segunda-feira, 30 de outubro de 2023

O exemplo do Fortaleza para os clubes mal vendidos no Brasil

Em 2017, a essa altura da temporada, o Fortaleza celebrava o retorno à Série B, após passar oito anos na terceira divisão nacional. Desde então, a ascensão do time tricolor não parou mais, empilhando feitos históricos como o deste sábado. Apesar da derrota nos pênaltis para a LDU, que contou com a estrela do goleiro Domínguez para conquistar a Copa Sul-Americana, o clube cearense disputou a primeira final continental.

Todo o processo de reestruturação do Leão do Pici, passando da Série C ao inédito vice-campeonato de um torneio internacional, serve de exemplo para os endividados e mal vendidos clubes do futebol brasileiro. Recentemente, com o advento das SAFs, equipes tradicionais como Botafogo, Cruzeiro e Vasco aderiram ao modelo de clube-empresa em ato de desespero diante do acúmulo de dívidas e fracassos em campo.

Independentemente dos rumos traçados pelos novos donos, a venda de cada um desses clubes associativos saiu praticamente em troca da dívida e promessas de investimentos. Três equipes gigantes negociadas “na baixa”, a preço muito aquém do realmente valem.

Já o Fortaleza remou na direção contrária. Sob a gestão do presidente Marcelo Paz, o Leão seguiu à risca um projeto esportivo de longo prazo. Ao longo de seis anos, a dívida foi drasticamente reduzida – no patamar atual (cerca de 30 milhões de reais), dois meses de faturamento são suficientes para abatê-la. A receita foi multiplicada em mais de 10 vezes, com previsão na casa de 300 milhões de reais para este ano.

Fora o trabalho de austeridade na área financeira, o Fortaleza também se reestruturou no departamento de futebol, incluindo a modernização do centro de treinamentos, assertividade no mapeamento e contratação de jogadores e, o principal, manutenção do comando técnico.

A gestão de Marcelo Paz teve apenas cinco treinadores, entre eles os longevos Rogério Ceni e o argentino Juan Pablo Vojvoda, que, após provar que o clube pode ser protagonista na América do Sul, se consolida como o maior da história tricolor sem margem para dúvida. Além do vice da Sul-Americana, foi ele quem conduziu a equipe às conquistas da Copa do Nordeste e do tricampeonato cearense, a uma inédita semifinal de Copa do Brasil e às oitavas da Libertadores na primeira participação.

Vivendo seu momento mais próspero dentro e fora dos gramados, o clube aprovou a transformação em SAF no fim de setembro. Porém, em caminho oposto ao de Botafogo, Cruzeiro e Vasco, a intenção do Fortaleza não é se vender para um acionista majoritário, pelo contrário. A proposta aprovada pelo Conselho prevê que a associação continue totalmente soberana.

O que muda é o modelo de gestão, que agora abre inúmeras possibilidades para alavancar o crescimento das receitas. Uma delas, admitida por Marcelo Paz, é o IPO. Assim, o Fortaleza pode se tornar o primeiro clube brasileiro a abrir capital na Bolsa de Valores e oferecer a seus torcedores a oportunidade de virarem sócios minoritários comprando uma fatia das ações. Como clube-empresa, a equipe ainda tem acesso a empréstimos e linhas de crédito mais atraentes que times associativos convencionais.

No fim das contas, o movimento do Fortaleza segue um princípio básico de mercado: vender “na baixa” geralmente significa prejuízo. Em evidência depois de alcançar uma final de Sul-Americana, o clube começará 2024 como o primeiro do Nordeste a disputar seis edições consecutivas da Série A do Campeonato Brasileiro e com perspectivas ainda mais animadoras para o futuro.

Por tudo isso, o Fortaleza não é só um case de sucesso. Equiparado no cenário sul-americano ao do Independiente Del Valle, último campeão da Sula, trata-se do melhor e mais eficiente projeto esportivo do futebol brasileiro. Ou, no mínimo, o que fez mais com menos nos últimos anos.

Um clube tradicional que, embora não tenha saído campeão do Uruguai, entrou para o rol dos grandes times da atualidade no continente. E, impulsionado por boa gestão e dinheiro novo, a tendência é que tenha vida longa nesta prateleira.

 

       Há algo que a cruel derrota não apaga: as lições do Fortaleza para o futebol brasileiro. Por Carlos Eduardo Mansur

 

Não existe esporte sem vencedores e vencidos, mas há momentos em que é especialmente difícil convencer uma torcida de que as derrotas são parte do jogo. Porque algumas são especialmente amargas. Os 120 minutos de futebol em Maldonado, por vezes, pareceram uma eternidade. Talvez porque, ao menos aos olhos da torcida do Fortaleza, o que acontecia em campo não se limitava ao tempo regulamentar mais a prorrogação. Era como se estivessem em jogo seis anos de uma trajetória de ascensão, construída com solidez, responsabilidade, num acúmulo de práticas exemplares para o futebol brasileiro. Se há algo que se possa dizer após uma derrota tão dolorida, é que estas práticas, esta forma de fazer futebol, não saem derrotadas do Uruguai. São elas que permitem ao torcedor sonhar que ocasiões como esta, que oportunidades como esta, possam se repetir.

Nem é possível dizer que o Fortaleza foi melhor do que a LDU nos 120 minutos de futebol que precederam a disputa por pênaltis que decidiu a Copa Sul-Americana. O jogo foi equilibrado por 60 a 70 minutos, e fisicamente os equatorianos pareceram terminar mais inteiros a longa maratona da decisão. Mas é justo falar que o Fortaleza é, hoje, um clube melhor, mais forte do que era há uma década. E, principalmente, mais forte, mais organizado e mais saudável para o futebol brasileiro do que muitos rivais de camisas consideradas mais pesadas. Porque cresceu dando, ano após ano, passos do tamanho que sua capacidade econômica permitia. E foi melhorando sua estrutura, cumprindo compromissos e reforçando sua equipe sem criar dívidas impagáveis, num crescimento sustentável, orgânico, sem dinheiro artificial. E graças à eficiência e aos resultados esportivos, a cada ano era capaz de investir mais. Esta caminhada, a que tudo indica, não se encerra na derrota de Maldonado.

Então, a amargura sentida neste momento pelo torcedor tricolor, deveria ser sentida por quem torce por um futebol brasileiro tocado de forma mais responsável e eficiente. Porque derrotas costumam ser portas abertas para o oportunismo. E na terra em que gestão temerária, não cumprimento de obrigações, contratações além da capacidade econômica dos clubes e doping econômico são rotina, resultados da falta de um fair play financeiro, haverá quem desmereça o trabalho do Fortaleza para tentar preservar seus métodos.

O olhar do Brasil para esta final precisa ser o da validação da caminhada do Fortaleza, não o do sentimento pelo resultado da decisão. E, se quiser usar um jogo como este para refletir sobre temas fundamentais, o futebol brasileiro não faria mal se aproveitasse mais um dos tantos exemplos que provam como é nocivo o calendário doméstico. Como observou o companheiro Rodrigo Coutinho, o Fortaleza entrou em campo, neste sábado, pela 68ª vez em 2023. A LDU fazia seu 38º jogo no ano. Impossível não relacionar tais números com a diferença física na reta final do jogo.

Quanto à partida em si, o Fortaleza competiu bem no primeiro tempo e no início do segundo, numa partida que tinha equilíbrio e riscos moderados o tempo todo de parte a parte. A equipe de Vojvoda, um grande nome desta caminhada, encontrava espaços às costas dos laterais da LDU. O time equatoriano marcava por encaixes quase individuais pelo campo. Assim, Guilherme atraía o lateral-direito Quinteros, que saía de posição para persegui-lo. Caio Alexandre e principalmente Pochettino faziam diagonais do meio para a ponta, no espaço deixado por Quinteros. Este movimento seria fundamental no gol de Lucero.

Aos poucos, a LDU passou a pressionar a saída de bola do Fortaleza com González e Guerrero atacando os zagueiros Titi e Brítez. O Fortaleza já não conseguia ter conforto na saída de bola e era mais difícil encontrar Caio Alexandre e José Wellison. Este último, apesar disso, fez ótima partida ganhando duelos e dando vitalidade ao meio-campo. Mas o fato é que Fortaleza e LDU criaram pouco até o intervalo.

Veio o segundo tempo e, com ele, o gol do Fortaleza. Caio Alexandre recuou para participar da saída de bola, confundindo a marcação da LDU. O volante conduziu a bola e o movimento que funcionou no primeiro tempo se repetiu, desta vez, pela direita. Marinho atraiu o lateral-esquerdo Quiñonez e Pochettino recebeu a bola na ponta direita. Um zagueiro da LDU se viu obrigado a deixar a área para marcá-lo e Lucero se antecipou ao outro zagueiro, Ade, para fazer o gol.

O pecado do Leão foi não sustentar o placar por mais tempo, já que um passe longo encontrou Alzugaray, que bateu Bruno Pacheco numa disputa de corpo para fazer um belo gol em lance individual.

A partir daí, o Fortaleza lidou com um adversário mais empolgado e sua própria falta de pernas. Em especial os volantes sentiram muito a exigência física do jogo. Ainda assim, a organização do time permitiu enfrentar o restante do tempo normal e da prorrogação sem ceder tantas chances à LDU. Vojvoda tentou renovar o fôlego, fez as seis trocas que podia, mas ainda viu Titi terminar o jogo como um atacante, já que se lesionou quando não havia mais substituições a fazer.

Nos pênaltis, outra crueldade. Pedro Augusto teve a bola do jogo, mas parou em Domínguez. Mais adiante, Piovi marcou e Brítez errou na série alternada.

O sonho sul-americano do Fortaleza ficou adiado. Fosse outro clube, seria possível decretar que este seria um sucesso casual. Mas a caminhada recente do clube indica o oposto. Não será surpresa rever, em breve, o Leão em outra decisão continental.

<><> LDU mantém tabu de jamais ter perdido finais para brasileiros

A LDU se sagrou bicampeã da Copa Sul-Americana neste sábado ao bater o Fortaleza, nos pênaltis, por 4 a 3, após empate em 1 a 1 no tempo regulamentar. Com o resultado, o time equatoriano manteve o tabu de jamais ter perdido uma final para equipes brasileiras na história.

Essa foi a quarta vez que a LDU encarou um time brasileiro na disputa por um título continental. A primeira oportunidade aconteceu em 2008, contra o Fluminense, na grande final da Copa Libertadores.

A LDU goleou o Tricolor carioca por 4 a 2 no jogo de ida, em Quito. Na volta, no Maracanã, o Fluminense venceu por 3 a 1, resultado que levou a decisão para os pênaltis. Na marca da cal, porém, melhor para os equatorianos, que venceram por 3 a 1, com o goleiro Cevallos defendendo três cobranças.

No ano seguinte, as duas equipes se encontraram novamente, desta vez na final da Copa Sul-Americana. No primeiro confronto, a LDU goleou o Fluminense por 5 a 1. Na volta, o Tricolor carioca bateu os equatorianos por 3 a 0, resultado insuficiente para ficar com o título.

O Internacional também sentiu na pele o que é ser derrotado pela LDU em uma final continental. Pela Recopa Sul-Americana de 2009, os equatorianos venceram o Colorado por 1 a 0, em pleno Beira-Rio, e voltaram a triunfar em Quito, por 3 a 0.

Vale lembrar que, caso seja campeão da Libertadores no próximo sábado, contra o Boca Juniors, o Fluminense terá a oportunidade de, enfim, se vingar da LDU na Recopa Sul-Americana após 14 anos do último título disputado entre as duas equipes.

 

Fonte: Por Breiller Pires para o Portal Terra/Blog do Mansur

 

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