quinta-feira, 26 de outubro de 2023

Moisés Mendes: Uma família pode buscar a trégua com as milícias do Rio

Setores da política com vínculos ou com conhecimento sobre o funcionamento das facções milicianas do Rio têm um desafio que devem enfrentar, como parte dos esforços para pacificar a cidade.

Líderes políticos, com ou sem mandato, podem convocar uma reunião de cúpula dos chefes do crime, como os mafiosos faziam em Chicago. É só querer agir em nome do fim da guerra.

Parece, mas não é ironia. Nessa terça-feira, na entrevista ao Roda Viva, o ministro Paulo Pimenta, da Secretaria de Comunicação do governo, lembrou das conexões da família Bolsonaro com milicianos.

“São notórias as investigações que demonstram a relação histórica do Bolsonaro e dos familiares com o crime organizado e com a milícia no Rio de Janeiro”, disse Pimenta.

Há fatos e farta documentação sobre esses vínculos. A família Bolsonaro pode não ter mais o poder que chegou a ter, mas detém reservas de influência numa área que está no lastro político de muita gente no Rio.

Os Bolsonaros já não têm mais condições de manobrar com a estrutura militar. Não têm o que oferecer ao centrão. Daqui a pouco não terão o que retribuir ao PL. Mas ainda podem ter pontos de contato com as milícias.

A família Bolsonaro já homenageou milicianos. Bolsonaro visitava na cadeia o miliciano Adriano da Nóbrega, executado na Bahia. Há exemplos de negociações dos Bolsonaros com criminosos.

A jornalista Juliana Dal Piva contou no UOL no ano passado que em 2004 Bolsonaro e o filho Flavio negociaram com policiais criminosos presos amotinados no Rio.

Adriano era um dos participantes do motim e depois iria virar miliciano. O sociólogo Paulo Baía, que havia sido subsecretário de Direitos Humanos do Rio, foi chamado pelo então deputado estadual Flavio Bolsonaro para as negociações.

“O principal interlocutor do Flavio era o Adriano”, contou o sociólogo a Juliana Dal Piva. Segundo Baía, o motim teria sido uma farsa para que o filho de Bolsonaro brilhasse como negociador com policiais que agiam como bandidos. ”Um circo armado para projetar Flávio Bolsonaro”, disse o sociólogo.

Os Bolsonaros entendem do assunto, têm expertise. A origem das milícias está nas polícias que eles conhecem bem há muito tempo.

Podem estar desatualizados, pela concentração de atividades em Brasília a partir de 2018, mas sabem como funciona a partilha de territórios em guerras internas e em conflito permanente com o Estado.

A extrema direita brasileira, e não só os Bolsonaros, têm desqualificado as tentativas de Lula de fazer a intermediação da paz na ONU para conter a matança em Gaza.

Os líderes dessa extrema direita têm a chance de chamar uma reunião de cúpula das milícias e apresentar resoluções pela paz no Rio.

Líderes respeitados pelos milicianos podem oferecer sua contribuição para conter o terror na cidade. Que chamem os chefes e negociem. Que cada um cuide da ONU que lhe cabe.

 

       Abin: disputa entre CV e PCC aumentou após morte de traficante

 

Uma investigação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) aponta que a disputa de território entre Comando Vermelho (CV) e Primeiro Comando da Capital (PCC) aumentou após a morte do traficante Marcelo Gomes de Oliveira.

Até então apontado como o maior traficante de Goiás, Zóio Verde, como era conhecido, atuava de forma independente, sem vinculação com as duas facções.

Segundo a Abin, a execução de Zóio Verde “abriu espaço” para CV, oriundo do Rio de Janeiro, e PCC, de São Paulo, disputarem territórios no Centro-Oeste.

 “O estado de Goiás tem grande relevância logística para o tráfico de drogas em função de sua conexão viária com estados das regiões Centro-Oeste, Norte, Sudeste e Nordeste”, destacou a agência.

Zóio Verde foi executado em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, em 2017, após uma perseguição de carro.

Brasil tem 53 facções

O Brasil tem 53 facções em atuação. Cada estado e o Distrito Federal amargam a presença de ao menos um grupo criminoso.

Organizações como PCC e CV se rivalizam na disputa por territórios e têm atuação nacional.

A facção com origem em São Paulo se faz presente no Distrito Federal e em outras 24 unidades da Federação. Já o grupo criado no Rio de Janeiro atua em 13 estados e, também, no DF.

Para a Polícia Federal, a expansão do CV causa especial preocupação, uma vez que o modus operandi da fação seria ainda mais “sanguinário” que o das demais organizações criminosas.

 

       Ataques no Rio podem ter sido cortina de fumaça para fuga de miliciano Zinho

 

Membros da cúpula do Governo do Rio de Janeiro atribuem a magnitude da reação de criminosos nesta segunda-feira (23) à inesperada proximidade do líder máximo da maior milícia do Estado, Luis Antônio da Silva Braga, o Zinho, do local em que ocorria a operação policial.

Agentes ouviram no rádio apreendido com Matheus da Silva Rezende, também conhecido como Faustão ou Teteu, o alerta para que o "01" fosse protegido. Para o Palácio Guanabara, a extensão dos ataques pela zona oeste teve como objetivo dispersar as ações policiais para garantir a fuga de Zinho.

Criminosos incendiaram 35 ônibus, um trem e veículos de passeio após Faustão ser morto pela polícia numa operação na comunidade Três Pontes. Ele era apontado como o número 2 na hierarquia e sobrinho do líder do chamado Bonde do Zinho. Em um dos fuzis apreendidos havia a inscrição 'Tropa do Mais Novo', como era chamado o grupo controlado por Faustão, segundo a polícia.

Os incêndios foram provocados tanto em Santa Cruz como na Barra da Tijuca, bairros da zona oeste distantes cerca de 50 km.

A cúpula de segurança esperava uma reação à prisão, mas não com a proporção tomada. Principalmente porque o objetivo da operação era a prisão de Faustão e não se sabia da proximidade de Zinho no local.

Por essa razão o governador Cláudio Castro (PL) se manifestou em suas redes sociais parabenizando a Polícia Civil pela prisão de Faustão, antes da confirmação de sua morte no hospital e reação dos comparsas.

"O crime organizado que não ouse desafiar o poder do estado", escreveu o governador antes de o caos se instalar na zona oeste.

Castro estava no Palácio Guanabara em reunião com o secretário da Casa Civil, Nicola Miccione, e o controlador-geral do Estado, Demetrio Farah Neto, quando soube dos distúrbios.

Fontes da polícia afirmam que, pelo rádio, foi possível ouvir milicianos oferecerem R$ 500 para quem pudesse incendiar ônibus por toda a região. A orientação era que a ação fosse filmada para que a quantia fosse recebida. Um delegado que participou da ação disse que acredita que a ordem com o pagamento foi repassada sem critério, o que teria intensificado a reação.

Para a cúpula do governo, reforça a suspeita de que a reação tinha como objetivo permitir a fuga de Zinho o fato de a morte de Wellington da Silva Braga, o Ecko, antigo líder do grupo, não ter gerado distúrbio semelhante.

Ecko, irmão de Zinho, foi morto em junho de 2021 após ser preso em casa e baleado pela segunda vez dentro da van da Polícia Civil. Agentes envolvidos na ação dizem que ele tentou tirar o fuzil de uma policial no veículo.

O caso foi arquivado pela Justiça, apesar de contradições em depoimentos dos policiais envolvidos na prisão e na morte de Ecko.

A advogada da família Braga, Leonella Vieira, afirmou que "o Estado precisa ser competente para prender e não covarde para executar com tiros nas costas, como rotineiramente vem acontecendo".

"A sociedade precisa se questionar porque quando se trata de integrantes da família Braga, o alto escalão da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro não efetua prisões, apenas execuções", disse ela.

Faustão é o terceiro da família Braga a ser morto em ação da Polícia Civil. Além de Ecko, Carlos Alexandre da Silva Braga, o Carlinhos Três Pontes, chefiava o grupo criminoso até 2017, quando foi morto por agentes numa ação para prendê-lo.

QUEM É FAUSTÃO, MORTO NESTA SEGUNDA

O incêndios começaram após a morte de Faustão, apontado pela Promotoria e pela polícia como o número dois da maior milícia do Rio, hoje conhecida como Milícia do CL. O grupo é comandado por Luís Antônio da Silva Braga, o Zinho, tio de Faustão.

Segundo a polícia, Faustão foi atingido por tiros durante um confronto entre milicianos e agentes da Core (Coordenadoria de Recursos Especiais) e do DGPE (Departamento Geral de Polícia Especializada) em Três Pontes, também na zona oeste da cidade.

O suspeito chegou a ser levado para o Hospital Pedro 2º, mas não sobreviveu, de acordo com a prefeitura.

Outros dois suspeitos foram presos na ação. Com o trio foram apreendidos dois fuzis, uma pistola, 15 telefones, 16 carregadores de fuzil, cinco coletes, munições e rádios comunicadores, segundo a polícia.

Em setembro, Faustão foi denunciado por ser um dos atiradores que mataram o ex-vereador Jerônimo Guimarães Filho, o Jerominho. Este, por sua vez, fundou nos anos 2000 a Liga da Justiça, grupo que deu origem à atual milícia comandada por Zinho.

 

       Clara ameaça à autoridade do Estado, diz Cappelli sobre ataques no Rio

 

O secretário-executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Cappelli, classificou nesta 3ª feira (24.out.2023) a situação no Rio de Janeiro como “muito grave”. Segundo ele, trata-se de “uma clara ameaça à autoridade do Estado, uma situação inaceitável”.

Na 2ª feira (23.out), foram queimados 35 ônibus e a cabine de um trem, que partia de Santa Cruz, foi incendiada. Seis estações chegaram a ser fechadas. Para a polícia do Estado, os atos violentos foram em represália à morte, durante uma operação policial, do miliciano Matheus da Silva Rezende, o Faustão, considerado pelas forças de segurança o número 2 de um desses grupos da capital.

A declaração de Cappelli foi dada depois de ele participar do 17º Encontro Nacional de Repressão a Drogas, Armas, Crimes contra o Patrimônio e Facções Criminosas (Siren), no Hotel Vila Galé, no centro do Rio. O encontro reunirá até 6ª feira (27.out) policiais federais de todo o país, representantes das Forças Armadas e do setor de segurança de embaixadas.

AVALIAÇÃO

Segundo Cappelli, mesmo com os ataques de 2ª feira, ainda é cedo para reformular o planejamento feito para a atuação de forças federais no Estado.

“A gente está completando uma semana do início do nosso reforço no Rio de Janeiro, então é cedo para rever um planejamento que ainda está em curso. A gente vai fazer a 1ª reunião de monitoramento. Esta semana acabam de chegar os homens da Polícia Federal com tecnologia e equipamentos. Está cedo ainda. Não tem uma semana. Claro que o que aconteceu ontem é gravíssimo, e isso a gente leva em conta no planejamento que está construindo e que vai avaliar hoje”, disse.

O secretário informou que já está sendo reforçado o sistema de inteligência da PF (Polícia Federal) no Rio para que, em conjunto com as forças de segurança do Estado, possa ser desvendada a atuação do crime organizado.

“Alguns homens já foram deslocados na semana passada, outros vão chegar nesta semana. Nós estamos buscando analistas da Polícia Federal de larga experiência e trabalhos exitosos já realizados aqui para o Rio de Janeiro, com equipamentos e tecnologia para que se possa desbaratar e enfrentar o crime organizado no Rio de Janeiro”, afirmou.

Para Cappelli, o reforço na inteligência da Polícia Federal poderá contribuir para a prisão dos 3 chefes das maiores milícias do Rio, conforme tem sido defendido pelo governador do Estado, Cláudio Castro (PL), como forma de dar um golpe no crime organizado.

“A Polícia Federal tem muitas informações sobre as organizações criminosas do Brasil e em especial do Rio de Janeiro. Ela tem atuado junto com a Polícia Civil, e tenho certeza de que essas informações podem ajudar a chegar nessas lideranças”, disse.

A transferência de presos envolvidos em atos violentos no Rio para presídios federais já está acertada entre o Executivo fluminense e o Ministério da Justiça. “Não há limite da parte do governo federal quanto à transferência de presos. [Para] todos os presos que o governo do Estado solicitar transferência para presídios federais, [os pedidos] serão atendidos”, afirmou.

INTERVENÇÃO DESCARTADA

De acordo com o secretário, não está na pauta uma intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro. “Nesse momento, apostamos no Susp [Sistema Único de Segurança Pública]. Apostamos no fortalecimento das relações interfederativas. Cada Estado tem o seu papel. O policiamento ostensivo é responsabilidade do Estado”, disse.

Se o efetivo da Polícia Federal e o da Polícia Rodoviária Federal forem somados com a Força Nacional, o resultado daria praticamente a metade dos homens só da Polícia Militar do Rio de Janeiro.

“Então, por isso, cabe aos Estados o policiamento ostensivo. É assim que preconiza a Constituição, e a nossa aposta é no fortalecimento da relação interfederativa. O Estado faz a sua parte, e o governo federal cuida das questões que lhe dizem respeito, principalmente a inteligência, o planejamento e a investigação da Polícia Federal, e a presença da Polícia Rodoviária Federal com apoio da Força Nacional nas rodovias”, disse Cappelli.

Há também um reforço no trabalho ostensivo com a ida para o Rio de 250 agentes da Polícia Rodoviária Federal e 300 homens da Força Nacional, 86 viaturas no apoio das ações da PRF (Polícia Rodoviária Federal). “Como sempre disse, não tem solução mágica, não tem bala de prata. É trabalho, trabalho e trabalho. É planejamento e inteligência com o trabalho liderado pela Polícia Federal”, afirmou o secretário.

Para ele, a responsabilidade pelo policiamento ostensivo é do governo do Estado do Rio de Janeiro, que tem absoluta autonomia para tomar iniciativas referentes às polícias Civil e Militar. Afirmou que é possível atuar de forma integrada, mas ressaltou que existem operações próprias da Polícia Federal, assim como tem as polícias do Estado, o que é natural.

Cappelli disse ser irrelevante questionar se a Polícia Federal soube com antecedência da operação que resultou na morte do miliciano e nos atos violentos na cidade. “Não existe subordinação entre o governo federal e o governo do Estado. Assim como a Polícia Federal faz operações próprias aqui no Estado do Rio sem avisar às forças estaduais de segurança, é absolutamente natural que as forças estaduais façam também operações próprias”, disse.

Sobre a possibilidade de haver instabilidade política depois da troca de secretários na Polícia Civil e se isso atrapalharia a comunicação entre as instituições para o sucesso do combate ao crime organizado, Cappelli disse que a nomeação de qualquer secretário cabe só ao governador. “Não cabe ao governo federal tecer qualquer comentário sobre isso.”

Depois de participar do 17º Siren, Cappelli visitou a empresa de armas Condor, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, para verificar o sistema de chips instalado nos equipamentos fabricados pela companhia.

“Todas as armas deles têm chips e ficam rastreadas por 5 anos. Quero ver como isso funciona porque pode servir para a gente fazer um debate de colocar isso em todas as armas, não só nas não letais. A gente evita o desvio de armas. Vamos conhecer 1º a tecnologia e ver como funciona e depois vamos discutir se o governo adota para si”, informou.

 

Fonte: DCM/FolhaPress/Poder 360

 

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