O General Ridauto: Papel das Operações Psicológicas do Exército no 8 de
janeiro
O General da reserva Ridauto Lúcio Fernandes tem
sido um nome de destaque nas últimas manchetes de jornais e sites. Recentemente
associado a eventos significativos e investigações em andamento, ele é um dos
últimos alvos da Operação Lesa Pátria.
Em decorrência dos atos de 8 de janeiro vários
oficiais e graduados do Exército, Marinha e Aeronáutica têm sido citados em
investigações e processos. Os generais CID, Ridauto e o deputado-general Girão
Monteiro são alguns desses militares.
• Associação
com os “Kids Pretos”
Ridauto tem sido mencionado pela mídia comum como
parte de um grupo especializado dentro do Exército Brasileiro, apelidado de
“kids pretos”. Este grupo seria – segundo a mídia e até comentários feitos por
parlamentares na CPI do 8 de janeiro – composto por militares especializados em
operações especiais, focados em ações de sabotagem e até de incentivo a
revoltas populares, sendo considerados a elite de combate do Exército. A
existência e atuação deste grupo têm sido objeto de investigação, especialmente
em relação à sua participação nos eventos de Janeiro.
• O que
são os Kids Pretos
A expressão “Kid Preto” originou-se na década de
1970, durante o regime militar, sendo estabelecida inicialmente como um apelido
para denotar o líder das Forças de Operações Especiais (FOpEsp) do Exército
Brasileiro (EB). O apelido tornou-se proeminente durante missões que
enfrentaram grupos guerrilheiros com inclinação comunista na área do rio
Araguaia, localizada na divisa dos estados do Mato Grosso, Maranhão, Pará e
Goiás, território que pertence atualmente ao estado de Tocantins.
O uso desta denominação perdurou, sendo
historicamente atribuído ao comandante do 1° Batalhão de Forças Especiais (1°
BFEsp). Contudo, “Kid Preto” atualmente é uma espécie de apelido empregado para
caracterizar um militar reconhecido como altamente capacitado e operativo,
quase sempre operador de Forças Especiais, paraquedista e comandos, mas não necessariamente.
Ao contrário do que se tem dito, ex-militares que
pertenceram às brigadas paraquedistas, apontados como lideranças nos movimentos
que antecederam o 8 de janeiro não são “kids pretos”. Esses ex-militares
oriundos do serviço militar inicial acabaram ocupando posições de destaque por
conta de sua postura e linguajar militar, que alguns carregam décadas depois de
terem deixado as Forças Armadas. Recentemente, conforme aponta artigo na
Revista Sociedade Militar, esses reservistas receberam permissão do Exército
Brasileiro para usar a alcunha “veteranos” e muitos manifestantes os enxergaram
como uma espécie de ponto de contato com as FA.
• Incentivo
a revoltas populares
Militares especializados em Operações Psicológicas,
não necessariamente operadores de forças especiais (FE), já que a “disciplina”
está mais ligada à comunicação social, de fato têm instruções sobre como
empregar técnicas para conseguir o apoio e engajamento de grupos de pessoas e
até grandes parcelas da população em determinadas causas que concordem ou que
facilitem a consecução de determinados objetivos militares. Entretanto, não há
prova de que isso tenha sido feito de forma sistemática ao longo dos últimos
meses.
Segundo os manuais reservados do Exército
Brasileiro: “As Op Psico, quando empregadas em proveito direto das unidades
operacionais, incrementam seu poder de combate e podem reduzir-lhes as perdas
humanas e materiais”.
Os mesmos manuais ensinam os militares a usar
ferramentas midiáticas para movimentar grandes massas, influindo em suas
convicções mais profundas.
“… A
propaganda é a grande ferramenta das Op Psico, mas não se deve confundí-la com
a propaganda do tipo comercial, já que enquanto esta visa basicamente a influir
na opção de compra de um produto, aquela procura influir em convicções mais
profundas”.
• O que
os manuais de Operações Psicológicas dizem sobre a propaganda
“… capaz de
atingir camadas consideráveis de indivíduos. Por isso mesmo, ela diz respeito,
sempre, a alguma coisa que, de certa forma, é aceita ou desejada por todos.
Nascida das motivações existentes, consegue mais espontaneamente adesão
voluntária do público-alvo, levando-o a agir em direção a um objetivo que
corresponde, simultaneamente, aos seus sentimentos e aos desígnios de quem a
emprega.” E
“sua carga de apelo, sua capacidade de capitalizar,
num dado local e num dado momento, reações psicológicas favoráveis.”
• Participação
nos Atos de Janeiro
No dia 8 de Janeiro, o Brasil testemunhou invasões
e depredações significativas em locais como o Palácio do Planalto, o Congresso
Nacional e o STF, com danos ao patrimônio público – dizem as autoridades –
estimados em R$ 40 milhões. Ridauto, general do Exército é apontado como
suspeito de participação. Ele foi visto na Praça dos Três Poderes como participante
ativo dos atos antidemocráticos, gravando imagens de si mesmo durante a
invasão.
• Atuação
no Ministério da Saúde
Antes de se tornar foco de investigações, Ridauto
serviu como diretor de Logística do Ministério da Saúde durante o governo
Bolsonaro, sob a gestão de Eduardo Pazuello. Ele foi nomeado para o cargo em
julho de 2021, após a exoneração de Roberto Dias Ferreira, acusado de solicitar
propina em contratos para a compra de vacinas contra a Covid-19.
• Investigação
e Desdobramentos
A Polícia Federal, por meio da Operação Lesa
Pátria, tem conduzido investigações para esclarecer o verdadeiro papel de
Ridauto e outros militares especializados nos eventos de 8 de Janeiro. Seus
ativos foram bloqueados por determinação do Supremo Tribunal Federal, e ele depôs
na sede da PF em 29 de Setembro de 2023.
A
utilidade dos kids pretos, verdes e amarelos. Por Moisés Mendes
Os generais Augusto Heleno e Ridauto Lúcio
Fernandes poderiam se sentar um dia à sombra de uma árvore do buriti, no meio
do cerrado, e conversar sobre o que fizeram como militares com sólida formação
para ações que exigem bravura e preparo técnico fora do comum.
Augusto Heleno poderia começar dizendo que, no
depoimento à CPI do Golpe, há poucos dias, deu uma informação antes de qualquer
outra, para dizer quem era.
Informou que fez cursos de paraquedismo, de guerra
na selva e de educação física e ainda se dedicou a treinamento de mestre de
saltos de paraquedas, o que é um acréscimo em relação ao primeiro item.
Parecem informações irrelevantes, como quando
alguém diz que foi escoteiro e fez curso de primeiros socorros na floresta, mas
nesse caso não é.
Heleno quis deixar claro que sua carreira começa
com uma base de soldado de luta, que tem preparo para quaisquer enfrentamentos
e guerras.
Foi assim que, no topo, chegou ao posto de gestor
das tropas brasileiras que estiveram no Haiti como interventoras em nome da
ONU.
Mas o general Heleno, em 45 anos de Exército, nunca
participou de nada relevante no Brasil para o qual foi preparado como saltador
de paraquedas e soldado das selvas. Se tivesse participado, teria dito na CPI.
Heleno diria ao colega dos kids pretos que foi, na
verdade, um oficial de gabinete, desde que em 1974, assumiu a ajudância de
ordens do então ministro do Exército Silvio Frota. O resto todo mundo sabe.
Ridauto Lúcio Fernandes contaria ao ex-chefe do GSI
que foi um kid preto esforçado e que, nessa área de formação para ações
especiais, foi mais longe do que Heleno.
Tem técnicas de militar de elite. Inteligência,
agilidade, força física, discernimento, capacidade de manter o planejamento e a
execução de ações perigosas sob sigilo. São as virtudes de um kid preto, das
forças especiais do Exército.
Ridauto diria a Heleno, apenas para reafirmar,
porque ele já sabe, que Mauro Cid, Eduardo Pazuello e Luiz Eduardo Ramos também
são kis pretos. E que, no 8 de janeiro, ele estava lá na Praça dos Três
Poderes.
E iriam conversando, até que chegariam à conclusão,
mesmo que sem nada a dizer a respeito, que nunca deram saltos de paraquedas em
áreas de conflito, nunca participaram de guerras como soldados, nunca
defenderam o Brasil de nenhuma invasão.
Heleno poderia dizer que a situação no Haiti era de
guerra civil, mas o outro diria que não vale, até porque o Haiti não é aqui, e
as intervenções brasileiras lá sempre foram muito controversas.
Ridauto, de quem se procura e nada se encontra de
importante que o habilite a ser reconhecido como um militar especial, nada
teria a dizer a Heleno sobre suas ações especiais antes de 8 de janeiro.
Ambos iriam concluir que saltaram de paraquedas,
deram tiros, mantiveram operações secretas em sigilo, esforçaram-se para vencer
terríveis inimigos, mas sempre em treinamentos, em situações simuladas.
Heleno, que já se definiu várias vezes como um
frasista jocoso quando ataca o Supremo e as instituições, tem um currículo que
o vincula hoje muito mais a uma tentativa de golpe, e por isso foi depor na
CPI, do que a atos de bravura.
E Ridauto, preparado para enfrentar terroristas,
estava ao lado deles no 8 de janeiro. Foi treinado para agir em silêncio em
ações perigosas, mas fez vídeos do que via e ajudava a acontecer em Brasília
naquele dia.
Estava ali, ao lado de terroristas, um general que
já havia se apresentado nas redes sociais como um soldado disposto a dar a vida
pelo país.
A árvore do buriti seria testemunha de uma conversa
entre duas figuras preocupadas em identificar o que teriam feito de útil como
militares habilitados para a guerra. O que kids pretos, verdes e amarelos
fizeram até
hoje como guardiões do país? Até uma árvore sabe.
Ao final da conversa, como consolo, poderiam dizer
um ao outro que estiveram sempre de prontidão, inclusive para golpes, e isso é
o que importa. Na hora de ir embora, bateriam continência e gritariam às
gargalhadas: selva!!!
Marinha
não informa que ex-ministro de Bolsonaro segue no Almirantado
A Marinha não informa a composição de sua cúpula, o
Almirantado, e esconde que o almirante Flávio Rocha, ex-secretário do Planalto
no governo Bolsonaro, integra o colegiado. Como o nome de Flávio Rocha não
consta do site da Marinha, a coluna solicitou formalmente as informações três
vezes na última semana e não obteve resposta. Outro integrante da cúpula da
Força confirmou à coluna que Rocha compõem o colegiado.
Há dez dias, veio a público parte da delação
premiada firmada pelo tenente-coronel Mauro Cid, ex-auxiliar de Jair Bolsonaro,
com a Polícia Federal. Segundo Cid, o então comandante da Marinha, almirante
Almir Garnier, sinalizou de maneira positiva com a proposta de Bolsonaro de
seguir com um plano golpista após a derrota nas urnas para Lula. Garnier segue
em silêncio até hoje sobre o episódio.
Nesse contexto, a composição do Almirantado é
importante para que se investigue se Garnier teve respaldo da cúpula,
praticamente a mesma até hoje, para seu suposto plano golpista.
No site da Marinha, não há qualquer menção à
formação do Almirantado. Há uma página intitulada “Relação de autoridades”, com
o nome do comandante e de diretores da Marinha.
A coluna fez três pedidos de informação à
assessoria de imprensa da Marinha. Primeiro, no dia 21, perguntou quais são os
atuais integrantes do Almirantado e qual era a formação do colegiado em
novembro do ano passado, período da articulação golpista delatada por Cid. A
Marinha não respondeu às perguntas e enviou uma nota oficial genérica negando
irregularidades.
No último dia 25, a coluna fez uma nova demanda à
assessoria de imprensa da Marinha. Desta vez, especificamente sobre o almirante
Flávio Rocha, que foi secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência
durante quase três anos do governo Bolsonaro e era um conselheiro do então
presidente.
“Flávio Rocha já fez parte do Almirantado? Caso
positivo, de quando a quando?”.
Em resposta, no dia seguinte, a Marinha disse que
Rocha entrou para o Almirantado em novembro de 2021, mas não informou se ele
continua no colegiado. Citou que Rocha foi para o Palácio do Planalto de
novembro de 2020 a dezembro de 2022, e que, desde janeiro de 2023, era assessor
do Comando da Marinha.
Em novo email, as perguntas foram reforçadas pela
coluna, que voltou a questionar detalhes sobre a atual composição do
Almirantado. A Marinha ainda não respondeu se Rocha compõe ou não a cúpula.
Esquerda
quer orientar militares das Forças Armadas “para uma visão anti-imperialista”
Militares das Forças Armadas de camadas médias e da
base da estrutura hierárquica durante os últimos anos se distanciaram de Jair
Bolsonaro e da direita na medida em que durante o último governo foram
aprovadas novas regras que reforçaram as diferenças salariais e retiraram
direitos de pensionistas e de militares da base da estrutura.
Uma das primeiras ações implementadas por Bolsonaro
foi a apresentação de uma lei que modificou a estrutura remuneratória das
Forças Armadas, privilegiando os valores pagos para cursos de militares
oriundos de academias de elite como AMAN e AFA, deixando as camadas mais
populares, o chamado povo fardado, sem reajustes nos mesmos índices em seus
cursos. Procurado por sargentos, o então presidente não quis comentar o
assunto.
Logo após a apresentação do projeto de lei, por
meio de seu porta voz oficial, Jair Bolsonaro disse que as chamadas baixas
patentes ou baixos estamentos não tinham o direito de tentar levar ao
conhecimento da sociedade as eventuais questões salariais que os afligiam. Naquele
momento os sargentos lutavam para que a imprensa e os parlamentares percebessem
o que ocorria.
Durante a tramitação do projeto de lei, numerado
como 1645 de 2019, os militares de baixa patente acabaram ignorados pela base
do governo, que se aliou à cúpula militar. O próprio Hélio Lopes não aderiu a
causa de seus companheiros de farda, apesar de em Off admitir que concordava
com o pleito dos graduados. Para
surpresa de muitos – os parlamentares que realizavam a defesa dos militares de
baixa patente foram da oposição, ligados a partidos como o PSol do Rio de
Janeiro.
Após 3 anos da aprovação da nova legislação um
grande grupo de militares já se consolidou ao redor de Glauber Braga, que se
reelegeu no Rio com muitos votos atribuídos a essa parcela das Forças Armadas.
Uma comparação entre os votos recebidos em 2018 e
2022 por Hélio Lopes com os recebidos por Glauber Braga nos mesmos pleitos
ajuda a deixar evidente que pode ter ocorrido uma migração. Enquanto Hélio
Lopes, graduado das Forças Armadas que seria o candidato natural da categoria,
teve uma queda de mais de 38% no número de votos recebidos, o candidato Glauber
Braga do PSOL teve um acréscimo de 95% no número de votos recebidos.
Em municípios com grande número de militares das
Forças Armadas, como é o caso de São Gonçalo-RJ, o candidato do Psol cresceu
mais de 170% em votos recebidos.
Ouvido sobre o assunto pelo jornal o Correio
Brasiliense o deputado psolista admite que além de defender a categoria quer
estabeleceu uma guinada no pensamento militar para uma “visão
anti-imperialista”, que combateria o que foi imposto por Jair Bolsonaro ao
longo dos últimos anos.
“Com essa
lei, Bolsonaro só olhou para os oficiais e deixou para trás mais de 80% das
Forças Armadas. A esquerda tem que lutar pela garantia de direitos de praças e
com isso disputá-los também para uma orientação anti-imperialista, exatamente o
contrário do que fez o governo passado”
Em congressos do PSOL ocorridos no Rio de Janeiro
já se percebe a presença de militares graduados na mesa principal, além das
reuniões frequentes realizadas com a categoria, o que indica que as Forças
Armadas não são mais “território” da direita. O PSOL conta hoje com pelo menos
seis ações legislativas relacionadas a direitos militares de baixa patente e
suboficiais e sargentos ligados ao partido lutam para criar uma frente
parlamentar de praças das Forças Armadas na Câmara dos Deputados.
Fonte: Revista Sociedade Militar/Metrópoles
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