terça-feira, 3 de outubro de 2023

Delação premiada feita por ex-PM muda rumo de investigação do caso Marielle

A delação premiada do ex-PM Élcio de Queiroz à Polícia Federal causou reviravoltas na investigação da morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Além de detalhar a participação dos envolvidos no crime, a contribuição de Queiroz possibilitou a prisão do ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa, o Suel. Além dele, o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE) Domingos Brazão também foi citado nos depoimentos. Por essa razão, a investigação foi enviada ao Superior Tribunal de Justiça, como antecipou, neste domingo, o colunista Bernardo Mello Franco. O acordo que possibilita a colaboração do ex-militar, preso desde 2019 por suspeita de participar dos assassinatos, é prevista na legislação desde 2013. Entenda como funciona.

•        O que é a delação premiada?

Também chamada de colaboração premiada, a técnica foi regulamentada pela Lei de Organizações Criminosas (12.850/2013) no governo da presidente Dilma Rousseff. É um acordo feito entre o Estado e um investigado, ou réu, para obtenção de informações que podem auxiliar na resolução de um crime, ou na localização dos instrumentos utilizados e até mesmo para desvendar a hierarquia de uma organização criminosa.

— A delação ocorre quando o acusado decide colaborar com as autoridades, revelando informações sobre o crime e seus participantes. A delação deve ser voluntária e as informações fornecidas são verificadas quanto à sua veracidade. Se as informações forem comprovadas e resultarem em avanços significativos na investigação ou no processo, o colaborador pode receber os benefícios acordados — explica Reinaldo Santos de Almeida, advogado criminalista, professor e doutor em Direito Criminal pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

•        Quem pode fazer um acordo de delação premiada?

Segundo o professor Almeida, a delação premiada é utilizada em casos onde o investigado pode fornecer detalhes do crime, de coautores ou da estrutura da organização criminosa em questão. Normalmente, ela é utilizada em casos de crimes organizados ou de corrupção.

•        O que o delator recebe em troca?

O acordo de delação premiada é negociado pelo Ministério Público e o investigado, e pode ser feito em troca de benefícios variados, que estão sujeitos à homologação judicial.

— O acordo de colaboração premiada autoriza a concessão do perdão judicial, redução da em até 2/3 ou substituição por pena restritiva de direitos. Desde que a colaboração possibilite a identificação dos demais membros da organização criminosa ou a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas — explica Taiguara Libano Soares, advogado e professor de Direito Penal da Universidade Federal Fluminense.

Após o acordo, todo o processo de colaboração passa a ser confidencial. Além disso, ao entrar na colaboração premiada, o investigado passa a ser obrigado a renunciar ao direito ao silêncio em todos os depoimentos que prestar.

Quem é Élcio de Queiroz?

Queiroz foi preso em março de 2019, em sua casa, no Engenho de Dentro, na Zona Norte do Rio. No mesmo mês foram apreendidas, no guarda-roupa do quarto do ex-PM, duas pistolas, armas e munição. No carro dele, um Renault Logan prata, os agentes encontraram oito balas de fuzil.

O ex-PM é amigo de Ronnie Lessa, também ex-policial militar e que, segundo afirmou na delação premiada, foi quem atirou contra o carro de Marielle. Os dois estão presos em penitenciárias federais de segurança máxima.

Apesar da delação premiada, Queiroz seguirá preso. Ele e Lessa serão julgados pelo Tribunal do Júri pelas mortes da vereadora e de Anderson em data que ainda não foi definida.

O acordo de Élcio de Queiroz foi firmado com o auxílio da Polícia Penal e do Ministério Público do Rio de Janeiro. Nos depoimentos, ele deu detalhes do atentado e confessou que dirigiu o carro usado no ataque.

 

       Saiba o que há sobre Brazão na investigação

 

Uma das principais linhas de investigação seguida pela Polícia Federal e pelo Ministério Público do Rio (MPRJ) para se chegar ao mandante da execução da vereadora Marielle Franco (PSOL) vem se fortalecendo a cada passo que a polícia dá. Documentos apreendidos no apartamento de Jomar Duarte Bittencourt Junior, o Jomarzinho, em 24 de julho, revelam vínculos dele com a família do conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE) Domingos Brazão. Jomarzinho é apontado como um dos responsáveis pelo vazamento de informações sobre uma operação em 2019 contra envolvidos no caso. Em julho deste ano, a Polícia Federal cumpriu mandando de busca e apreensão em seu apartamento.

Jomarzinho aparece, por exemplo, numa foto com Lúcia Brazão, irmã do conselheiro, na Câmara dos Vereadores. No rodapé da fotografia, há ainda os retratos de outros dois irmãos, Chiquinho e Pedro Brazão, com a data de 2 de agosto do ano passado, quando ambos foram agraciados com a medalha Pedro Ernesto, a maior comenda da Casa. À época, eles eram deputados federal e estadual, respectivamente. No dia da solenidade, Domingos e Jomarzinho estavam presentes.

A busca e apreensão no apartamento de Jomarzinho, na Barra da Tijuca, foi autorizada pelo juiz da 4ª Vara Criminal, Gustavo Kalil, onde tramita o Caso Marielle e Anderson, por ele ser citado na delação premiada do ex-PM Élcio de Queiroz. O delator confessou ser o motorista da emboscada à parlamentar e ao motorista dela, Anderson Gomes, em 14 de março de 2018. Segundo o colaborador, Jomarzinho foi um dos responsáveis por vazar informações sobre a Operação Lume, cujo objetivo era justamente o de prender os executores do duplo homicídio. Desconfiados do vazamento na época, o MP e a Polícia Civil anteciparam a ação que culminou com as prisões de Lessa e Élcio.

Segundo as investigações da PF e do Grupo de Atuação Especializada no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MPRJ, em 11 de março de 2019, portanto, véspera do dia marcado para a prisão do também ex-policial militar Ronnie Lessa, Jomarzinho mandou uma mensagem sobre a operação para o sargento da PM Maurício da Conceição dos Santos Júnior, o Mauricinho. O destinatário final do alerta era Lessa. O ex-policial sempre considerou Mauricinho seu sobrinho.

De acordo com as análises de dados telemáticos nos celulares e computadores dos envolvidos, os agentes e promotores descobriram a troca de mensagens entre eles pelo WhatsApp. Jomarzinho diz: “Recebi um informe agora, que vai ter operação Marielle amanhã”. O PM responde: “Putz, vou tentar chamar ele aqui”. Poucos minutos depois, Mauricinho questiona uma terceira pessoa, o ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa, o Suel, preso no fim do mês passado, também acusado de participação na morte da parlamentar: “Já falou?”, e recebe a confirmação, seguida da mensagem “doido para isso acabar logo”. Jomarzinho demonstra preocupação e comenta: “Pelo que me falaram, vão até prender Brazão...”.

As buscas e apreensões nas casas de Jomarzinho e Mauricinho ocorreram em 24 de julho, mesma data em que Suel foi preso, acusado de ter “picotado” o Cobalt usado na emboscada às vítimas, ou seja, destruído o veículo, peça por peça. O ex-bombeiro já havia sido condenado anteriormente por obstrução à Justiça, por ajudar a esconder armas do amigo Lessa.

Edimilson da Silva Oliveira, o Macalé, sargento reformado da PM, apontado na delação premiada do ex-PM Élcio de Queiroz, como a pessoa que contratou o também ex-policial militar Ronnie Lessa para executar a parlamentar, é um dos listados no relatório da CPI das Milícias. Élcio, assim como o compadre Lessa, são réus no homicídio de Marielle e Anderson. No documento produzido em 2008, Macalé é apontado como integrante da milícia que atua em Oswaldo Cruz, na Zona Norte, reduto do então deputado Domingos Brazão e o vereador Chiquinho Brazão, que são irmãos. Macalé foi assassinado em 2021, em Campo Grande.

•        Mais ligações com a família Brazão

As ligações com a família Brazão não param por aí. Os agentes da PF e os promotores do Gaeco encontraram ainda no apartamento de Jomarzinho, um crachá dele, lotado na vice-presidência da Companhia Estadual de Habitação do Estado do Rio de Janeiro (Cehab-RJ). O órgão, segundo fontes de estado, é feudo de três políticos, entre eles, Domingos Brazão. O suposto afilhado do conselheiro trabalhou de novembro 2020 até julho 2021, gestão de Roberto Peçanha Fernandes como diretor-presidente da Cehab-RJ, outro apadrinhado por Domingos.

Aliás, Peçanha concedeu uma gratificação de encargos especiais a Jomarzinho de R$ 1.170,58, conforme portaria assinada em 11 de junho de 2021, além dos pagamentos pelo cargo de confiança e o próprio salário como assessor da diretoria. O documento também foi apreendido na casa dele, assim como três celulares de última geração e cinco fotos de evento da Medalha Pedro Ernesto.

O vínculo de Peçanha com os Brazão chegou a ser noticiado pelo RJTV em dezembro do ano passado, num suposto esquema que ficou conhecido como “farra do asfalto”. Na época, ele estava como diretor de obras e conservação regional do Departamento de Estradas de Rodagem (DER). O MPRJ instaurou um procedimento investigatório para apurar irregularidades na compra de concreto pelo DER. Os contratos entre o estado e uma empresa, no valor de R$ 50 milhões, indicava que concreto era para tapar buracos, mas a denúncia informava que não houve estudo e o material era jogado em várias ruas. O gestor do contrato era Peçanha e já havia sido pago R$ 8 milhões.

•        O poder dos Domingos

Domingos Brazão, de 57 anos, começou na política em 1996 como vereador pelo antigo MDB (Movimento Democrático Brasileiro). Dois anos depois, ele passou a ser deputado estadual, saindo da Alerj para ser conselheiro do TCE, em 2015, depois de seu quinto mandato na Casa. Na época, quatro deputados do PSOL, encabeçados pelo deputado Marcelo Freixo, que levou Marielle para a política, foram contra a nomeação. A maioria, porém, aprovou que Domingos ocupasse uma cadeira no tribunal.

Dois anos após nomeado, houve a operação Quinto do Ouro, um desdobramento da Lava Jato. Domingos Brazão e outros quatro conselheiros, alvos da ação, foram presos pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal (MPF), suspeitos de comandarem um esquema de desvio de verbas públicas. Os cinco ficaram presos por cerca de duas semanas.

Antes de voltar ao conselho do TCE, no fim de 2018, Domingos passou a ser investigado pela Polícia Federal como suspeito de ser o mandante do assassinato de Marielle e Anderson. Na época, o delegado federal Leandro Almada, responsável por apurar o trabalho da Polícia Civil do Rio sobre o caso, chegou a cogitar essa possibilidade na chamada “investigação da investigação”. A polícia estadual apontava o miliciano Orlando Oliveira de Araújo, o Orlando da Curicica, como executor, e o então vereador Marcello Siciliano (PHS), o mandante. Num relatório de cerca de 600 páginas, Almada conclui que foi montada uma farsa para incriminar principalmente o miliciano, que estava preso no presídio federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte. Para isso, uma falsa testemunha — um policial militar rival de Curicica— foi plantada por três delegados da Polícia Federal, que sequer estavam investigando o caso. Atualmente, Almada é o superintendente da PF do Rio e comanda as investigações do duplo homicídio.

Numa análise do mapa de votação, Almada comparou os redutos eleitorais de Marielle, Chiquinho Brazão e Siciliano. Ele percebeu que havia mais rivalidade entre os dois primeiros no cenário territorial político na época. Apesar de ser mais novo que os irmãos, Domingos sempre foi uma espécie de protetor deles. Além de conselheiro, Domingos é empresário, dono de postos de gasolina, principalmente em Jacarepaguá, reduto eleitoral da família. João Francisco e Manoel Inácio Brazão são conhecidos como Chiquinho e Pedro, ambos filiados ao União Brasil.

A PF chegou a cumprir oito mandados de busca e apreensão, incluindo as casas do conselheiro, num condomínio de luxo da Barra da Tijuca, e de seu assessor no TCE, Gilberto Ribeiro da Costa, um ex-agente da Polícia Federal. O suposto motivo do crime, por enquanto, ainda não está claro, embora não se descarte a rivalidade política entre os Brazão e Marielle.

Em setembro de 2019, a então procuradora-geral da República Raquel Dodge pediu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para "apurar indícios de autoria intelectual de Domingos Brazão" no homicídio de Marielle. Houve uma tentativa de federalizar as investigações do caso Marielle, passando o inquérito para o MPF e a Polícia Federal. No entanto, a promotora de justiça Simone Sibílio, encarregada do inquérito, defendeu, diante dos ministros do STJ, que a investigação estava em andamento e que dependia de quebras telemáticas para a elucidação do duplo homicídio. A Corte decidiu manter o caso na esfera estadual. Atualmente, após um acordo no início do ano, coube ao MPRJ e a PF descobrirem quem mandou matar a vereadora e seu motorista.

Domingos Brazão retornou ao cargo em março deste ano. Ele sempre negou envolvimento no crime. O advogado dele, Ubiratan Guedes, disse que apenas Jomarzinho pode esclarecer o diálogo dele com o PM Mauricinho, para entender o motivo de ele ter citado o nome de Brazão na conversa. Segundo Guedes, seu cliente está à disposição da Justiça para prestar os esclarecimentos. Os demais citados ou seus advogados foram procurados pelo GLOBO, mas ainda não responderam sobre os rumos das investigações.

•        Brazão volta a negar envolvimento com o caso e diz que vai pedir reparações na Justiça

Após a investigação da Polícia Federal sobre o mandante do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes voltar a se deparar com o nome de Domingos Brazão, o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE) negou qualquer envolvimento com o crime. Ao EXTRA, Brazão disse estar revoltado ao ver seu nome ventilado novamente na investigação sobre o crime. Ele citou ainda que o próprio Tribunal de Justiça do Rio rejeitou a denúncia de obstrução da Justiça apresentada em 2019 pela então procuradora-geral da República Raquel Dodge. Seu nome volta agora aos holofotes a partir da delação do ex-PM Élcio Queiroz, conforme revelou, neste domingo, o colunista Bernardo Mello Franco, do GLOBO.

— É um desrespeito com a minha família e com a de Marielle. A quem pode interessar isso? Essa insistência? A verdade vai aparecer. Essa é a pergunta que precisa ser respondida. Isso já foi superado. Vou buscar na Justiça as reparações de todo o dano à imagem e pertubação com a minha família — afirmou.

Domingos Brazão confirmou que conhece Jomar Duarte Bittencourt Junior, o Jomarzinho, e seu pai, o delegado aposentado da Polícia Federal, Jomar Bittencourt, de 68 anos e ex-candidato a deputado federal. Ele contou que não sabe de nenhum crime cometido por Jomarzinho, que não tem convivência com ele porque o conheceu através de seus filhos. Também nega ter indicado para cargos ou que tenha trabalhado com ele. O conselheiro reiterou nunca ter conhecido as vítimas nem os demais investigados pelo crime: Ronnie Lessa, Élcio de Queiroz, Maxwell Simões Corrêa e Edimilson da Silva Oliveira.

— Se ele (Jomarzinho) tiver feito alguma coisa, que responda por seu CPF. Nunca vi essas pessoas e não as conheço (os demais investigados) — afirmou o conselheiro.

O advogado Marcio Palma, que fará a defesa do conselheiro Domingos Brazão no STJ, disse que vai pedir acesso ao inquérito aos tribunais.

— O que sabemos é que o STJ já afastou a possibilidade de federalização das investigações, por decisão unânime e já transitada em julgada. Com base nas notícias veiculadas hoje, não nos parece haver qualquer elemento que ampare a nova tentativa de modificação da competência — comentou sobre o caso.

 

       Caso Marielle: investigação vai para o STJ após membro do TCE ser citado em delação

 

O inquérito que investiga o assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes foi enviado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). A notícia foi divulgada pelo Jornal “O Globo”.

A mudança de foro foi causada por novas suspeitas do envolvimento de Domingos Brazão, um dos conselheiros do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ), no crime.

Brazão já tinha sido alvo de uma denúncia por tentativa de atrapalhar as investigações, que foi rejeitada pela Justiça do RJ.

Segundo o Jornal O Globo, o nome de Brazão foi citado na delação premiada do ex-PM Élcio Queiroz, preso suspeito de envolvimento no assassinato, em 2018. Por causa do cargo de Brazão no TCE-RJ, foi pedida a mudança de foro.

Brazão sempre negou participação no assassinato de Marielle. O RJ1 tentou contato com a defesa do conselheiro, mas ainda não obteve retorno.

 

Fonte: Extra/g1

 

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