Jean Menezes Aguiar: Certo, Hamas é terrorista; mas... Israel não é
flor que se cheire
‘Somente a cooperação direta com os árabes pode
criar uma vida digna e segura. O que me entristece não é tanto o fato de que os
judeus não sejam inteligentes o bastante para entender isso, mas sim que não
sejam inteligentes o bastante para querer isso.’ Albert Einstein, carta a Hugo
Bergman, 19.6.1930.
Realmente, a falta de inteligência é danosa. Vão-se
décadas e o pensamento belicista fossilizado se mantém. Não há sabedoria aí.
Algumas coisas são incomparáveis. Mas, o que seria
‘mais’ bárbaro: um ataque originário que mata 1000 inocentes em Israel, ou um
reativo que mata 5000 em Gaza? Qualquer resposta ideológica é imprestável.
O Oriente Médio engana. E não engana. Porém, exige
algum estudo. Há panos de fundo escondidos ali. Talvez o mais central nem seja
a disputa de território ou etnias, desprezos e ódios rácicos ou étnicos
vitalícios, ensinados em escolas e famílias. Mas a causa, a questão religiosa,
envolvendo deuses e crenças, cada uma com suas geolocalizações ‘sagradas’, na
região da Palestina.
Em maio passado, publiquei artigo intitulado A
‘Democracia’ de Israel, com aspas. Abordava o novo ‘golpe’ que o
necessariamente ultraconservador qualquer-que-seja primeiro-ministro de Israel,
no caso Benjamin Netanyahu, no sexto mandato, aplicava no conceito de
democracia. O texto expõe uma indefensável discriminação daquela sociedade, com
o preconceito da ‘religião oficial’ de Israel contra os 20% da população que
nasce e vive lá – isso mesmo-, mas não adota a religião oficial.
Uma das fontes é o notável ex-judeu e professor de
história contemporânea Shlomo Sand, da universidade de Tel-Aviv. Sand, após
mostrar o fracasso de se procurar um DNA judeu; qualquer pureza genética; ou
uma impressão digital judia, relata uma Israel jamais comprometida com uma
autêntica teocracia rabínica, mas, em troca, com uma malandra etnocracia
sionista. Diz que vive ‘em uma das sociedades mais racistas do mundo
ocidental’, apontando que este racismo ‘é encontrado no espírito das leis,
ensinado nas escolas, difundido nas mídias... Em consequência disso, Israel se
tornou referência para uma maioria integrante de movimentos de extrema-direita
no mundo, onde outrora o antissemitismo era bem conhecido’ (Como Deixei de Ser
Judeu, p. 131) .
A realidade frustra deslumbrados. Já sua revelação
enfurece mentirosos.
Há quem acredite que Israel, na lógica do Oriente
Médio, seja um eternamente ‘perseguido’ por ataques infames à sua religião
oficial. O fato é que Israel conseguiu se inventar e se reinventar como
potência em vários sentidos. Só que como a epígrafe de Einstein, já passou da
hora de alguém esclarecido lançar mão de uma inteligência racional e objetiva
para buscar o único convívio possível com os palestinos: a paz.
Ainda que isso seja culturalmente difícil.
Palestinos sentiram-se traídos com a independência de Israel, os sionistas, que
sempre negaram o judaísmo, note-se, e queriam não apenas um lugar para judeus,
mas a criação de um Estado judaico – religioso-. Palestinos chamaram essa
independência de al-nakba, a catástrofe. O Estado israelense foi conseguido,
discriminando populações judaicas primordiais – os que se declaram judeus-, da
população oficial pela lei rabínica (Halacha), ditatorial sistema estatal em
que é o Ministério do Interior que diz quem pertence ou não à religião. O
Estado propagandeia um ethnos judeu; crédulos acreditam. Não à toa a suprema
corte de Israel disse que não existe nação nem cidadania israelenses, no famoso
caso Georges Rafael Tamarin. O que existe é Estado judeu.
O Oriente Médio acaba sendo previsível. Os
preconceitos religiosos ali, antes de serem atrasados, sempre foram trágicos e
assassinos. O ‘mate um dos meus que mato mil dos seus’, lógica daquelas
guerras, nunca criou sabedoria cultural ao longo da educação para as muitas
gerações.
Agora, o outro lado, o Hamas. O Movimento de
Resistência Islâmica, um grupo protogeneticamente terrorista. Mais um bando de
fundamentalistas que, como se não bastasse, efetiva atos homicidas contra civis
inocentes de Israel, sendo que toda vez que mata e explode alguém invoca Deus.
O patético Allahu Akbar! para assassinar. Aí, um grito de guerra sagrado para
matanças e explosões terroristas. Nesta visão, a religião islâmica deveria
‘interditar’, pelo menos formalmente, o uso da frase-adoração por terroristas.
A propaganda massificada com a expressão vem se tornando marca indelével do
terror.
A hipótese Deus, no Oriente Médio, continua sendo
um ponto inflexível em praticamente todas as movimentações bélicas e
terroristas da região. Num plano aparente, a questão palestino-israelense se
reduziria ao problema da terra, mas retroagindo-se em razões, chega-se aos
fundamentos, a tríplice geolocalização ‘sagrada’, das três crenças monoteístas.
Não é à toa a frase do cineasta espanhol Luis Buñuel: ‘Deus e a Pátria são um
time imbatível; eles quebram todos os recordes de opressão e derramamento de
sangue.’
No plano do Direito Internacional há um pensamento
debilitado. Israel, como Estado constituído e potência militar ocupante não
pode, em nome de uma reação ao terrorismo do Hamas, agir como exterminador em
massa. Mutilar e matar civis intencionalmente, destruindo inacreditáveis 64 mil
prédios residenciais em Gaza, em dias, conforme a imprensa mundial, não pode
ser mera reação. A fatura jurídica do crime de guerra deverá vir. Tanto para o
Hamas, quanto para Israel. Para o Hamas, dane-se: ele é o que é e não vai se
importar com esta admoestação jurídica, nem tem como ser responsabilizado. Já
para Israel, como Estado, é péssimo.
Assim, duas frentes. A primeira, o fato de o Hamas
ser um grupo terrorista e Israel ser um Estado constituído. Situações
incomparáveis. Estados têm impedimentos jurídicos e internacionais de agir com
vinganças e ferocidades. A segunda – de novo e sempre-, é Israel não guardar
alguma proporção entre o ataque terrorista sofrido e a reação exterminadora de
civis e cidades. No famoso evento de Qibya, em 1953, por exemplo, Israel matou
69 aldeões palestinos em vingança pelo assassinado de um israelense e dois
filhos. Outros episódios sabidamente idênticos houve na História, sempre
trágicos.
Desde a 2ª Guerra, apenas o ano de 1947 transcorreu
sem conflito armado, situação que em todas as vezes envolveu civis, mortos e
feridos por bombas, foguetes, mísseis, carros-bomba, artilharia, ônibus
explodidos, franco-atiradores e todo tipo de barbáries e taras homicidas.
Sempre cada lado com suas ‘razões’ empedernidas e austeríssimas. E o resultado,
um só: guerra.
Enquanto perduram os ataques do Hamas, é legítima e
necessária uma reação de Israel que, admita-se, pode se estender à
neutralização daquela caterva terrorista, desde que, sempre e obviamente, não
dizime inocentes.
O saldo histórico, pelo Atlas do Oriente Médio, de
Dan Smith (Publifolha), no rol de atrocidades da região é:
1) Israel sempre se impôs militarmente, de uma
forma assimétrica e danosa a problemas na região.
2) Não atendeu à resolução 242 da ONU.
3) Invadiu o Egito, na guerra de 1967.
4) A partir de 1970 foi considerado um Estado com
armas nucleares.
5) Os assentamentos na Faixa de Gaza foram
considerados todos ilegais, pela 4ª Convenção de Genebra.
6) O Tribunal Internacional de Justiça considerou,
em 2004, o Muro ilegal.
7) A escandalosa discriminação de recursos hídricos
em Gaza dá a palestinos 60 litros de água por dia, mas aos da religião oficial
de Israel, 350 litros, isso em poços palestinos.
8) H&aa cute; e sempre houve um ataque
permanente à esperança e à dignidade dos palestinos.
9) Com a Intifada, Israel teve seriamente sua
imagem prejudicada.
Uma síntese: o Hamas não tem defesa pelo que faz
enquanto sua natureza: é uma gente brutal, previsível e terrorista. Quanto aos
palestinos, há, infelizmente e em parte substancial da população, muito ódio
desenvolvido culturalmente, o que leva a muitos, ainda que sem estarem
efetivamente nas fileiras do Hamas, a apoiar o Hamas. Isso complica severamente
uma solução de paz. Mas ela se impõe e os palestinos têm que fazer a sua parte
nisso. Já quanto a Israel há o fato de ser um Estado constituído, ainda que com
traços ditatoriais nítidos e sociais degradantes, orgulhando-se de uma
discriminação rácica com a coisa de um povo de primeira, e um povo de resto,
aqui incluídos os palestinos, o que sempre impediu conve rsações igualitárias.
Enquanto tais fundamentos religiosos e deísticos,
sabidamente atrasados porque aí geradores de guerras ferozes, não receberem um
toque de inteligência racional, o que alguém diria ‘milagre’, a situação no
Oriente Médio, com guerras, perdurará. E os pais continuarão a ser vistos na
TV, aos berros, carregando seus bebês mortos, em prantos, e em ódios viscerais
à religião inimiga, ao deus inimigo, e ao país que então precisa ser
exterminado da face da Terra.
Que todos aprendam com Einstein.
A quem
serve confundir o Hamas com o Estado Islâmico
"Neste momento no Oriente Médio -- ou Ásia
Ocidental -- está em embate o fim definitivo da OTAN, o fim definitivo da
hegemonia do dólar, o fim definitivo da hegemonia dos Estados Unidos, o fim
definitivo do G7, o fim definitivo do colonialismo de 200 anos atrás, o fim
definitivo do modelo construído a partir das duas guerras. Quem não compreender
isso vai ficar falando as bobagens que fala esse Guga Chacra aqui no
Brasil".
A declaração foi dada à Fórum pelo presidente da
Federação Palestina Árabe do Brasil, Ualid Rabah.
Antes mesmo do périplo de líderes ocidentais a Tel
Aviv para manifestar apoio a Israel, inclusive do presidente dos Estados Unidos
Joe Biden, Ualid fez uma análise histórica do envolvimento das potências
ocidentais no Oriente Médio:
"Eu quero recorrer à História. A Inglaterra e
a França, com o apoio dos Estados Unidos, selaram o acordo de Sykes-Picot em
1916, no qual negaram à Palestina o direito de autodeterminação prometido nas
correspondências de 1913 e 1915 ao Sheikh [bin Ali] Hussein, naquele momento representante árabe [como
Xarife de Meca] na correspondência com o [diplomata] inglês [Arthur Henry]
McMahon. O esforço de guerra dos países árabes contra o Império Otomano seria
recompensado com a autodeterminação", afirmou.
Sobre a declaração de Balfour:
Em 1917 a Inglaterra emite a declaração de Balfour,
que promete um lar nacional na Palestina aos judeus. Detalhe: ela diz que não
judeus terão direitos civis e religiosos reconhecidos. Agora entram a Itália e
também os Estados Unidos. Em 1920, na Itália, em San Remo, eles definem o
território colonial da Palestina, definem que o mandato será aplicado e definem
que a Inglaterra será encarregada disso.
Mais adiante, já com a Liga das Nações criada,
depois da Primeira Guerra Mundial, foi estabelecido o mandato britânico sobre a
Palestina e a Transjordânia, que hoje constituem Israel, Jordânia e os
territórios palestinos:
"Com os Estados Unidos, em 1922, na Liga das
Nações, eles aprovam o chamado mandato para Palestina, que é o mandato colonial
para os ingleses dominarem a Palestina. O preâmbulo diz que vai ser
implementada a declaração Balfour. Detalhe, tem 28 artigos e nenhum deles cita
o povo palestino. Os 11 primeiros desenham como vai acontecer a limpeza ética e
a colonização. Gaza é produto disso, porque 73% da população de Gaza é de
refugiados de 1948 [implantação do estado de Israel]", lembra Ualid.
É neste contexto que deve ser vista a promessa
feita em Tel Aviv pelo presidente da França, Emmanuel Macron, de promover uma
guerra da coalizão anti-Estado Islâmico contra o Hamas.
DIVERSIONISMO E PROPAGANDA
É uma ideia contestada por analistas ocidentais.
Itzchak Weismann, historiador da Universidade de
Haifa que estuda movimentos islâmicos, disse ao diário israelense Haaretz:
# O Hamas tentou incluir toda a população de Gaza.
Em contraste, o Estado Islâmico assassinaria qualquer muçulmano que não rezasse
na hora certa. Você não pode simplesmente dizer: ‘O ISIS massacrou pessoas e o
Hamas também, então eles são iguais’
"O Estado Islâmico vê os integrantes do Hamas
como apóstatas", publicou Aaron Zelin, do Instituto de Política para o
Oriente Médio de Washington.
Nenhum dos dois pode ser acusado de apoiador do
Hamas.
O Estado Islâmico, de origem sunita, não aceita os
contatos do Hamas com o governo xiita do Irã.
O Hezbollah, movimento xiita baseado no Líbano que
defende a causa palestina, por sua vez lutou contra milícias do Estado Islâmico
na Síria.
O Irã foi um dos principais articuladores do
combate ao Estado Islâmico (que chama de Daesh) no Iraque.
O presidente da Turquia, Tayyip Erdogan, ao
anunciar o cancelamento de planos para visitar Tel Aviv, rejeitou a tentativa
de Israel -- com apoio dos Estados Unidos e da França -- de embaralhar a causa
palestina com o Estado Islâmico:
# O Hamas não é uma organização terrorista, é um
grupo de libertação, mujahideen que trava uma batalha para proteger as suas
terras e o seu povo
O diversionismo de Israel tem justamente este
objetivo: comparar o Hamas ao Estado Islâmico atrai as potências ocidentais
para um enfrentamento entre o "bem" e o "mal", cujos
caminhos passam pelo Hezbollah no Líbano e terminam em Teerã.
É por isso que Vladimir Putin, enfrentando uma
guerra na Ucrânia, deu uma guinada na política externa de Moscou, sempre muito
amigável com Israel: o líder russo quer tirar proveito do sentimento
anti-ocidental que se espalha nas ruas dos países árabes e muçulmanos.
Mesmo na Indonésia e Malásia, que não tem relações
diplomáticas com Israel mas não estão entre os grandes financiadores da causa
palestina, as manifestações dos últimos dias revelam que a retaliação de Israel
contra o Hamas, que mata crianças na faixa de Gaza, causa profunda repulsa.
Confundir apoiadores da causa palestina com
apoiadores do terrorismo é um peça da guerra de propaganda por corações e
mentes e "justifica" o massacre de civis em Gaza aos olhos
ocidentais.
Putin
diz que conflito Israel-Hamas pode se espalhar e condena bombardeio em Gaza
O presidente russo, Vladimir Putin, alertou nesta
quarta-feira que o conflito entre Israel e Hamas pode se espalhar para muito
além do Oriente Médio e disse que é errado que mulheres, crianças e idosos
inocentes em Gaza estejam sendo punidos pelos crimes de outras pessoas.
Putin, que fez os comentários em reunião do Kremlin
com diferentes líderes religiosos russos, disse que o derramamento de sangue na
região precisa parar. Ele contou ainda que afirmou a outros líderes mundiais
por telefone que, se isso não acontecer, há risco de uma conflagração muito
mais ampla.
"Nossa tarefa hoje, nossa principal tarefa, é
parar o derramamento de sangue e a violência", disse Putin, de acordo com
uma transcrição da reunião do Kremlin.
"Caso contrário, uma nova escalada da crise
estará repleta de consequências graves, extremamente perigosas e destrutivas. E
não apenas para a região. Ela poderá se alastrar para muito além das fronteiras
do Oriente Médio."
Em comentários que criticaram o Ocidente, Putin
disse que certas forças não identificadas procuravam provocar uma nova escalada
e atrair, o quanto fosse possível, outros países e povos para o conflito.
O objetivo, disse ele, era "lançar uma
verdadeira onda de caos e ódio mútuo não só no Oriente Médio, mas também muito
além das suas fronteiras. Para isso, entre outras coisas, estão tentando jogar
com os sentimentos nacionais e religiosos de milhões de pessoas."
Putin transmitiu suas condolências às famílias dos
israelenses e dos cidadãos de outros países que foram mortos ou feridos pelo
Hamas no violento ataque de 7 de outubro.
Fonte: Brasil 247/Fórum/Reuters
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