 metralhadoras do Arsenal de Guerra do Exército, em Barueri, na Grande São Paulo, podem pegar até 27 anos de prisão.

Segundo o Comando Militar do Sudeste (CMSE), o inquérito do sumiço das armas aponta, até o momento, que os militares podem ter cometido os seguintes crimes: furto, peculato e receptação, além de desaparecimento, consunção ou extravio. O oferecimento da denúncia vai ficar a cargo do Ministério Público Militar (MPM).

Especialista em direito militar, Abelardo Julio da Rocha explica que, caso sejam condenados na Justiça Militar, a sentença somaria as penas de todos esses delitos – ao contrário da Justiça comum, que aplicaria a punição do crime mais grave.

 “O Processo Penal Militar é muito mais duro”, diz o advogado. “Na Justiça comum, seria considerado o princípio de crime continuado, ou seja, como se um ato fosse levando a outro, e a pena final seria aplicada de acordo com o delito mais grave. Já a Justiça Militar aplica o concurso formal de crime, que soma todas as penas.”

Crimes

Sete militares são investigados criminalmente por suposto envolvimento no furto das armas do Arsenal de Guerra de São Paulo. Além deles, 20 militares respondem a processos administrativos por suposta negligência no controle do armamento.

Para o crime de furto, o Código Penal Militar prevê pena de dois a oito anos de prisão se o delito tiver sido cometido por um grupo de duas ou mais pessoas, como é o caso.

A punição mais grave, no entanto, é para o crime de peculato, quando o militar se apropria de “dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel” para “desviá-lo em proveito próprio ou alheio”. A pena é de três a 12 anos de cadeia.

Já o crime de receptação pode render de um a quatro anos de prisão. Segundo a legislação militar, o delito se caracteriza por “adquirir, receber ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa fé, a adquira, receba ou oculte.”

O sumiço de munição – chamado de desaparecimento, consunção ou extravio – também pode render de um a três anos de prisão. O delito está previsto no artigo 214 do Código Penal Militar.

•        Furto das armas

O furto das 13 metralhadoras calibre .50, que podem derrubar aeronaves, e de oito calibre 7,62, que perfuram veículos blindados, foi revelado pelo Metrópoles. A ação criminosa teria ocorrido entre os dias 5 e 8 de setembro e só foi descoberta no último dia 10/10, durante inspeção no quartel.

Até o momento, 17 das 21 metralhadoras furtadas foram recuperadas pela polícia — oito em uma comunidade na zona oeste do Rio de Janeiro e nove em São Roque, no interior de São Paulo. Ninguém foi preso até o momento. As duas polícias ainda buscam as quatro armas restantes, que são metralhadoras calibre .50.

Em entrevista coletiva concedida no último domingo (22/10), o general Maurício Vieira Gama, chefe do Estado-Maior do Sudeste, afirmou que há praças e oficiais na relação de suspeitos que “serão punidos ou por ação ou por inação”.

Assim que o crime foi descoberto, todo o quartel – cerca de 480 militares – foi retido para que o Exército ouvisse depoimentos e reduzisse a quantidade de suspeitos envolvidos no episódio. O aquartelamento foi encerrado nessa terça-feira (24/10).

Segundo a Polícia Civil, as armas furtadas seriam vendidas para as facções Primeiro Comando da Capital (PCC), de Sâo Paulo, e Comando Vermelho (CV), do Rio, que recusaram o armamento por falta de peças e por causa do estado de conservação das metralhadoras.

 

Fonte: Por Caio de Freitas Paes, da Agencia Pública/Metrópoles

 

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