terça-feira, 3 de outubro de 2023

O General Ridauto: Papel das Operações Psicológicas do Exército no 8 de janeiro

O General da reserva Ridauto Lúcio Fernandes tem sido um nome de destaque nas últimas manchetes de jornais e sites. Recentemente associado a eventos significativos e investigações em andamento, ele é um dos últimos alvos da Operação Lesa Pátria.

Em decorrência dos atos de 8 de janeiro vários oficiais e graduados do Exército, Marinha e Aeronáutica têm sido citados em investigações e processos. Os generais CID, Ridauto e o deputado-general Girão Monteiro são alguns desses militares.

•        Associação com os “Kids Pretos”

Ridauto tem sido mencionado pela mídia comum como parte de um grupo especializado dentro do Exército Brasileiro, apelidado de “kids pretos”. Este grupo seria – segundo a mídia e até comentários feitos por parlamentares na CPI do 8 de janeiro – composto por militares especializados em operações especiais, focados em ações de sabotagem e até de incentivo a revoltas populares, sendo considerados a elite de combate do Exército. A existência e atuação deste grupo têm sido objeto de investigação, especialmente em relação à sua participação nos eventos de Janeiro.

•        O que são os Kids Pretos

A expressão “Kid Preto” originou-se na década de 1970, durante o regime militar, sendo estabelecida inicialmente como um apelido para denotar o líder das Forças de Operações Especiais (FOpEsp) do Exército Brasileiro (EB). O apelido tornou-se proeminente durante missões que enfrentaram grupos guerrilheiros com inclinação comunista na área do rio Araguaia, localizada na divisa dos estados do Mato Grosso, Maranhão, Pará e Goiás, território que pertence atualmente ao estado de Tocantins.

O uso desta denominação perdurou, sendo historicamente atribuído ao comandante do 1° Batalhão de Forças Especiais (1° BFEsp). Contudo, “Kid Preto” atualmente é uma espécie de apelido empregado para caracterizar um militar reconhecido como altamente capacitado e operativo, quase sempre operador de Forças Especiais, paraquedista e comandos, mas não necessariamente.

Ao contrário do que se tem dito, ex-militares que pertenceram às brigadas paraquedistas, apontados como lideranças nos movimentos que antecederam o 8 de janeiro não são “kids pretos”. Esses ex-militares oriundos do serviço militar inicial acabaram ocupando posições de destaque por conta de sua postura e linguajar militar, que alguns carregam décadas depois de terem deixado as Forças Armadas. Recentemente, conforme aponta artigo na Revista Sociedade Militar, esses reservistas receberam permissão do Exército Brasileiro para usar a alcunha “veteranos” e muitos manifestantes os enxergaram como uma espécie de ponto de contato com as FA.

•        Incentivo a revoltas populares

Militares especializados em Operações Psicológicas, não necessariamente operadores de forças especiais (FE), já que a “disciplina” está mais ligada à comunicação social, de fato têm instruções sobre como empregar técnicas para conseguir o apoio e engajamento de grupos de pessoas e até grandes parcelas da população em determinadas causas que concordem ou que facilitem a consecução de determinados objetivos militares. Entretanto, não há prova de que isso tenha sido feito de forma sistemática ao longo dos últimos meses.

Segundo os manuais reservados do Exército Brasileiro: “As Op Psico, quando empregadas em proveito direto das unidades operacionais, incrementam seu poder de combate e podem reduzir-lhes as perdas humanas e materiais”.

Os mesmos manuais ensinam os militares a usar ferramentas midiáticas para movimentar grandes massas, influindo em suas convicções mais profundas.

“…  A propaganda é a grande ferramenta das Op Psico, mas não se deve confundí-la com a propaganda do tipo comercial, já que enquanto esta visa basicamente a influir na opção de compra de um produto, aquela procura influir em convicções mais profundas”.

•        O que os manuais de Operações Psicológicas dizem sobre a propaganda

 “… capaz de atingir camadas consideráveis de indivíduos. Por isso mesmo, ela diz respeito, sempre, a alguma coisa que, de certa forma, é aceita ou desejada por todos. Nascida das motivações existentes, consegue mais espontaneamente adesão voluntária do público-alvo, levando-o a agir em direção a um objetivo que corresponde, simultaneamente, aos seus sentimentos e aos desígnios de quem a emprega.” E

“sua carga de apelo, sua capacidade de capitalizar, num dado local e num dado momento, reações psicológicas favoráveis.”

•        Participação nos Atos de Janeiro

No dia 8 de Janeiro, o Brasil testemunhou invasões e depredações significativas em locais como o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o STF, com danos ao patrimônio público – dizem as autoridades – estimados em R$ 40 milhões. Ridauto, general do Exército é apontado como suspeito de participação. Ele foi visto na Praça dos Três Poderes como participante ativo dos atos antidemocráticos, gravando imagens de si mesmo durante a invasão.

•        Atuação no Ministério da Saúde

Antes de se tornar foco de investigações, Ridauto serviu como diretor de Logística do Ministério da Saúde durante o governo Bolsonaro, sob a gestão de Eduardo Pazuello. Ele foi nomeado para o cargo em julho de 2021, após a exoneração de Roberto Dias Ferreira, acusado de solicitar propina em contratos para a compra de vacinas contra a Covid-19.

•        Investigação e Desdobramentos

A Polícia Federal, por meio da Operação Lesa Pátria, tem conduzido investigações para esclarecer o verdadeiro papel de Ridauto e outros militares especializados nos eventos de 8 de Janeiro. Seus ativos foram bloqueados por determinação do Supremo Tribunal Federal, e ele depôs na sede da PF em 29 de Setembro de 2023.

 

       A utilidade dos kids pretos, verdes e amarelos. Por  Moisés Mendes

 

Os generais Augusto Heleno e Ridauto Lúcio Fernandes poderiam se sentar um dia à sombra de uma árvore do buriti, no meio do cerrado, e conversar sobre o que fizeram como militares com sólida formação para ações que exigem bravura e preparo técnico fora do comum.

Augusto Heleno poderia começar dizendo que, no depoimento à CPI do Golpe, há poucos dias, deu uma informação antes de qualquer outra, para dizer quem era.

Informou que fez cursos de paraquedismo, de guerra na selva e de educação física e ainda se dedicou a treinamento de mestre de saltos de paraquedas, o que é um acréscimo em relação ao primeiro item.

Parecem informações irrelevantes, como quando alguém diz que foi escoteiro e fez curso de primeiros socorros na floresta, mas nesse caso não é.

Heleno quis deixar claro que sua carreira começa com uma base de soldado de luta, que tem preparo para quaisquer enfrentamentos e guerras.

Foi assim que, no topo, chegou ao posto de gestor das tropas brasileiras que estiveram no Haiti como interventoras em nome da ONU.

Mas o general Heleno, em 45 anos de Exército, nunca participou de nada relevante no Brasil para o qual foi preparado como saltador de paraquedas e soldado das selvas. Se tivesse participado, teria dito na CPI.

Heleno diria ao colega dos kids pretos que foi, na verdade, um oficial de gabinete, desde que em 1974, assumiu a ajudância de ordens do então ministro do Exército Silvio Frota. O resto todo mundo sabe.

Ridauto Lúcio Fernandes contaria ao ex-chefe do GSI que foi um kid preto esforçado e que, nessa área de formação para ações especiais, foi mais longe do que Heleno.

Tem técnicas de militar de elite. Inteligência, agilidade, força física, discernimento, capacidade de manter o planejamento e a execução de ações perigosas sob sigilo. São as virtudes de um kid preto, das forças especiais do Exército.

Ridauto diria a Heleno, apenas para reafirmar, porque ele já sabe, que Mauro Cid, Eduardo Pazuello e Luiz Eduardo Ramos também são kis pretos. E que, no 8 de janeiro, ele estava lá na Praça dos Três Poderes.

E iriam conversando, até que chegariam à conclusão, mesmo que sem nada a dizer a respeito, que nunca deram saltos de paraquedas em áreas de conflito, nunca participaram de guerras como soldados, nunca defenderam o Brasil de nenhuma invasão.

Heleno poderia dizer que a situação no Haiti era de guerra civil, mas o outro diria que não vale, até porque o Haiti não é aqui, e as intervenções brasileiras lá sempre foram muito controversas.

Ridauto, de quem se procura e nada se encontra de importante que o habilite a ser reconhecido como um militar especial, nada teria a dizer a Heleno sobre suas ações especiais antes de 8 de janeiro.

Ambos iriam concluir que saltaram de paraquedas, deram tiros, mantiveram operações secretas em sigilo, esforçaram-se para vencer terríveis inimigos, mas sempre em treinamentos, em situações simuladas.

Heleno, que já se definiu várias vezes como um frasista jocoso quando ataca o Supremo e as instituições, tem um currículo que o vincula hoje muito mais a uma tentativa de golpe, e por isso foi depor na CPI, do que a atos de bravura.

E Ridauto, preparado para enfrentar terroristas, estava ao lado deles no 8 de janeiro. Foi treinado para agir em silêncio em ações perigosas, mas fez vídeos do que via e ajudava a acontecer em Brasília naquele dia.

Estava ali, ao lado de terroristas, um general que já havia se apresentado nas redes sociais como um soldado disposto a dar a vida pelo país.

A árvore do buriti seria testemunha de uma conversa entre duas figuras preocupadas em identificar o que teriam feito de útil como militares habilitados para a guerra. O que kids pretos, verdes e amarelos fizeram até

hoje como guardiões do país? Até uma árvore sabe.

Ao final da conversa, como consolo, poderiam dizer um ao outro que estiveram sempre de prontidão, inclusive para golpes, e isso é o que importa. Na hora de ir embora, bateriam continência e gritariam às gargalhadas: selva!!!

 

       Marinha não informa que ex-ministro de Bolsonaro segue no Almirantado

 

A Marinha não informa a composição de sua cúpula, o Almirantado, e esconde que o almirante Flávio Rocha, ex-secretário do Planalto no governo Bolsonaro, integra o colegiado. Como o nome de Flávio Rocha não consta do site da Marinha, a coluna solicitou formalmente as informações três vezes na última semana e não obteve resposta. Outro integrante da cúpula da Força confirmou à coluna que Rocha compõem o colegiado.

Há dez dias, veio a público parte da delação premiada firmada pelo tenente-coronel Mauro Cid, ex-auxiliar de Jair Bolsonaro, com a Polícia Federal. Segundo Cid, o então comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, sinalizou de maneira positiva com a proposta de Bolsonaro de seguir com um plano golpista após a derrota nas urnas para Lula. Garnier segue em silêncio até hoje sobre o episódio.

Nesse contexto, a composição do Almirantado é importante para que se investigue se Garnier teve respaldo da cúpula, praticamente a mesma até hoje, para seu suposto plano golpista.

No site da Marinha, não há qualquer menção à formação do Almirantado. Há uma página intitulada “Relação de autoridades”, com o nome do comandante e de diretores da Marinha.

A coluna fez três pedidos de informação à assessoria de imprensa da Marinha. Primeiro, no dia 21, perguntou quais são os atuais integrantes do Almirantado e qual era a formação do colegiado em novembro do ano passado, período da articulação golpista delatada por Cid. A Marinha não respondeu às perguntas e enviou uma nota oficial genérica negando irregularidades.

No último dia 25, a coluna fez uma nova demanda à assessoria de imprensa da Marinha. Desta vez, especificamente sobre o almirante Flávio Rocha, que foi secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência durante quase três anos do governo Bolsonaro e era um conselheiro do então presidente.

“Flávio Rocha já fez parte do Almirantado? Caso positivo, de quando a quando?”.

Em resposta, no dia seguinte, a Marinha disse que Rocha entrou para o Almirantado em novembro de 2021, mas não informou se ele continua no colegiado. Citou que Rocha foi para o Palácio do Planalto de novembro de 2020 a dezembro de 2022, e que, desde janeiro de 2023, era assessor do Comando da Marinha.

Em novo email, as perguntas foram reforçadas pela coluna, que voltou a questionar detalhes sobre a atual composição do Almirantado. A Marinha ainda não respondeu se Rocha compõe ou não a cúpula.

 

       Esquerda quer orientar militares das Forças Armadas “para uma visão anti-imperialista”

 

Militares das Forças Armadas de camadas médias e da base da estrutura hierárquica durante os últimos anos se distanciaram de Jair Bolsonaro e da direita na medida em que durante o último governo foram aprovadas novas regras que reforçaram as diferenças salariais e retiraram direitos de pensionistas e de militares da base da estrutura.

Uma das primeiras ações implementadas por Bolsonaro foi a apresentação de uma lei que modificou a estrutura remuneratória das Forças Armadas, privilegiando os valores pagos para cursos de militares oriundos de academias de elite como AMAN e AFA, deixando as camadas mais populares, o chamado povo fardado, sem reajustes nos mesmos índices em seus cursos. Procurado por sargentos, o então presidente não quis comentar o assunto.

Logo após a apresentação do projeto de lei, por meio de seu porta voz oficial, Jair Bolsonaro disse que as chamadas baixas patentes ou baixos estamentos não tinham o direito de tentar levar ao conhecimento da sociedade as eventuais questões salariais que os afligiam. Naquele momento os sargentos lutavam para que a imprensa e os parlamentares percebessem o que ocorria.

Durante a tramitação do projeto de lei, numerado como 1645 de 2019, os militares de baixa patente acabaram ignorados pela base do governo, que se aliou à cúpula militar. O próprio Hélio Lopes não aderiu a causa de seus companheiros de farda, apesar de em Off admitir que concordava com o pleito dos graduados.  Para surpresa de muitos – os parlamentares que realizavam a defesa dos militares de baixa patente foram da oposição, ligados a partidos como o PSol do Rio de Janeiro.

Após 3 anos da aprovação da nova legislação um grande grupo de militares já se consolidou ao redor de Glauber Braga, que se reelegeu no Rio com muitos votos atribuídos a essa parcela das Forças Armadas.

Uma comparação entre os votos recebidos em 2018 e 2022 por Hélio Lopes com os recebidos por Glauber Braga nos mesmos pleitos ajuda a deixar evidente que pode ter ocorrido uma migração. Enquanto Hélio Lopes, graduado das Forças Armadas que seria o candidato natural da categoria, teve uma queda de mais de 38% no número de votos recebidos, o candidato Glauber Braga do PSOL teve um acréscimo de 95% no número de votos recebidos.

Em municípios com grande número de militares das Forças Armadas, como é o caso de São Gonçalo-RJ, o candidato do Psol cresceu mais de 170% em votos recebidos.

Ouvido sobre o assunto pelo jornal o Correio Brasiliense o deputado psolista admite que além de defender a categoria quer estabeleceu uma guinada no pensamento militar para uma “visão anti-imperialista”, que combateria o que foi imposto por Jair Bolsonaro ao longo dos últimos anos.

 “Com essa lei, Bolsonaro só olhou para os oficiais e deixou para trás mais de 80% das Forças Armadas. A esquerda tem que lutar pela garantia de direitos de praças e com isso disputá-los também para uma orientação anti-imperialista, exatamente o contrário do que fez o governo passado”

Em congressos do PSOL ocorridos no Rio de Janeiro já se percebe a presença de militares graduados na mesa principal, além das reuniões frequentes realizadas com a categoria, o que indica que as Forças Armadas não são mais “território” da direita. O PSOL conta hoje com pelo menos seis ações legislativas relacionadas a direitos militares de baixa patente e suboficiais e sargentos ligados ao partido lutam para criar uma frente parlamentar de praças das Forças Armadas na Câmara dos Deputados.

 

Fonte: Revista Sociedade Militar/Metrópoles

 

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