Elio Gaspari: Nos EUA, foi a Polícia Federal (FBI) que conseguiu
derrotar o crime organizado
No mesmo dia em que as milícias do Rio dominaram
parte da cidade e queimaram pelo menos 35 ônibus, o então terceiro homem da
Agência Brasileira de Inteligência revelou que os US$ 171,8 mil que tinha em
casa eram uma poupança familiar. A segurança pública nacional está bichada.
Como disse Ricardo Cappelli, secretário-executivo do Ministério da Justiça,
esse problema não será resolvido com uma “bala de prata”.
Do jeito que estão as coisas, talvez seja melhor
esperar por um armeiro capaz de fabricar uma bala parecida. Ela poderá vir da
valorização da Polícia Federal e da paulatina federalização de alguns crimes.
O exemplo viria do Federal Bureau of Investigation
americano. À primeira vista, é um mau exemplo. O FBI nasceu numa repartição de
polícia política, entregue a um sujeito detestável que ficou à sua frente por
37 anos, até sua morte, em 1972.
Edgar Hoover perseguiu negros e esquerdistas.
Grampeou centenas de personalidades. Com seus dossiês, intimidava artistas e
políticos (inclusive presidentes). Ele fez tudo isso, mas profissionalizou sua
polícia e quebrou a espinha dorsal de quadrilhas que assombravam os Estados
Unidos.
Mestre da manipulação política, em 1934, no governo
de Franklin Roosevelt, Hoover ampliou sua jurisdição, federalizando crimes que
estavam nas esferas estaduais. Quando ele morreu, os Estados Unidos tinham um
polícia federal e ela se livrou de suas obsessões.
Com esse nome, a Polícia Federal brasileira
apareceu em 1967. Tinha uma estrutura pobre e, aos poucos, profissionalizou-se,
sem os grandes escândalos que povoaram as polícias estaduais. Não é um FBI, mas
está muito acima da média de quase todas as Polícias Civis ou Militares. No Rio
de Janeiro, ela não confia nas conexões e nas informações de suas congêneres.
Quando um governador como Cláudio Castro, do Rio,
diz que sua polícia combate o crime “dia e noite, sete dias por semana”, a
Polícia Federal ri. Na sua estrutura, políticos estaduais podem até influenciar
nomeações, mas nunca têm a audácia de proclamar esse poder, como se faz na
segurança do Rio.
A PF não é uma bala de prata, mas pode vir a ser uma
coisa parecida. O miliciano que foi morto pela polícia do Rio, disparando a
resposta do crime, era um foragido de presídio estadual. O governador Castro,
triunfante, anunciou que os presos de segunda-feira iriam para cadeias
federais. Não lhe ocorreu dizer como o bandido conseguiu fugir.
Os poderosos de Brasília gostam de anunciar planos
mirabolantes ou demófobos. Durante a presepada da intervenção militar no Rio,
em 2018, por pouco não foi adiante uma medida que permitia mandados de prisão e
buscas coletivas para ruas inteiras. Um general foi a um quartel da PM e não
recebeu continência imediata da tropa. Naqueles dias, a vereadora Marielle
Franco perguntava: “Quantos mais precisam morrer?” Ela foi assassinada horas
depois.
Como repete o repórter Otávio Guedes, está em curso
um processo de “mexicanização” do Brasil. O tráfico associou-se a milícias e
ambos infiltraram-se primeiro nas polícias, depois em alguns (ainda poucos)
cargos da magistratura.
Depois que a milícia barbarizou no Rio, o
governador disse que telefonou para o ministro da Justiça, e o doutor Flávio
Dino revelou que viajaria para a cidade em companhia de Ricardo Cappelli. Pura
coreografia do poder.
Ø Surge mais um plano mirabolante para salvar o sistema de segurança do
Rio
No artigo que publicou no O Globo e na Folha de
S.Paulo, Elio Gaspari lembrou que no ano 2000, passagem do século, o presidente
Fernando Henrique Cardoso anunciou um plano de integração federal para o
apoio ao combate à criminalidade no Rio de Janeiro que se expandia acentuadamente.
Vinte e três anos depois ressurge um novo plano com
a participação de Forças Nacionais e uma preocupação intensa do governo Lula em
relação ao que aconteceu na última segunda-feira no Rio de Janeiro. As milícias
efetivamente tomaram conta da Cidade, incendiando por etapas 35 ônibus e
atacando um trem da SuperVia. Foi uma ação coordenada que fez transbordar uma
preocupação coletiva para o panorama dramático fabricado pela insegurança,
provocada pelo tráfico quanto pelas milícias.
Na tarde de terça-feira, entrevistado pela
GloboNews, o coronel Ubiratan Ângelo, ex-comandante geral da PMERJ, colocou a
questão com bastante clareza e chamou atenção para uma unidade progressiva que
passou a existir no relacionamento entre o tráfico de drogas e as milícias,
incluindo o tráfico de armamentos.
O recente episódio do roubo de 21 metralhadoras do
Exército em São Paulo expõe claramente a força e a audácia da corrupção que
atingiu níveis altíssimos e cujo combate tem que ser desencadeado em várias
frentes simultaneamente.
O governador Cláudio Castro falou em asfixia do
poder tanto do tráfico quanto da milícia. O caminho é conhecido, mas o problema
não é a sua citação, mas de ações concretas para enfrentar as raízes da
insegurança e a transformação de agentes da ordem em personagens da desordem.
Na raiz da questão, entretanto, a meu ver, encontra-se o consumo de drogas.
Enquanto o consumo das drogas ilícitas estiver
alto, a situação da insegurança não se resolverá. Inclusive porque tal mercado
estabeleceu um câmbio interno. As áreas de maior conflito, é evidente, são as
de baixa renda. Mas, agora, analistas da matéria passaram a incluir a Barra da
Tijuca e parte da Zona Oeste, onde residem figuras marcadas como alvos
policiais não atingidos.
As armas chegam ao país juntamente com substâncias
nocivas à vida humana, mas apesar disso são consumidas por grupos sociais da
classe média e rica.
Os ataques de segunda-feira na Zona Oeste,
incluindo Jacarepaguá, causaram prejuízos muito além do valor dos ônibus
destruídos e o pânico projetado. Paralisaram parcelas expressivas de trabalho,
fecharam estabelecimentos de comércio, impediram atendimentos médicos e
causaram a suspensão de aulas na rede de ensino.
A questão da Segurança torna-se mais grave porque o
poder público estadual tem conhecimento sobre os grandes chefes da
criminalidade. O governador fala em asfixia financeira e combate à corrupção. É
só entrar em contato com o Coaf e ler a lista dos que desenvolvem operações
financeiras muito além de sua renda declarada. Os exemplos vão surgir aos
milhares.
<><> Em guerra aberta no Rio, crime
organizado desmoraliza o sistema de segurança
A investida assustadora do crime organizado deixou
configurada a existência de uma guerra no Rio de Janeiro, entre estas e o
governo estadual que, na tarde de segunda-feira, não conseguiu conter as ações
que incendiaram 35 ônibus e até um trem da SuperVia. A cidade foi envolvida
pelo terror e pela insegurança que se generalizou diante da ofensiva criminosa
desencadeada contra o governo de Cláudio Castro.
O Ministério da Justiça teve que praticamente
intervir, na medida em que enviou para o Rio um contingente ainda maior da
Força Nacional. Mas o episódio deixou claro, como todos sabiam ou suspeitavam,
da força dos criminosos que se organizam sob as lideranças do narcotráfico e da
milícia.
O avanço da milícia com os ataques de segunda-feira
revelou a vulnerabilidade do sistema de segurança policial que não conseguiu
agir, seja lá por qual motivo for, para impedir a alucinação criminosa e a sua
capacidade de destruição. A guerra aberta iniciada na Cidade é a sequência de
muitos outros episódios e de omissões que se acumularam no tempo, inclusive por
falta de desenvolvimento social em áreas carentes que retiram dos jovens opções
pelo trabalho honesto.
O crime foi se tornando, assim, uma opção para os
grupos de menor renda das comunidades nas Zonas Norte e Oeste do Rio. O impasse
é enorme. Os ataques de segunda-feira demonstraram duas faces do problema
gravíssimo. A disposição e os armamentos explosivos usados pelo crime nas mãos
de bandidos e a hesitação do sistema de segurança. Revelada a demonstração de
força e capacidade destrutiva, o crime organizado mantém o estado de guerra.
Diante de tudo isso, há ainda a intensa preocupação de todos os habitantes da
Cidade e da Baixada Fluminense de que novos acontecimentos sinistros voltem a
acontecer.
A situação do Rio de Janeiro é de descalabro. Uma
ofensiva contra 35 ônibus que foram destruídos e um trem atacado ocuparam o
noticiário até internacionalmente. O crime organizado avançou no tempo. A
sociedade recua e começa a se sentir aprisionada pela insegurança. A qualquer
momento, os bandidos agem. As densas fumaças que surgiram dos incêndios, e bem
focalizadas pela GloboNews, poluíram a população carioca e fluminense,
atingindo também a consciência humana.
Ø Para juízes, o “monitoramento” da Abin é uma ameaça à independência dos
Poderes
Associações de magistrados manifestaram
“preocupação” com as investigações da Polícia Federal sobre um programa secreto
utilizado pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para monitorar a
localização de cidadãos. A vigilância era feita sem autorização judicial e com
um software chamado “First Mile”, que era pago com dinheiro público.
“Se confirmado, o monitoramento ilegal de
magistrados, incluindo ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), bem como de
outros cidadãos, viola o Estado Democrático de Direito e ofende a independência
judicial”, diz a nota divulgada neste domingo pela Associação dos Magistrados
Brasileiros (AMB).
A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe)
foi na mesma linha e afirmou, em nota, que a ação pode ser caracterizada como
um “grave atentado à independência entre os Poderes da República”.
“Se confirmadas as informações, trata-se de grave
atentado à independência entre os Poderes da República e uma violação às
prerrogativas da magistratura. Agrava ao fato, ainda, o monitoramento ter sido
promovido por um órgão de governo”, diz o texto da Ajufe.
As duas associações informaram esperar que os
responsáveis sejam punidos com o “máximo rigor”.
Na última sexta-feira, dois servidores da Abin
foram presos e exonerados no fim do dia, e pelo menos outros cinco acabaram
afastados por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal
Federal (STF). As medidas foram tomadas no âmbito da Operação “Última Milha”,
deflagrada no mesmo dia.
Em nota, a Abin informou que “colaborou com as
autoridades competentes desde o início das apurações”. Em março, a partir de um
processo de correição da corregedoria do órgão, a agência passou a remeter as
informações da sindicância “para os órgãos competentes, como Polícia Federal e
STF”.
“A Agência reitera que a ferramenta deixou de ser
utilizada em maio de 2021. A atual gestão e os servidores da Abin reafirmam o
compromisso com a legalidade e o Estado Democrático de Direito. A agência
passou a remeter as informações da sindicância “para os órgãos competentes,
como Polícia Federal e STF”.
Ø Ao liderar agenda anti-Supremo, Pacheco ganha apoio integral da bancada
ruralista
Em nova etapa de acenos à direita depois de abraçar
pautas que incomodam o Supremo Tribunal Federal, o presidente do Senado,
Rodrigo Pacheco (PSD-MG), intensificou o diálogo com a bancada ruralista e
abriu caminho para a aprovação de pautas de interesse do setor.
A proximidade com uma das frentes mais importantes
do Congresso, historicamente ligada a políticos conservadores, o coloca em
posição mais confortável na tentativa de eleger seu sucessor na cadeira, em
2025, e de angariar apoio deste campo político em Minas Gerais, onde é cotado
para concorrer ao governo em 2026.
Por outro lado, o movimento de Pacheco vai de
encontro a pautas caras à esquerda. Se os projetos avançarem, podem causar
saia-justa ao governo de Lula (PT), que o apoiou na reeleição à presidência do
Senado e de quem é aliado — o seu partido, PSD, tem três ministérios.
O senador mineiro nega pautar suas ações por viés
eleitoral. Recentemente, foi responsável por dar tramitação célere e avançar
com a aprovação do marco temporal de terras indígenas no Congresso. O senador
costurou a votação enquanto mantinha conversas com o presidente da bancada
ruralista, deputado Pedro Lupion (PP-PR).
Na sexta-feira, Lula vetou o tema, já considerado
inconstitucional pelo STF, em uma vitória para as ministras Sonia Guajajara
(Povos Indígenas) e Marina Silva (Meio Ambiente).
Pacheco tem conversado com outros integrantes da
bancada sobre a tramitação da pauta prioritária do agro, como o projeto que
flexibiliza regras para agrotóxicos, em tramitação no Congresso há mais de 20
anos, e o Cadastro Ambiental Rural, este último ainda na Câmara. Ambos
representam nova ofensiva contra a pasta de Marina, prestigiada no marco
temporal.
“O presidente Pacheco tem articulado bem com a
Frente Parlamentar da Agropecuária. Os senadores Zequinha e Tereza Cristina têm
conversado continuamente sobre as pautas prioritárias do setor no Senado, e o
presidente tem sido muito solícito” — diz Lupion.
O bom diálogo de Pacheco com ruralistas, aliás,
ajudou a desobstruir a pauta do Congresso na semana passada. O projeto dos
agrotóxicos está perto de ser levado ao plenário, onde a tendência é de
aprovação. Atualmente, a proposta está na Comissão de Meio Ambiente do Senado,
sob relatoria de Fabiano Contarato (PT-ES). A bancada acredita na aprovação
célere, sob as bênçãos de Pacheco.
“Ele está mais comprometido com nossa pauta, como o
projeto dos defensivos. Ele prometeu que vai colocar na pauta do plenário assim
que passar na comissão. Não no mesmo dia, mas na sequência” — afirmou ao GLOBO
a senadora Tereza Cristina (PP-MS), ex-ministra da Agricultura.
O texto em questão prevê que, caso o pedido de
registro de agrotóxico não tenha parecer conclusivo expedido no prazo de dois
anos, o órgão responsável será obrigado a conceder uma permissão temporária
para o defensivo, desde que o produto em questão seja usado em pelo menos três
países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE).
O relator tenta alterar esse trecho, considerado
fundamental pelos ruralistas. Se isso ocorrer na Comissão de Meio Ambiente, a
maioria poderia se manifestar em plenário e alterar o texto de Contarato,
ligado ao governo.
O projeto é considerado um retrocesso pela pasta de
Marina Silva. O texto é criticado por ambientalistas por suprimir o artigo da
legislação atual que proíbe os registros de produtos que possam causar câncer,
mutação genética ou distúrbios hormonais. O Ministério do Meio Ambiente conta
com a atuação do relaor Contarato para mudar alguns pontos do texto, mas por
enquanto não há sinal de que haverá concordância dos ruralistas.
Os ruralistas acreditam ter apoio também para a
regularização fundiária, aprovada pela Câmara em 2021, e atualmente na Comissão
de Agricultura do Senado, com a relatoria de Margareth Buzetti (PSD-MT).
A bancada ainda guarda na manga uma Proposta de
Emenda à Constituição (PEC), do senador Hiran (PP-RR), para o marco temporal —
caso o projeto de lei seja judicializado.
Diretor de políticas agrícolas da bancada, o
deputado Alceu Moreira (MDB-RS) afirma que Pacheco está muito mais próximo dos
ruralistas, em parte por conta do Congresso estar mais conservador e pela
bancada ter crescido:
“Tem uma interlocução mais ativa e mais saudável. A
compreensão dele com o setor do agro é muito mais aberta. No dia do marco, a
gente conversou com ele e ele entendeu a importância da decisão”, diz Moreira .
Aliados de Pacheco têm traçado estratégias para
definir seu futuro após o fim de seu mandato como presidente da Casa, em
fevereiro de 2025, e de senador no final de 2026. A principal possibilidade
avaliada é disputar o governo de Minas. O agronegócio mineiro desempenha
atividade econômica relevante, além de ser influente no Congresso.
Só em 2022, segundo o governo Romeu Zema (Novo), o
setor movimentou R$ 205 bilhões, valor que representa 22,2% do PIB do estado.
Olhando para o futuro, o movimento pode reforçar o seu capital político no
estado, onde é visto como candidato ao governo em 2026.
Fonte: Folha/Tribuna da Internet/O Globo
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