terça-feira, 31 de outubro de 2023

Marcus Pestana: O cenário que nos espera e o Brasil com que se sonha

Minha geração do movimento estudantil acreditou que conquistada a agenda democrática – anistia, Constituinte, eleições diretas e liberdade política – a desigualdade social e os desafios brasileiros seriam naturalmente enfrentados e construiríamos o Brasil dos sonhos.

Outro dia, fui tomado por um baixo astral incrível ao ler um artigo do economista Samuel Pessoa, na revista Conjuntura Econômica do IBRE/FGV, onde ele informava que no PISA – programa internacional de avaliação do ensino – os 10% de alunos vietnamitas com o pior desempenho estavam na frente dos 10% com melhor desempenho entre os brasileiros. É inevitável, diante de um fato dessa gravidade, sentir na boca um certo gosto amargo de fracasso geracional. Afinal, educação é tudo.

O Brasil de 1900 a 1980 só cresceu abaixo do Japão. Com desigualdades, mas em ritmo acelerado. A partir daí foram crises e mais crises. É verdade que o Plano Real derrotou a hiperinflação, o SUS se consolidou, a democracia resistiu e uma sólida rede de proteção social foi erguida. Mas há um oceano a nos separar do Brasil dos nossos sonhos.

A equação central é econômica. Sem geração de emprego e renda não há política social que seja eficiente. O tripé macroeconômico está bem resolvido nos planos monetário e cambial. Hoje temos um sistema de metas inflacionárias sólido, Banco Central com autonomia operacional, inicio de movimentos de aumento da competição bancária e revoluções na ponta, como a do PIX. Ainda assim, nossa taxa real de juros é ainda muito alta.

No front cambial não temos os riscos de estrangulamento externo. O câmbio é flutuante, as reservas cambiais são abundantes, a balança comercial é fortemente superavitária e o fluxo de investimentos banca o déficit nas transações correntes. Mas todo cuidado é pouco. O cenário externo é extremamente preocupante. Taxas de juros altíssimas nos EUA, China sem o crescimento vigoroso de outrora, guerras na Ucrânia e no Oriente Médio, Argentina em situação caótica.

O grande problema é o desequilíbrio fiscal que se sair do controle levará ao círculo vicioso que trava o desenvolvimento. O Brasil produz déficits primários desde 2014. Há um buraco a ser corrigido no Orçamento de 2024. É verdade que a política fiscal não deve ser um samba de uma nota só. Julgo que o Congresso acertou ao priorizar o emprego e prorrogar a desoneração da folha salarial.

Há ainda um plano subjetivo ligado à formação de expectativas e ao ambiente de negócios. O Brasil precisa trabalhar cada vez mais segurança jurídica e estabilidade institucional. Sem isso, adeus desenvolvimento sustentado.

Mas o grande desafio está nas políticas sociais. E aí, é preciso um choque de ousadia, inovação e competência. Como aceitar os sofríveis níveis de desempenho de nossos estudantes? Como dormir tranquilo diante das cenas inacreditáveis nascidas da ousadia do crime organizado? Como banalizar o fato de quase metade da população não ter coleta de esgoto? Como ficar passivo diante da destruição de nossas florestas?

Os indicadores de 2023 não são ruins. No entanto, tudo o que não podemos é dormir em berço esplendidos e nos contentarmos com resultados ainda frágeis. Em tempos de polarização política radical é preciso cada vez mais construir consensos progressivos e ação eficaz em torno da agenda brasileira de desenvolvimento.

 

Ø  Lula rasga a fantasia que nunca esteve muito disposto a vestir

 

Foi na saideira, quando assessores do presidente já pediam para encerrar a entrevista, que Lula decidiu falar sobre a meta fiscal. Mais especificamente sobre a sua má vontade com o objetivo de chegar ao déficit zero em 2024.

O presidente não tergiversou sobre o motivo: ele não quer cortar gastos. De acordo com o raciocínio de Lula, há de se pensar no melhor para o país. E falar em controle de despesas é coisa do “mercado ganancioso”.

O problema é que a tal meta foi estabelecida pelo seu ministro da Fazenda com aval presidencial. Uma forma de acalmar investidores, trazer alguma perspectiva de esforço para controlar a trajetória da dívida pública e abrir espaço para o início da queda dos juros — principal problema a ser enfrentado, de acordo com diversas declarações do mesmo Lula ao longo do ano.

Há sempre duas formas de se abordar o ajuste fiscal. Pelo lado das despesas, cortando gastos até que eles encontrem o patamar das receitas. Ou pelo lado das receitas, aumentando as arrecadação de forma que ela dê conta dos gastos programados.

Como Lula nunca quis realmente controlar despesa alguma, restou ao seu ministro da Fazenda bolar um plano altamente dependente do aumento das receitas para tirar as contas do país do vermelho. Era preciso conciliar a vida real da economia ao desejo do seu campo político — e do seu chefe.

E aí veio o enrosco. Para colocar o projeto de pé, seria preciso aprovar um caminhão de leis complexas no Congresso. Para conseguir passar essas propostas, o governo teria de aumentar o seu apoio no Legislativo. Para ter base, Lula teria de acenar com cargos. Ele assim o fez e o Centrão então veio, prometendo ajudar em votações — mas nem todas — e cobrando pela liberação de emendas e recursos — leia-se mais gastos. Não nos esqueçamos que, ano que vem, é tempo de eleição.

Fernando Haddad e seu time já tinham feito as contas. Não ia dar para entregar o tal déficit zero. No mínimo, seria um trabalho dos mais duros pelas resistências e prazo curto para que tudo fosse votado. O prognóstico era ruim, mas a ideia era perder lutando.

Haddad pretendia usar a promessa da meta e o compromisso do governo em persegui-la para pressionar o parlamento a correr. Foi com esse espírito que o ministro esteve com Arthur Lira na última semana, pedindo pressa em votações e sugerindo atalhos para que as novas regras começassem a valer já no início do ano que vem.

A estratégia da equipe econômica ao longo do ano foi enviar projetos em série ao Congresso, buscando janelas para aprovar o que fosse possível. A jogada é manjada em Brasília: mira-se no aparentemente inalcançável para que se saia com, ao menos, alguma coisa em mãos. Mas, a dois meses do fim do ano, Haddad e seu time anteviam tempos duros e trabalham numa forma de atenuar o discurso, já que a meta de déficit zero parecia cada vez mais improvável. Aí veio Lula deixando claro que, em essência, nunca acreditou no plano do seu ministro.

É que, se o plano de passar projetos e elevar a arrecadação não desse certo, seria preciso bloquear despesas já no início do ano que vem — o chamado contingenciamento. Não precisava ser analista político dos mais astutos para antever que a ambiciosa agenda de mudanças na tributação poderia empacar no Congresso.

Antes mesmo de Haddad tentar a última investida, no entanto, Lula tratou de desarmar qualquer possível pressão em cima dos parlamentares. Se nem o presidente acha que é fundamental zerar o déficit, por que o Legislativo deve se preocupar?

Investidores, banqueiros e analistas poderiam levantar o cartaz do “eu já sabia”. O mercado nunca achou crível zerar o déficit público no ano que vem. Mas viu que o resultado ao fim pode ser pior do que se imaginava. É como gostava de dizer meu avô: de onde menos não se espera… aí que não sai nada mesmo.

·         Haddad evita comentar meta fiscal após falas de Lula sobre deficit zero

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, evitou responder sobre uma nova projeção da meta fiscal para 2024. Em coletiva de imprensa na manhã desta segunda-feira (30/10), Haddad foi indagado por jornalistas sobre declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de que o governo poderia não cumprir a meta de zerar o saldo das contas públicas em 2024 e preferiu não responder objetivamente.

“A minha meta está mantida”, disse Haddad, referindo-se ao propósito dele de manter o equilíbrio fiscal, mas não se referindo à meta de zerar o deficit fiscal em 2024. O ministro informou que Lula pediu uma reunião com as lideranças políticas no Congresso para conversarem sobre a situação fiscal do país. Somente depois dessa reunião, o governo vai anunciar novas medidas que busquem o equilíbrio fiscal.

Ao explicar as declarações do presidente, Haddad disse que Lula teve como base uma apresentação que ele mesmo havia mostrado, demonstrando as razões porque a arrecadação não cresce, mesmo com a elevação do Produto Interno Bruto (PIB).

“Não há, da parte do presidente, nenhum descompromisso. Muito pelo contrário, se ele não estivesse preocupado com a situação fiscal, não estaria pedindo apoio da área econômica para orientação das lideranças do Congresso", disse Haddad a jornalistas.

ministro citou a Lei Complementar 160/2017, que permitiu abater da base de cálculo Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) os incentivos ficais dados pelos estados. A estimativa para este ano, segundo Haddad, é que o governo deixa de arrecadar R$ 200 bilhões por conta desse incentivo.

O ministro citou também uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), também de 2017, que retirou ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins recolhido pelas empresas. “Estamos falando de muitas dezenas de bilhões de reais”, disse ele, alegando que todas essas medidas provocaram uma “erosão” na arrecadação dos tributos federais.

 

Ø  GOVERNO CORRE O RISCO DE ENCERRAR O ANO CERCADO POR GREVES

 

Movimentos sindicais e associações ligadas ao serviço público federal cogitam iniciar paralisações e greves a partir de novembro em decorrência da dificuldade do governo em oferecer propostas que atendam às demandas de reestruturação de carreiras e reajustes salariais. As categorias mobilizadas incluem tanto servidores de órgãos econômicos, como Banco Central (BC) e Receita Federal , quanto na segurança pública, com movimentações entre funcionários da Polícia Federal (PF).

“O governo pausou a mesa de negociação da Polícia Federal, os policiais estão indignados. Não existe mesa de negociação com a Receita Federal e o diálogo por lá é difícil. Com o Banco Central, eles tinham prometido uma reunião até o dia 23 de outubro e não cumpriram”, relatou o presidente do Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal), Fábio Faiad. Os três setores correm risco de encerrar o ano de 2023 em greve.

Os funcionários do BC são aqueles que se encontram em uma etapa mais profunda de protestos contra o governo contra a demora para uma reestruturação da carreira. Desde o mês de julho, os servidores ligados ao Sinal se encontram na operação-padrão (também conhecida como operação-tartaruga). Em setembro, aprofundaremos a prática, concentrando esforços no atraso para a implementação de novos mecanismos de transferência via PIX e na construção do Drex, moeda virtual equiparada ao Real.

Eles desativaram a criação de um sistema de retribuição por produtividade, a exigência de ensino superior para a carga de técnico e a transformação da carga de analista na carga de auditor. “Sem a reestruturação completa da carreira, os representantes preveem um desmantelamento da carreira de Especialista do BC, situação que vem se agudizando na última década, com reajustes abaixo da inflação e com as crescentes assimetrias em relação a carreiras congêneres”, alertou Faiad.

Na Receita Federal, o Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal (Sindifisco) iniciou na quinta-feira (26) uma agenda de protestos, que seguirão acontecendo em diferentes pontos do país até o dia 20 de novembro. “No dia 20, caso os pleitos da categoria não sejam atendidos, a greve será deflagrada”, alertou em nota o sindicato. Assim como no BC, os auditores da Receita se encontram na operação-padrão.

A pauta do Sindifisco é mais específica, e tem como item principal a aplicação dos recursos do Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização (Fundaf), criado em julho pelo Ministério da Fazenda para, por meio de parte dos recursos obtidos no Conselho de Administração de Recursos Fiscais, garantir bônus de eficiência aos auditores fiscais.

Na PF, tanto policiais quanto servidores administrativos reivindicam a restrição da carreira, uma pauta elevada ainda na transição entre o antigo e o atual governo. Uma reunião estava prevista para acontecer junto com o Ministério da Gestão e Inovação no último dia 17, mas foi cancelada pelo próprio governo, que não conseguiu elaborar uma proposta a tempo.

Em resposta, a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) e a Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) deram início a uma agenda de protestos, prevista para culminar em uma paralisação geral no dia 16. Apesar de não ter estabelecido um calendário de greve, a possibilidade segue em aberto, conforme declaração de Luciano Leiro, presidente da ADPF .

Uma mesa de negociação geral do governo com os sindicatos do serviço público está prevista para acontecer no dia 16 de novembro. Faiad conta que há um pouco de otimismo quanto ao saldo da reunião. “Há uma situação meio de pé de guerra. A polícia está brava, a Receita está brava e com greve já agendada”, ressaltou.

 

Fonte: Congresso em Foco/Agencia Estado

 

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