sexta-feira, 27 de outubro de 2023

Jean Menezes Aguiar: Certo, Hamas é terrorista; mas... Israel não é flor que se cheire

‘Somente a cooperação direta com os árabes pode criar uma vida digna e segura. O que me entristece não é tanto o fato de que os judeus não sejam inteligentes o bastante para entender isso, mas sim que não sejam inteligentes o bastante para querer isso.’ Albert Einstein, carta a Hugo Bergman, 19.6.1930.

Realmente, a falta de inteligência é danosa. Vão-se décadas e o pensamento belicista fossilizado se mantém. Não há sabedoria aí.

Algumas coisas são incomparáveis. Mas, o que seria ‘mais’ bárbaro: um ataque originário que mata 1000 inocentes em Israel, ou um reativo que mata 5000 em Gaza? Qualquer resposta ideológica é imprestável.

O Oriente Médio engana. E não engana. Porém, exige algum estudo. Há panos de fundo escondidos ali. Talvez o mais central nem seja a disputa de território ou etnias, desprezos e ódios rácicos ou étnicos vitalícios, ensinados em escolas e famílias. Mas a causa, a questão religiosa, envolvendo deuses e crenças, cada uma com suas geolocalizações ‘sagradas’, na região da Palestina.

Em maio passado, publiquei artigo intitulado A ‘Democracia’ de Israel, com aspas. Abordava o novo ‘golpe’ que o necessariamente ultraconservador qualquer-que-seja primeiro-ministro de Israel, no caso Benjamin Netanyahu, no sexto mandato, aplicava no conceito de democracia. O texto expõe uma indefensável discriminação daquela sociedade, com o preconceito da ‘religião oficial’ de Israel contra os 20% da população que nasce e vive lá – isso mesmo-, mas não adota a religião oficial.

Uma das fontes é o notável ex-judeu e professor de história contemporânea Shlomo Sand, da universidade de Tel-Aviv. Sand, após mostrar o fracasso de se procurar um DNA judeu; qualquer pureza genética; ou uma impressão digital judia, relata uma Israel jamais comprometida com uma autêntica teocracia rabínica, mas, em troca, com uma malandra etnocracia sionista. Diz que vive ‘em uma das sociedades mais racistas do mundo ocidental’, apontando que este racismo ‘é encontrado no espírito das leis, ensinado nas escolas, difundido nas mídias... Em consequência disso, Israel se tornou referência para uma maioria integrante de movimentos de extrema-direita no mundo, onde outrora o antissemitismo era bem conhecido’ (Como Deixei de Ser Judeu, p. 131) .

A realidade frustra deslumbrados. Já sua revelação enfurece mentirosos.

Há quem acredite que Israel, na lógica do Oriente Médio, seja um eternamente ‘perseguido’ por ataques infames à sua religião oficial. O fato é que Israel conseguiu se inventar e se reinventar como potência em vários sentidos. Só que como a epígrafe de Einstein, já passou da hora de alguém esclarecido lançar mão de uma inteligência racional e objetiva para buscar o único convívio possível com os palestinos: a paz.

Ainda que isso seja culturalmente difícil. Palestinos sentiram-se traídos com a independência de Israel, os sionistas, que sempre negaram o judaísmo, note-se, e queriam não apenas um lugar para judeus, mas a criação de um Estado judaico – religioso-. Palestinos chamaram essa independência de al-nakba, a catástrofe. O Estado israelense foi conseguido, discriminando populações judaicas primordiais – os que se declaram judeus-, da população oficial pela lei rabínica (Halacha), ditatorial sistema estatal em que é o Ministério do Interior que diz quem pertence ou não à religião. O Estado propagandeia um ethnos judeu; crédulos acreditam. Não à toa a suprema corte de Israel disse que não existe nação nem cidadania israelenses, no famoso caso Georges Rafael Tamarin. O que existe é Estado judeu.

O Oriente Médio acaba sendo previsível. Os preconceitos religiosos ali, antes de serem atrasados, sempre foram trágicos e assassinos. O ‘mate um dos meus que mato mil dos seus’, lógica daquelas guerras, nunca criou sabedoria cultural ao longo da educação para as muitas gerações.

Agora, o outro lado, o Hamas. O Movimento de Resistência Islâmica, um grupo protogeneticamente terrorista. Mais um bando de fundamentalistas que, como se não bastasse, efetiva atos homicidas contra civis inocentes de Israel, sendo que toda vez que mata e explode alguém invoca Deus. O patético Allahu Akbar! para assassinar. Aí, um grito de guerra sagrado para matanças e explosões terroristas. Nesta visão, a religião islâmica deveria ‘interditar’, pelo menos formalmente, o uso da frase-adoração por terroristas. A propaganda massificada com a expressão vem se tornando marca indelével do terror.

A hipótese Deus, no Oriente Médio, continua sendo um ponto inflexível em praticamente todas as movimentações bélicas e terroristas da região. Num plano aparente, a questão palestino-israelense se reduziria ao problema da terra, mas retroagindo-se em razões, chega-se aos fundamentos, a tríplice geolocalização ‘sagrada’, das três crenças monoteístas. Não é à toa a frase do cineasta espanhol Luis Buñuel: ‘Deus e a Pátria são um time imbatível; eles quebram todos os recordes de opressão e derramamento de sangue.’

No plano do Direito Internacional há um pensamento debilitado. Israel, como Estado constituído e potência militar ocupante não pode, em nome de uma reação ao terrorismo do Hamas, agir como exterminador em massa. Mutilar e matar civis intencionalmente, destruindo inacreditáveis 64 mil prédios residenciais em Gaza, em dias, conforme a imprensa mundial, não pode ser mera reação. A fatura jurídica do crime de guerra deverá vir. Tanto para o Hamas, quanto para Israel. Para o Hamas, dane-se: ele é o que é e não vai se importar com esta admoestação jurídica, nem tem como ser responsabilizado. Já para Israel, como Estado, é péssimo.

Assim, duas frentes. A primeira, o fato de o Hamas ser um grupo terrorista e Israel ser um Estado constituído. Situações incomparáveis. Estados têm impedimentos jurídicos e internacionais de agir com vinganças e ferocidades. A segunda – de novo e sempre-, é Israel não guardar alguma proporção entre o ataque terrorista sofrido e a reação exterminadora de civis e cidades. No famoso evento de Qibya, em 1953, por exemplo, Israel matou 69 aldeões palestinos em vingança pelo assassinado de um israelense e dois filhos. Outros episódios sabidamente idênticos houve na História, sempre trágicos.

Desde a 2ª Guerra, apenas o ano de 1947 transcorreu sem conflito armado, situação que em todas as vezes envolveu civis, mortos e feridos por bombas, foguetes, mísseis, carros-bomba, artilharia, ônibus explodidos, franco-atiradores e todo tipo de barbáries e taras homicidas. Sempre cada lado com suas ‘razões’ empedernidas e austeríssimas. E o resultado, um só: guerra.

Enquanto perduram os ataques do Hamas, é legítima e necessária uma reação de Israel que, admita-se, pode se estender à neutralização daquela caterva terrorista, desde que, sempre e obviamente, não dizime inocentes.

O saldo histórico, pelo Atlas do Oriente Médio, de Dan Smith (Publifolha), no rol de atrocidades da região é:

1) Israel sempre se impôs militarmente, de uma forma assimétrica e danosa a problemas na região.

2) Não atendeu à resolução 242 da ONU.

3) Invadiu o Egito, na guerra de 1967.

4) A partir de 1970 foi considerado um Estado com armas nucleares.

5) Os assentamentos na Faixa de Gaza foram considerados todos ilegais, pela 4ª Convenção de Genebra.

6) O Tribunal Internacional de Justiça considerou, em 2004, o Muro ilegal.

7) A escandalosa discriminação de recursos hídricos em Gaza dá a palestinos 60 litros de água por dia, mas aos da religião oficial de Israel, 350 litros, isso em poços palestinos.

8) H&aa cute; e sempre houve um ataque permanente à esperança e à dignidade dos palestinos.

9) Com a Intifada, Israel teve seriamente sua imagem prejudicada.

Uma síntese: o Hamas não tem defesa pelo que faz enquanto sua natureza: é uma gente brutal, previsível e terrorista. Quanto aos palestinos, há, infelizmente e em parte substancial da população, muito ódio desenvolvido culturalmente, o que leva a muitos, ainda que sem estarem efetivamente nas fileiras do Hamas, a apoiar o Hamas. Isso complica severamente uma solução de paz. Mas ela se impõe e os palestinos têm que fazer a sua parte nisso. Já quanto a Israel há o fato de ser um Estado constituído, ainda que com traços ditatoriais nítidos e sociais degradantes, orgulhando-se de uma discriminação rácica com a coisa de um povo de primeira, e um povo de resto, aqui incluídos os palestinos, o que sempre impediu conve rsações igualitárias.

Enquanto tais fundamentos religiosos e deísticos, sabidamente atrasados porque aí geradores de guerras ferozes, não receberem um toque de inteligência racional, o que alguém diria ‘milagre’, a situação no Oriente Médio, com guerras, perdurará. E os pais continuarão a ser vistos na TV, aos berros, carregando seus bebês mortos, em prantos, e em ódios viscerais à religião inimiga, ao deus inimigo, e ao país que então precisa ser exterminado da face da Terra.

Que todos aprendam com Einstein.

 

       A quem serve confundir o Hamas com o Estado Islâmico

 

"Neste momento no Oriente Médio -- ou Ásia Ocidental -- está em embate o fim definitivo da OTAN, o fim definitivo da hegemonia do dólar, o fim definitivo da hegemonia dos Estados Unidos, o fim definitivo do G7, o fim definitivo do colonialismo de 200 anos atrás, o fim definitivo do modelo construído a partir das duas guerras. Quem não compreender isso vai ficar falando as bobagens que fala esse Guga Chacra aqui no Brasil".

A declaração foi dada à Fórum pelo presidente da Federação Palestina Árabe do Brasil, Ualid Rabah.

Antes mesmo do périplo de líderes ocidentais a Tel Aviv para manifestar apoio a Israel, inclusive do presidente dos Estados Unidos Joe Biden, Ualid fez uma análise histórica do envolvimento das potências ocidentais no Oriente Médio:

"Eu quero recorrer à História. A Inglaterra e a França, com o apoio dos Estados Unidos, selaram o acordo de Sykes-Picot em 1916, no qual negaram à Palestina o direito de autodeterminação prometido nas correspondências de 1913 e 1915 ao Sheikh [bin Ali] Hussein,  naquele momento representante árabe [como Xarife de Meca] na correspondência com o [diplomata] inglês [Arthur Henry] McMahon. O esforço de guerra dos países árabes contra o Império Otomano seria recompensado com a autodeterminação", afirmou.

Sobre a declaração de Balfour:

Em 1917 a Inglaterra emite a declaração de Balfour, que promete um lar nacional na Palestina aos judeus. Detalhe: ela diz que não judeus terão direitos civis e religiosos reconhecidos. Agora entram a Itália e também os Estados Unidos. Em 1920, na Itália, em San Remo, eles definem o território colonial da Palestina, definem que o mandato será aplicado e definem que a Inglaterra será encarregada disso.

Mais adiante, já com a Liga das Nações criada, depois da Primeira Guerra Mundial, foi estabelecido o mandato britânico sobre a Palestina e a Transjordânia, que hoje constituem Israel, Jordânia e os territórios palestinos:

"Com os Estados Unidos, em 1922, na Liga das Nações, eles aprovam o chamado mandato para Palestina, que é o mandato colonial para os ingleses dominarem a Palestina. O preâmbulo diz que vai ser implementada a declaração Balfour. Detalhe, tem 28 artigos e nenhum deles cita o povo palestino. Os 11 primeiros desenham como vai acontecer a limpeza ética e a colonização. Gaza é produto disso, porque 73% da população de Gaza é de refugiados de 1948 [implantação do estado de Israel]", lembra Ualid.

É neste contexto que deve ser vista a promessa feita em Tel Aviv pelo presidente da França, Emmanuel Macron, de promover uma guerra da coalizão anti-Estado Islâmico contra o Hamas.

DIVERSIONISMO E PROPAGANDA

É uma ideia contestada por analistas ocidentais.

Itzchak Weismann, historiador da Universidade de Haifa que estuda movimentos islâmicos, disse ao diário israelense Haaretz:

# O Hamas tentou incluir toda a população de Gaza. Em contraste, o Estado Islâmico assassinaria qualquer muçulmano que não rezasse na hora certa. Você não pode simplesmente dizer: ‘O ISIS massacrou pessoas e o Hamas também, então eles são iguais’

"O Estado Islâmico vê os integrantes do Hamas como apóstatas", publicou Aaron Zelin, do Instituto de Política para o Oriente Médio de Washington.

Nenhum dos dois pode ser acusado de apoiador do Hamas.

O Estado Islâmico, de origem sunita, não aceita os contatos do Hamas com o governo xiita do Irã.

O Hezbollah, movimento xiita baseado no Líbano que defende a causa palestina, por sua vez lutou contra milícias do Estado Islâmico na Síria.

O Irã foi um dos principais articuladores do combate ao Estado Islâmico (que chama de Daesh) no Iraque.

O presidente da Turquia, Tayyip Erdogan, ao anunciar o cancelamento de planos para visitar Tel Aviv, rejeitou a tentativa de Israel -- com apoio dos Estados Unidos e da França -- de embaralhar a causa palestina com o Estado Islâmico:

# O Hamas não é uma organização terrorista, é um grupo de libertação, mujahideen que trava uma batalha para proteger as suas terras e o seu povo

O diversionismo de Israel tem justamente este objetivo: comparar o Hamas ao Estado Islâmico atrai as potências ocidentais para um enfrentamento entre o "bem" e o "mal", cujos caminhos passam pelo Hezbollah no Líbano e terminam em Teerã.

É por isso que Vladimir Putin, enfrentando uma guerra na Ucrânia, deu uma guinada na política externa de Moscou, sempre muito amigável com Israel: o líder russo quer tirar proveito do sentimento anti-ocidental que se espalha nas ruas dos países árabes e muçulmanos.

Mesmo na Indonésia e Malásia, que não tem relações diplomáticas com Israel mas não estão entre os grandes financiadores da causa palestina, as manifestações dos últimos dias revelam que a retaliação de Israel contra o Hamas, que mata crianças na faixa de Gaza, causa profunda repulsa.

Confundir apoiadores da causa palestina com apoiadores do terrorismo é um peça da guerra de propaganda por corações e mentes e "justifica" o massacre de civis em Gaza aos olhos ocidentais.

 

       Putin diz que conflito Israel-Hamas pode se espalhar e condena bombardeio em Gaza

 

O presidente russo, Vladimir Putin, alertou nesta quarta-feira que o conflito entre Israel e Hamas pode se espalhar para muito além do Oriente Médio e disse que é errado que mulheres, crianças e idosos inocentes em Gaza estejam sendo punidos pelos crimes de outras pessoas.

Putin, que fez os comentários em reunião do Kremlin com diferentes líderes religiosos russos, disse que o derramamento de sangue na região precisa parar. Ele contou ainda que afirmou a outros líderes mundiais por telefone que, se isso não acontecer, há risco de uma conflagração muito mais ampla.

"Nossa tarefa hoje, nossa principal tarefa, é parar o derramamento de sangue e a violência", disse Putin, de acordo com uma transcrição da reunião do Kremlin.

"Caso contrário, uma nova escalada da crise estará repleta de consequências graves, extremamente perigosas e destrutivas. E não apenas para a região. Ela poderá se alastrar para muito além das fronteiras do Oriente Médio."

Em comentários que criticaram o Ocidente, Putin disse que certas forças não identificadas procuravam provocar uma nova escalada e atrair, o quanto fosse possível, outros países e povos para o conflito.

O objetivo, disse ele, era "lançar uma verdadeira onda de caos e ódio mútuo não só no Oriente Médio, mas também muito além das suas fronteiras. Para isso, entre outras coisas, estão tentando jogar com os sentimentos nacionais e religiosos de milhões de pessoas."

Putin transmitiu suas condolências às famílias dos israelenses e dos cidadãos de outros países que foram mortos ou feridos pelo Hamas no violento ataque de 7 de outubro.

 

Fonte: Brasil 247/Fórum/Reuters

 

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