segunda-feira, 30 de outubro de 2023

Marcelo Zero: Ucrânia e Gaza, a paz no vácuo

O ex-chanceler alemão Gerhard Schroeder confirmou, em entrevista recente ao jornal Die Zeitung, que um acordo para acabar com a guerra na Ucrânia esteve bem perto de ser alcançado, quando os negociadores se reuniram em Istambul, na primavera passada.

Este acordo previa o fim da “longa marcha” da Otan para o Leste, a neutralidade ucraniana, garantias de segurança internacional para ambas as partes do conflito e arranjos internos para reintegrar os territórios separatistas no Donbass.

No entanto, o acordo foi abandonado na última hora, por pressão direta dos EUA e Reino Unido sobre o governo ucraniano.

À época, o jornal ucraniano Ukrainskaya Pravda – insuspeito de qualquer apoio à Rússia – chegou a informar que um acordo de paz havia sido obtido, mas que fora abandonado, no último minuto, após a intervenção do então primeiro-ministro britânico Boris Johnson.

Perdeu-se uma oportunidade de ouro para se colocar um fim à guerra, logo em seu início.

Terminar a guerra rapidamente teria feito uma grande diferença, principalmente em vidas.

Embora os principais dados permaneçam obscuros e as estimativas sejam contestadas, é certo que o maior conflito da Europa desde a Segunda Guerra Mundial já resultou em várias centenas de milhares de baixas militares.

Algumas fontes falam em 500 mil mortos. Os números oficiais sobre vítimas civis são muito mais baixos (9.614 mortes), mas a ONU adverte que devem ser subestimados.

Além disso, há mais de 6,2 milhões de refugiados ucranianos oficialmente registrados em todo o mundo e 5,1 milhões de pessoas deslocadas internamente.

De acordo com o Banco Mundial, o PIB da Ucrânia caiu quase um terço em 2022, empurrando um quarto da população do país para abaixo da linha da pobreza.

A Ucrânia vive de ajuda internacional. Serão necessários ao menos US$ 420 bilhões para reconstruir o país.

Todo esse sacrifício está sendo basicamente feito em razão da obsessão dos EUA e a Otan de derrotar militarmente a Rússia e “derrubar” Putin.

É evidente que a Rússia nunca pretendeu e nem tem condições de fazer uma guerra de ocupação da Ucrânia, muito menos de voltar a “conquistar” o Leste europeu, como afirma o discurso paranoico e falacioso reproduzido acriticamente em muitos meios de comunicação ocidentais.

Uma coisa é o que possam pensar Dugin e assemelhados. Outra coisa é a realidade.

Assim, a possibilidade de um cessar-fogo e de um acordo de paz sempre existiu. Mas continua a ser ignorada por um unilateralismo belicoso.

Um unilateralismo que vê a ordem mundial como um jogo de soma zero, na qual eventuais “ganhos” dos EUA só podem resultar de “perdas” de países que não se alinham com sua geopolítica, como China e Rússia.

Uma ordem assentada em “regras” que excluem multilateralismo e multipolaridade. Assentada numa ONU totalmente enfraquecida. Assentada no desregramento.

Saliente-se que o mal denominado “plano de paz” de Zelensky é apenas uma proposta inviável de rendição incondicional da Rússia.

O mundo também acabou de perder outra oportunidade para salvar vidas, com o veto dos EUA à Resolução apresentada pelo Brasil no Conselho de Segurança da ONU, com o intuito de evitar mais mortes em Gaza, e mesmo em Israel.

O resultado lamentável das votações mais recentes no Conselho de Segurança da ONU demonstra que a Resolução apresentada pelo Brasil era a solução possível e correta, apresentada na hora apropriada.

Os EUA, que depois reconheceram explicitamente que a nossa Resolução era muito boa, a vetaram por motivos políticos menores, de protagonismo geopolítico do governo Biden, em busca de sua reeleição.

Quem paga o preço dessa inoperância do sistema multilateral de segurança coletiva é a população civil indefesa de Gaza, submetida a bombardeios implacáveis e ao bloqueio do acesso à água, aos alimentos, à energia, ao atendimento médico. Até a comunicação já foi também bloqueada.

Essa população, que vive cercada, não tem, ao contrário do que acontece com a população ucraniana, como escapar daquilo que o Secretário-Geral da ONU bem definiu como “punição coletiva”. Não tem para onde ir, onde se refugiar. Os 32 brasileiros continuam lá, implorando para não morrer.

Na realidade, ninguém a quer. Muito menos os que apoiam a guerra, como os EUA e países europeus.

Agora, com o início da incursão terrestre a Gaza, o governo de Israel, secundado pelos EUA, não vai mais recuar e permitir qualquer “pausa humanitária”. Ao contrário, a violência vai se intensificar e se expandir.

A campanha seguirá, sistemática e implacável, por terra, ar e mar. Não haverá Norte e Sul, em Gaza. Todos os pontos cardeais serão pontos de encontro com a morte.

A tendência inexorável é a ampliação da carnificina insana. Em Gaza, morre uma criança a cada nove minutos. Quantas mais passarão a morrer agora, com a guerra total?

Operações militares em áreas urbanas densamente povoadas resultam em morticínio, como os que aconteceram em Faluja e Mosul. Israelenses e os reféns do Hamas também morrerão.

Tudo em nome da autodefesa. Porém, autodefesa não é carta-branca para barbárie.

Com efeito, o direito à autodefesa, assegurado na Carta da Nações Unidas, não pode resultar no atropelamento do direito humanitário internacional, normatizado nas Convenções de Genebra, e das disposições do Estatuto de Roma.

A continuidade do conflito deverá resultar numa catástrofe humanitária sem precedentes e na elevação das tensões geopolíticas mundiais, de consequências imprevisíveis. O alastramento geográfico da guerra é outra possibilidade que causa justificado alarme.

António Guterres foi crucificado simplesmente porque contextualizou historicamente o conflito atual, afirmando que ele não surgiu num vácuo.

De fato, nenhum conflito dessas dimensões surge num vácuo. Nem em Gaza, nem na Ucrânia.

O que está no vácuo, tanto na Ucrânia quanto em Gaza, é a paz, esperando por racionalidade e humanidade.

 

Ø  Jeferson Miola: Israel isola Gaza na escuridão para esconder Holocausto do povo palestino

 

O regime sionista de apartheid isolou por completo a Faixa de Gaza. Cortou comida, água, remédios, socorro e comunicações, e deixou o território na escuridão na ilusão de conseguir esconder o Holocausto do povo palestino.

Israel isolou do mundo inteiro o minúsculo território de 365 km2 da Faixa de Gaza onde aprisiona, confina e asfixia 2,3 milhões de prisioneiros num verdadeiro Auschwitz.

Nem mesmo a ONU consegue acesso ou comunicação com os moradores de Gaza. Israel bloqueou inclusive o sinal de satélite do território.

Funcionários das Nações Unidas, da Unicef, da OMS, de outras agências internacionais, assim como voluntários de organizações humanitárias, estão incomunicáveis devido ao bloqueio total – além de por terra, mar, ar, também pela comunicação cibernética.

Sequer é possível saber, nessas condições, se estão vivos, mortos ou feridos.

Na escuridão covarde, e alimentando a ilusão de que o mundo inteiro não ficará sabendo do Holocausto, Israel vai realizando bombardeios e ataques arrasadores.

Milhares de edifícios e residências foram explodidas. Viraram escombros debaixo dos quais jazem milhares de palestinos assassinados covardemente.

A maioria das vítimas foram crianças, mulheres e idosos – 7 a cada 10 palestinos mortos. As demais vítimas, na quase totalidade, são adultos desarmados.

Nos ataques assassinos, Israel não tem poupado nem mesmo escolas e hospitais. Mata, além de funcionários internacionais, jornalistas, médicos, enfermeiros, socorristas.

Gaza arde e derrete nas brasas do fogo infernal das bombas israelenses.

Guernica será considerada uma caricatura, se comparada com o genocídio e a completa devastação de Gaza pelo apartheid de Israel.

No registro das mais atrozes e monstruosas experiências vividas pela [des]humanidade, Auschwitz passará a rivalizar a liderança com Gaza. A vantagem relativa será apenas a quantidade; a escala.

Mas a proporção de vítimas, a essas alturas, é secundária, porque a equiparação de tratamento desumano e cruel tanto em Auschwitz quanto em Gaza é total.

Os nazistas tratavam os judeus como “ratos que precisam ser exterminados”, ao passo que os sionistas tratam os palestinos como “animais selvagens que merecem o tratamento correspondente”. Tudo em nome da limpeza étnica; da “purificação” da sociedade supremacista.

O Holocausto de Hitler e o Holocausto em Gaza são idênticos nos métodos abomináveis, no racismo e no nazismo.

Nos estertores do seu império que esperneia antes de morrer, os EUA dobram todas as apostas na barbárie.

O complexo bélico-militar estadunidense, com seu capitalismo movido a guerra e destruição, se alimenta desta que será a maior tragédia da humanidade.

Só um levante da consciência humanista mundial será capaz de deter a consumação deste ato que coloca em dúvida definitiva a viabilidade ou não de um ideal humano ético e decente.

Isso se ainda estiver ao alcance alguma possibilidade de deter o desfecho catastrófico, porque tudo já foi muito longe.

É um mundo sem sentido. É um mundo de guerra, dor, morte, fascismo e nazismo. É um mundo capitalista.

 

Ø  Jair de Souza: Bombardeio de Israel a hospital em Gaza é crime digno de Hitler; religião não pode ser usada para justificá-lo

 

Em razão do agravamento do conflito envolvendo o povo palestino e a grave ameaça de sua eliminação pelas gigantescas forças militares do Estado de Israel, somos obrigados a voltar a tratar de religião.

Isto se deve ao fato de que, no Brasil, a base de sustentação numérica do apoio às políticas genocidas dos sionistas contra os palestinos continua sendo composta majoritariamente por seguidores de igrejas neopentecostais, os quais tentam justificar a horrenda matança de tanta gente simples com base em trechos do Velho Testamento.

Tenho a convicção de que todos os que cultuam alguma crença religiosa buscam que a mesma sirva como um instrumento para a prática e conquista do bem.

Dentro de meu limitado conhecimento, acredito que em todas as religiões prevalece sempre o ideal de garantir que impere a bondade, a justiça e a solidariedade, independentemente da aceitação da existência de um único deus ou de vários deuses.

Portanto, qualquer que seja o credo, para seus seguidores, ele sempre será visto como uma ferramenta para tornar o mundo melhor.

É inegável que a preocupação com a espiritualidade vem marcando a humanidade desde seus primórdios. Entre todos os povos historicamente conhecidos, sempre houve em seu seio uma boa parcela de gente imbuída de sentimentos religiosos.

Por ser uma manifestação exclusiva do ser humano (pelo menos em relação com os seres vivos de nosso planeta), todas as correntes religiosas formadas ao longo do tempo sempre estiveram marcadas por características ligadas aos interesses dos povos nos quais elas surgiram ou se desenvolveram.

Por isso, não nos deveria surpreender que, com frequência, cada povo trate de moldar suas crenças e suas divindades em conformidade com suas próprias características.

Ao me dedicar ao estudo da história dos povos ameríndios, como no caso específico dos mexicas, isto me pareceu bastante evidenciado. Nas cerimônias e nas pregações religiosas desta nação ameríndia, os deuses por eles cultuados e os postulados defendidos eram apresentados de modo a simbolizar sua vinculação preferencial com o próprio povo mexica.

Em suas confrontações com outros povos, os mexicas procuravam justificar suas ações com base na força divina que sua religião lhe atribuía de maneira privilegiada. Seus deuses lhes davam amparo e, assim, suas atitudes estavam plenamente justificadas quando espoliavam a outras nações.

Até aqui, meu propósito é deixar claro que, embora as religiões estejam associadas à ideia do bem, cada etnia ou nação procura se apropriar das mesmas para que venham a servir aos interesses que lhes são caros.

Se este raciocínio é válido para os povos de nosso continente, igualmente será válido para aqueles retratados nos escritos bíblicos.

É só observar como os judeus são referidos no Velho Testamento como o povo escolhido, e isto ficará evidente. Naqueles textos, há uma identificação direta entre a figura de Deus e o povo judeu. Um existe em função do outro.

Agora, vamos refletir como seres humanos pensantes, independentemente de ter ou não uma religião e, no primeiro suposto, qual seja ela.

Vamos nos perguntar: Poderia um Deus que represente a essência do bem criar e designar com antecedência algum povo como seu escolhido em detrimento dos outros?

Um deus que assim fosse poderia ser considerado um ser do bem, ou seria um racista da pior espécie?

Eu não tenho nenhuma dúvida de responder a esta indagação com a segunda alternativa.

Por isso, sou dos que colocam a figura de Jesus no topo dos exemplos que merecem ser admirados e seguidos.

E, ao dizer isto, estou me referindo ao Jesus que podemos detectar a partir dos relatos de sua vida, conforme aparecem nos Evangelhos.

Como Jesus não deixou obras escritas que pudessem nos orientar teoricamente com mais precisão, penso que sua conduta em vida é o que realmente pode servir para nos guiar no rumo de um mundo mais justo e digno para toda a humanidade.

Jesus é um dos mais belos exemplos de como se pode combinar a religião com a racionalidade.

Jesus jamais acatou preceitos bíblicos que se contrapunham à sua racionalidade tão somente porque estes estavam presentes nos textos.

Há diversas passagens nos relatos de sua vida em que ele se opõe resolutamente a acatar certas disposições até então consideradas como válidas. A proibição do exercício da cura aos sábados, por exemplo, foi uma das irracionalidades que Jesus rejeitou.

Aos que insistem em fazer referência ao povo escolhido por Deus para possuir e habitar certas terras, eu pergunto: Jesus defendia a ideia de que havia um povo que, de nascimento, estava vinculado com Deus ou, diferentemente disto, considerava que os que fariam parte de seu povo seriam aqueles que viessem a assumir como suas as causas pelas quais ele lutava?

Alguém pode alegar que não sabe qual é a resposta correta para esta questão?

Em meu entender, os que aspiram viver em sintonia com os ensinamentos de Jesus precisam necessariamente levar em conta o que o próprio Jesus expressava nos diferentes episódios que narram sua vida entre nós. Não existe uma só instância em que o encontremos fazendo uma apologia cega dos textos bíblicos.

Em sua imensa sabedoria e humanidade, ele sempre aparece apelando para que façamos uso de nossa razão e de nosso coração. Não há um único caso em que ele defenda atos de violência contra outros tão somente por aquilo estar presente em algum dos escritos.

Sendo assim, convém que meditemos sobre qual seria o entendimento de Jesus em relação com o sangrento conflito em curso na atualidade envolvendo o Estado de Israel e o povo palestino.

Ali, naquela região onde o próprio Jesus passou seus dias de vida, havia um povo humilde vivendo há milhares de anos, em modéstia mas com dignidade.

De repente, aparecem outros pretendentes das terras provenientes da Europa e se dizem os proprietários de tudo, uma vez que Deus lhes havia prometido aquelas terras.

Não importa a evolução da história e os milhares de anos passados, os milhões de pessoas que lá estavam vivendo há muitas gerações deveriam ser expulsos para dar lugar aos recém-chegados, que viriam com uma “escritura” divina estabelecida nos inícios do tempo.

Alguém consegue ter a coragem para acreditar que Jesus se colocaria do lado dos que vieram expulsar os que já habitavam o lugar?

Neste exato momento, o exército sionista de Israel bombardeou um hospital em Gaza e exterminou 500 pessoas que lá estavam.

É um crime digno de Hitler, mas ainda assim existem pastores e seguidores de igrejas neopentecostais que procuram justificar essa monstruosidade com base no que está estipulado em textos sagrados.

Por favor, em nome de Jesus, usem sua racionalidade e deixem de defender as práticas assassinas e diabólicas que estão sendo cometidas contra um povo humilde e indefeso.

 

Fonte: Viomundo

 

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