sexta-feira, 27 de outubro de 2023

Elio Gaspari: Nos EUA, foi a Polícia Federal (FBI) que conseguiu derrotar o crime organizado

No mesmo dia em que as milícias do Rio dominaram parte da cidade e queimaram pelo menos 35 ônibus, o então terceiro homem da Agência Brasileira de Inteligência revelou que os US$ 171,8 mil que tinha em casa eram uma poupança familiar. A segurança pública nacional está bichada. Como disse Ricardo Cappelli, secretário-executivo do Ministério da Justiça, esse problema não será resolvido com uma “bala de prata”.

Do jeito que estão as coisas, talvez seja melhor esperar por um armeiro capaz de fabricar uma bala parecida. Ela poderá vir da valorização da Polícia Federal e da paulatina federalização de alguns crimes.

O exemplo viria do Federal Bureau of Investigation americano. À primeira vista, é um mau exemplo. O FBI nasceu numa repartição de polícia política, entregue a um sujeito detestável que ficou à sua frente por 37 anos, até sua morte, em 1972.

Edgar Hoover perseguiu negros e esquerdistas. Grampeou centenas de personalidades. Com seus dossiês, intimidava artistas e políticos (inclusive presidentes). Ele fez tudo isso, mas profissionalizou sua polícia e quebrou a espinha dorsal de quadrilhas que assombravam os Estados Unidos.

Mestre da manipulação política, em 1934, no governo de Franklin Roosevelt, Hoover ampliou sua jurisdição, federalizando crimes que estavam nas esferas estaduais. Quando ele morreu, os Estados Unidos tinham um polícia federal e ela se livrou de suas obsessões.

Com esse nome, a Polícia Federal brasileira apareceu em 1967. Tinha uma estrutura pobre e, aos poucos, profissionalizou-se, sem os grandes escândalos que povoaram as polícias estaduais. Não é um FBI, mas está muito acima da média de quase todas as Polícias Civis ou Militares. No Rio de Janeiro, ela não confia nas conexões e nas informações de suas congêneres.

Quando um governador como Cláudio Castro, do Rio, diz que sua polícia combate o crime “dia e noite, sete dias por semana”, a Polícia Federal ri. Na sua estrutura, políticos estaduais podem até influenciar nomeações, mas nunca têm a audácia de proclamar esse poder, como se faz na segurança do Rio.

A PF não é uma bala de prata, mas pode vir a ser uma coisa parecida. O miliciano que foi morto pela polícia do Rio, disparando a resposta do crime, era um foragido de presídio estadual. O governador Castro, triunfante, anunciou que os presos de segunda-feira iriam para cadeias federais. Não lhe ocorreu dizer como o bandido conseguiu fugir.

Os poderosos de Brasília gostam de anunciar planos mirabolantes ou demófobos. Durante a presepada da intervenção militar no Rio, em 2018, por pouco não foi adiante uma medida que permitia mandados de prisão e buscas coletivas para ruas inteiras. Um general foi a um quartel da PM e não recebeu continência imediata da tropa. Naqueles dias, a vereadora Marielle Franco perguntava: “Quantos mais precisam morrer?” Ela foi assassinada horas depois.

Como repete o repórter Otávio Guedes, está em curso um processo de “mexicanização” do Brasil. O tráfico associou-se a milícias e ambos infiltraram-se primeiro nas polícias, depois em alguns (ainda poucos) cargos da magistratura.

Depois que a milícia barbarizou no Rio, o governador disse que telefonou para o ministro da Justiça, e o doutor Flávio Dino revelou que viajaria para a cidade em companhia de Ricardo Cappelli. Pura coreografia do poder.

 

Ø  Surge mais um plano mirabolante para salvar o sistema de segurança do Rio

 

No artigo que publicou no O Globo e na Folha de S.Paulo, Elio Gaspari lembrou que no ano 2000, passagem do século, o presidente Fernando Henrique Cardoso anunciou um plano de integração federal para o apoio ao combate à criminalidade no Rio de Janeiro que se expandia acentuadamente.

Vinte e três anos depois ressurge um novo plano com a participação de Forças Nacionais e uma preocupação intensa do governo Lula em relação ao que aconteceu na última segunda-feira no Rio de Janeiro. As milícias efetivamente tomaram conta da Cidade, incendiando por etapas 35 ônibus e atacando um trem da SuperVia. Foi uma ação coordenada que fez transbordar uma preocupação coletiva para o panorama dramático fabricado pela insegurança, provocada pelo tráfico quanto pelas milícias.

Na tarde de terça-feira, entrevistado pela GloboNews, o coronel Ubiratan Ângelo, ex-comandante geral da PMERJ, colocou a questão com bastante clareza e chamou atenção para uma unidade progressiva que passou a existir no relacionamento entre o tráfico de drogas e as milícias, incluindo o tráfico de armamentos.

O recente episódio do roubo de 21 metralhadoras do Exército em São Paulo expõe claramente a força e a audácia da corrupção que atingiu níveis altíssimos e cujo combate tem que ser desencadeado em várias frentes simultaneamente.

O governador Cláudio Castro falou em asfixia do poder tanto do tráfico quanto da milícia. O caminho é conhecido, mas o problema não é a sua citação, mas de ações concretas para enfrentar as raízes da insegurança e a transformação de agentes da ordem em personagens da desordem. Na raiz da questão, entretanto, a meu ver, encontra-se o consumo de drogas.

Enquanto o consumo das drogas ilícitas estiver alto, a situação da insegurança não se resolverá. Inclusive porque tal mercado estabeleceu um câmbio interno. As áreas de maior conflito, é evidente, são as de baixa renda. Mas, agora, analistas da matéria passaram a incluir a Barra da Tijuca e parte da Zona Oeste, onde residem figuras marcadas como alvos policiais não atingidos.

As armas chegam ao país juntamente com substâncias nocivas à vida humana, mas apesar disso são consumidas por grupos sociais da classe média e rica.

Os ataques de segunda-feira na Zona Oeste, incluindo Jacarepaguá, causaram prejuízos muito além do valor dos ônibus destruídos e o pânico projetado. Paralisaram parcelas expressivas de trabalho, fecharam estabelecimentos de comércio, impediram atendimentos médicos e causaram a suspensão de aulas na rede de ensino.

A questão da Segurança torna-se mais grave porque o poder público estadual  tem conhecimento sobre os grandes chefes da criminalidade. O governador fala em asfixia financeira e combate à corrupção. É só entrar em contato com o Coaf e ler a lista dos que desenvolvem operações financeiras muito além de sua renda declarada. Os exemplos vão surgir aos milhares.

<><> Em guerra aberta no Rio, crime organizado desmoraliza o sistema de segurança

A investida assustadora do crime organizado deixou configurada a existência de uma guerra no Rio de Janeiro, entre estas e o governo estadual que, na tarde de segunda-feira, não conseguiu conter as ações que incendiaram 35 ônibus e até um trem da SuperVia. A cidade foi envolvida pelo terror e pela insegurança que se generalizou diante da ofensiva criminosa desencadeada contra o governo de Cláudio Castro.

O Ministério da Justiça teve que praticamente intervir, na medida em que enviou para o Rio um contingente ainda maior da Força Nacional. Mas o episódio deixou claro, como todos sabiam ou suspeitavam, da força dos criminosos que se organizam sob as lideranças do narcotráfico e da milícia.

O avanço da milícia com os ataques de segunda-feira revelou a vulnerabilidade do sistema de segurança policial que não conseguiu agir, seja lá por qual motivo for, para impedir a alucinação criminosa e a sua capacidade de destruição. A guerra aberta iniciada na Cidade é a sequência de muitos outros episódios e de omissões que se acumularam no tempo, inclusive por falta de desenvolvimento social em áreas carentes que retiram dos jovens opções pelo trabalho honesto.

O crime foi se tornando, assim, uma opção para os grupos de menor renda das comunidades nas Zonas Norte e Oeste do Rio. O impasse é enorme. Os ataques de segunda-feira demonstraram duas faces do problema gravíssimo. A disposição e os armamentos explosivos usados pelo crime nas mãos de bandidos e a hesitação do sistema de segurança. Revelada a demonstração de força e capacidade destrutiva, o crime organizado mantém o estado de guerra. Diante de tudo isso, há ainda a intensa preocupação de todos os habitantes da Cidade e da Baixada Fluminense de que novos acontecimentos sinistros voltem a acontecer.

A situação do Rio de Janeiro é de descalabro. Uma ofensiva contra 35 ônibus que foram destruídos e um trem atacado ocuparam o noticiário até internacionalmente. O crime organizado avançou no tempo. A sociedade recua e começa a se sentir aprisionada pela insegurança. A qualquer momento, os bandidos agem. As densas fumaças que surgiram dos incêndios, e bem focalizadas pela GloboNews, poluíram a população carioca e fluminense, atingindo também a consciência humana.

 

Ø  Para juízes, o “monitoramento” da Abin é uma ameaça à independência dos Poderes

 

Associações de magistrados manifestaram “preocupação” com as investigações da Polícia Federal sobre um programa secreto utilizado pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para monitorar a localização de cidadãos. A vigilância era feita sem autorização judicial e com um software chamado “First Mile”, que era pago com dinheiro público.

“Se confirmado, o monitoramento ilegal de magistrados, incluindo ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), bem como de outros cidadãos, viola o Estado Democrático de Direito e ofende a independência judicial”, diz a nota divulgada neste domingo pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).

A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) foi na mesma linha e afirmou, em nota, que a ação pode ser caracterizada como um “grave atentado à independência entre os Poderes da República”.

“Se confirmadas as informações, trata-se de grave atentado à independência entre os Poderes da República e uma violação às prerrogativas da magistratura. Agrava ao fato, ainda, o monitoramento ter sido promovido por um órgão de governo”, diz o texto da Ajufe.

As duas associações informaram esperar que os responsáveis sejam punidos com o “máximo rigor”.

Na última sexta-feira, dois servidores da Abin foram presos e exonerados no fim do dia, e pelo menos outros cinco acabaram afastados por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). As medidas foram tomadas no âmbito da Operação “Última Milha”, deflagrada no mesmo dia.

Em nota, a Abin informou que “colaborou com as autoridades competentes desde o início das apurações”. Em março, a partir de um processo de correição da corregedoria do órgão, a agência passou a remeter as informações da sindicância “para os órgãos competentes, como Polícia Federal e STF”.

“A Agência reitera que a ferramenta deixou de ser utilizada em maio de 2021. A atual gestão e os servidores da Abin reafirmam o compromisso com a legalidade e o Estado Democrático de Direito. A agência passou a remeter as informações da sindicância “para os órgãos competentes, como Polícia Federal e STF”.

 

Ø  Ao liderar agenda anti-Supremo, Pacheco ganha apoio integral da bancada ruralista

 

Em nova etapa de acenos à direita depois de abraçar pautas que incomodam o Supremo Tribunal Federal, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), intensificou o diálogo com a bancada ruralista e abriu caminho para a aprovação de pautas de interesse do setor.

A proximidade com uma das frentes mais importantes do Congresso, historicamente ligada a políticos conservadores, o coloca em posição mais confortável na tentativa de eleger seu sucessor na cadeira, em 2025, e de angariar apoio deste campo político em Minas Gerais, onde é cotado para concorrer ao governo em 2026.

Por outro lado, o movimento de Pacheco vai de encontro a pautas caras à esquerda. Se os projetos avançarem, podem causar saia-justa ao governo de Lula (PT), que o apoiou na reeleição à presidência do Senado e de quem é aliado — o seu partido, PSD, tem três ministérios.

O senador mineiro nega pautar suas ações por viés eleitoral. Recentemente, foi responsável por dar tramitação célere e avançar com a aprovação do marco temporal de terras indígenas no Congresso. O senador costurou a votação enquanto mantinha conversas com o presidente da bancada ruralista, deputado Pedro Lupion (PP-PR).

Na sexta-feira, Lula vetou o tema, já considerado inconstitucional pelo STF, em uma vitória para as ministras Sonia Guajajara (Povos Indígenas) e Marina Silva (Meio Ambiente).

Pacheco tem conversado com outros integrantes da bancada sobre a tramitação da pauta prioritária do agro, como o projeto que flexibiliza regras para agrotóxicos, em tramitação no Congresso há mais de 20 anos, e o Cadastro Ambiental Rural, este último ainda na Câmara. Ambos representam nova ofensiva contra a pasta de Marina, prestigiada no marco temporal.

“O presidente Pacheco tem articulado bem com a Frente Parlamentar da Agropecuária. Os senadores Zequinha e Tereza Cristina têm conversado continuamente sobre as pautas prioritárias do setor no Senado, e o presidente tem sido muito solícito” — diz Lupion.

O bom diálogo de Pacheco com ruralistas, aliás, ajudou a desobstruir a pauta do Congresso na semana passada. O projeto dos agrotóxicos está perto de ser levado ao plenário, onde a tendência é de aprovação. Atualmente, a proposta está na Comissão de Meio Ambiente do Senado, sob relatoria de Fabiano Contarato (PT-ES). A bancada acredita na aprovação célere, sob as bênçãos de Pacheco.

“Ele está mais comprometido com nossa pauta, como o projeto dos defensivos. Ele prometeu que vai colocar na pauta do plenário assim que passar na comissão. Não no mesmo dia, mas na sequência” — afirmou ao GLOBO a senadora Tereza Cristina (PP-MS), ex-ministra da Agricultura.

O texto em questão prevê que, caso o pedido de registro de agrotóxico não tenha parecer conclusivo expedido no prazo de dois anos, o órgão responsável será obrigado a conceder uma permissão temporária para o defensivo, desde que o produto em questão seja usado em pelo menos três países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

O relator tenta alterar esse trecho, considerado fundamental pelos ruralistas. Se isso ocorrer na Comissão de Meio Ambiente, a maioria poderia se manifestar em plenário e alterar o texto de Contarato, ligado ao governo.

O projeto é considerado um retrocesso pela pasta de Marina Silva. O texto é criticado por ambientalistas por suprimir o artigo da legislação atual que proíbe os registros de produtos que possam causar câncer, mutação genética ou distúrbios hormonais. O Ministério do Meio Ambiente conta com a atuação do relaor Contarato para mudar alguns pontos do texto, mas por enquanto não há sinal de que haverá concordância dos ruralistas.

Os ruralistas acreditam ter apoio também para a regularização fundiária, aprovada pela Câmara em 2021, e atualmente na Comissão de Agricultura do Senado, com a relatoria de Margareth Buzetti (PSD-MT).

A bancada ainda guarda na manga uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), do senador Hiran (PP-RR), para o marco temporal — caso o projeto de lei seja judicializado.

Diretor de políticas agrícolas da bancada, o deputado Alceu Moreira (MDB-RS) afirma que Pacheco está muito mais próximo dos ruralistas, em parte por conta do Congresso estar mais conservador e pela bancada ter crescido:

“Tem uma interlocução mais ativa e mais saudável. A compreensão dele com o setor do agro é muito mais aberta. No dia do marco, a gente conversou com ele e ele entendeu a importância da decisão”, diz Moreira .

Aliados de Pacheco têm traçado estratégias para definir seu futuro após o fim de seu mandato como presidente da Casa, em fevereiro de 2025, e de senador no final de 2026. A principal possibilidade avaliada é disputar o governo de Minas. O agronegócio mineiro desempenha atividade econômica relevante, além de ser influente no Congresso.

Só em 2022, segundo o governo Romeu Zema (Novo), o setor movimentou R$ 205 bilhões, valor que representa 22,2% do PIB do estado. Olhando para o futuro, o movimento pode reforçar o seu capital político no estado, onde é visto como candidato ao governo em 2026.

 

Fonte: Folha/Tribuna da Internet/O Globo

 

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