segunda-feira, 2 de outubro de 2023

Das palafitas ao centro de treinamento do tráfico, saiba como a Maré se transformou num desafio à segurança pública do Rio

Cercada pelas mais importantes vias expressas do Rio, o Complexo da Maré se tornou ao longo dos anos um território quase que inexpugnável. Em 2014, o governo do Rio pediu ajuda ao Exército para ocupar as 16 favelas, o que seria o pontapé para a instalação de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Um ano e três meses depois, os militares deixaram a comunidade, que retomou a rotina de antes: bandidos fortemente armados no controle de áreas onde o poder público não chega. As imagens de um centro de treinamento do tráfico, divulgadas semana passada pelo Fantástico, da TV Globo, franquearam essa realidade de anos.

A cena de bandidos tendo aulas de guerra levou o governo federal a oferecer o apoio da Força Nacional, que ficará nos arredores do complexo controlado por três grupos criminosos. Lá, a maior facção do Rio comanda duas comunidades: a Nova Holanda e o Parque União. A Vila do João — onde fica o centro de treinamento no espaço com piscina que deveria ser uma área de lazer pública — está sob o controle de um grupo de traficantes rival, que também domina outras favelas. Até a milícia tem sua fatia: a Roquete Pinto e o Piscinão de Ramos.

— Essas imagens, inclusive para nós, gestores, têm um tom de libertação. Porque, infelizmente, tem parte da sociedade que coloca traficante como bonzinho, vítima da sociedade. E essas imagens mostram o contrário: são criminosos de altíssima periculosidade, que não têm a menor pena de usar criança como escudo, de usar equipamento público da comunidade para fins de treinamento quase militar — disse o governador Cláudio Castro na última sexta-feira, após reunião da cúpula de segurança com o secretário-executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Cappelli.

Castro afirmou ainda que a Maré se tornou abrigo para traficantes de outras favelas. Até chefes de quadrilhas de outros estados foram presos no complexo, onde está instalado um batalhão da PM. E não é só o tráfico que move as quadrilhas que dominam a região. Em julho, uma operação das polícias Civil e Militar no conjunto apreendeu 25 carros roubados, entre eles um Porsche avaliado em R$ 479 mil. Um dos veículos usava uma placa com o nome de uma facção.

No meio dessa guerra que se arrasta, estão 140 mil moradores e dezenas de escolas, que funcionam quando não tem tiroteios. Pesquisa divulgada recentemente pela ONG Redes da Maré mostrou o impacto da violência na vida das crianças de até 6 anos, que já reconhecem até o barulho do motor do veículo blindado da polícia.

Agora, o governo do Rio planeja conter a violência na comunidade com inteligência: o uso de drones e câmeras de reconhecimento facial. Uma outra meta é levar para a cadeia os 1.125 suspeitos identificados durante a investigação da Polícia Civil sobre o centro de treinamento.

•        A origem

Os primeiros moradores chegaram à região, às margens da Baía de Guanabara, na década de 1940. No início, as casas eram de palafita e sofriam impactos conforme as variações da maré. Isso explica a origem do nome da comunidade. Aos poucos, a área foi sendo aterrada, e a população foi crescendo com a chegada de mais migrantes, principalmente oriundos do Nordeste. No início da década de 80, moradores foram removidos para novos conjuntos habitacionais (Vila do João, Vila do Pinheiro, Conjunto Pinheiro e Conjunto Esperança), agora considerados favelas do complexo.

A Maré foi transformada em bairro por meio de decreto do prefeito Cesar Maia, em 1994. Hoje o conglomerado, que se estende da Avenida Brasil até a Linha Vermelha, pelos dois lados da Linha Amarela, está no caminho de quem segue do Centro para a Baixada Fluminense, a Região Serrana, a Costa Verde, São Paulo e o Aeroporto Internacional Tom Jobim, o Galeão.

 

       Secretário do Ministério da Justiça diz que ações no Rio não terão pirotecnia; um plano nacional será anunciado segunda-feira

 

Após reunião com o governador do Rio, Cláudio Castro, o secretário-executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Cappelli, que anunciou que o ministro da Justiça, Flávio Dino, llançará o Programa Nacional de Enfrentamento às Organizações Criminosas na segunda-feira. Cappelli também afirmou que as ações no Rio não terão pirotecnia. O encontro, realizado na manhã desta sexta-feira, teve o objetivo de tratar da segurança pública do estado. A decisão por uma integração das forças estaduais e federais foi tomada após a divulgação de uma investigação da Polícia Civil que revela o treinamento de traficantes no Complexo da Maré, na Zona Norte da capital fluminense.

Segundo o secretário, a determinação é apoiar o Governo do Estado do Rio naquilo que julgar necessário e adequado, em apoio harmônico e integrado:

— O poder público precisa estar mais unido porque esse é um problema não só do Rio de Janeiro — explica Cappelli, que continua: — Aquelas imagens são inaceitáveis. Treinamento de guerrilha urbana à luz do dia, criminosos andando com fuzis .50 à luz do dia, isso não é aceitável em nenhum lugar do mundo. Vamos atuar com inteligência, com proporcionalidade, respeitando a APDF (635), sem nenhuma ação pirotécnica ou espetacular. Inteligência, mínimo de efeito colateral possível

Cappelli afirmou, ainda, que os governos devem “afinar os ponteiros ao longo dos próximos dias” e que a ação deve ocorrer de “forma cirúrgica, com o mínimo de efeito colateral possível”, sem "gerar espetáculo".

O mais importante é atuar com inteligência, de forma cirúrgica, com o mínimo de efeito colateral possível. Trabalho que não é para gerar espetáculo — Ricardo Cappelli, secretário-executivo do Ministério da Justiça

Após a reunião, que durou cerca de uma hora, o governador Cláudio Castro agradeceu à integração das polícias — a qual definiu como “ímpar”, não só no Estado do Rio, mas nacionalmente.

— Os estados não são ilhas e a gente precisa ter uma segurança pública colaborativa. O secretário Ricardo Cappelli está sendo uma peça fundamental, um amigo que a gente tem encontrado nesse tempo.

Sobre o treinamento na Maré, Castro disse que as imagens são um “avanço” para a sociedade entender o tamanho do desafio da segurança pública:

— A dificuldade e a complexidade do que é fazer segurança pública. Essas imagens, inclusive para nós, gestores, têm um tom de libertação. Porque, infelizmente, tem parte da sociedade que coloca traficante como bonzinho, vítima da sociedade. E essas imagens mostram o contrário: são criminosos de altíssima periculosidade, que não têm a menor pena de usar criança como escudo, de usar equipamento público da comunidade para fins de treinamento quase militar.

•        Castro se reuniu com cúpula na quinta-feira

Nesta quinta-feira, o governador Cláudio Castro compartilhou uma foto nas redes sociais ao lado da cúpula da segurança pública fluminense, "definir os principais pontos" a serem tratados no encontro.

A reunião acontece na mesma semana que investigação da Polícia Civil foi divulgada, revelando que traficantes recebem treinamento no Complexo da Maré, na Zona Norte da Capital.

Ao longo da semana, o governo federal anunciou que oferecerá o envio de homens da Força Nacional de Segurança para combater o tráfico no conjunto de favelas. Também é possível o acionamento da Marinha do Brasil, já que a localidade está às margens da Baía de Guanabara, conforme divulgou o blog do jornalista Bernardo Mello Franco.

Outra medida do pacote de segurança é que a Polícia Rodoviária Federal passe a fazer patrulhamento ostensivo, numa tentativa de coibir arrastões e roubos de cargas, conforme também noticiou o colunista Bernardo Mello Franco. A medida é uma determinação do ministro Flávio Dino, após um ônibus da linha 771 (Campo Grande—Coelho Neto) ter sido alvejado com um explosivo, deixando três pessoas feridas.

•        Centro de treinamento na Maré

O levantamento da polícia Civil, que durou dois anos, é o maior já feito sobre a atuação dos dois grupos criminosos — tráfico e milícia — que disputam o controle de territórios na região. Os investigadores fizeram centenas de horas de imagens usando drones. Em uma das sequências, é possível ver dois instrutores ensinando grupos de 15 a 20 homens armados com fuzis táticas para atacar e se defender com uso de armamento pesado.

Os exercícios de guerra acontecem em uma área que poderia servir de lazer para a comunidade, em uma quadra de futebol com piscina, ao lado de uma creche e de cinco escolas municipais, mas são de uso exclusivo dos criminosos.

O espaço de treinamento fica às margens da Baía de Guanabara e a poucos metros das três principais vias expressas que cortam a cidade: a Avenida Brasil, a Linha Amarela e a Linha Vermelha, caminho para o aeroporto internacional do Galeão, para Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e onde também há um batalhão da Polícia Militar.

•        Bomba em ônibus

O ataque ocorreu por volta das 21h da última quarta-feira. De acordo com a Polícia Militar, uma equipe do Batalhão de Policiamento em Vias Especiais (BPVE) foi acionada para o trecho em que o ônibus estava, na pista sentido Zona Oeste, altura da comunidade Joana D'Arc. A corporação informou que bandidos tentavam atear fogo no coletivo e acabaram lançando um explosivo artesanal contra o veículo.

A situação foi definida pelo motorista do coletivo como uma "cena de guerra". Cercado por 10 criminosos, o rodoviário falou que ainda teve um revólver colocado em sua cabeça. Depois de invadir o coletivo e roubar os passageiros, um dos integrantes do grupo arremessou um explosivo no ônibus.

— Eu só escutei o estrondo nas minhas costas. Meu Deus! Fiquei sem saber o que fazer. Sem saber como agir. Você fica paralisado, traumatizado com o que está acontecendo. Muitas pessoas gritando dentro do carro, chorando, gente ferida — descreveu o motorista.

Os três feridos foram encaminhados para o Hospital Municipal Albert Schweitzer, em Realengo, na Zona Oeste. Na madrugada de quinta-feira, Elaine Ivo, de 35 anos, teve alta, mas foi para casa se queixando das dores causadas por queimaduras. Já Eduardo Pontes, de 61 anos, e Luís Silva, 65, permaneciam internados.

•        Governo federal já atuou pelo menos 11 vezes, desde 1992, na segurança pública do Rio

São três décadas de trabalhos conjuntos e pontuais, com acertos e fracassos. A primeira vez que forças federais atuaram na segurança do Rio foi em junho de 1992 durante a Conferência Mundial do Meio Ambiente, a Rio 92. O então presidente Fernando Collor assinou uma Garantia da lei e da ordem (GLO), para enviar tropas para a capital.

Militares e tanques permaneceram em pontos estratégicos, especialmente no caminho onde passavam as delegações estrangeiras. A Rocinha e o Vidigal foram ocupados. Dois anos depois, em novembro de 1994, os militares estiveram em praticamente todos os pontos de votação para garantir o bom andamento das eleições Meses antes, as eleições para deputados federais e estaduais tinham sido anuladas por fraude. Nesse mesmo ano, militares ocuparam favelas como o Borel.

No topo do morro, retiraram uma cruz supostamente colocada por uma quadrilha e hastearam no lugar uma bandeira do Brasil. Mais tarde, se descobriu que a cruz havia sido colocada ali por religiosos. Em 1995, o exército foi novamente acionado. Desta vez para conter uma onda de sequestros. Durante o Carnaval de 2003, o exército voltou a capital. Blindados e militares dividiram as ruas com os foliões.

O período foi marcado pela morte do professor de inglês Frederico Branco de Farias. Na época, a família disse que ele não viu a ordem de parar durante uma blitz e acabou fuzilado. Em 2007, a vinda ao Rio, que seria para dar suporte aos Jogos Pan-Americanos, foi antecipada por causa de uma sequência de atos violentos. Os soldados da força nacional ficaram alojados em dormitórios super lotados, sem cama e nem colchões.

Em 2008, o exército ocupou o Morro da Providência, no Centro. O resultado foi uma tragédia: um grupo de militares deteve três jovens entre 17 e 24 anos. No lugar de prendê-los, entregou os rapazes para traficantes de uma facção rival. Os corpos foram encontrados com dezenas de perfurações. 2010 foi um ano emblemático, com destaque para as tropas militares na ocupação dos Complexos do Alemão e da Penha. A ação durou dois anos.

As forças armadas sempre estiveram presentes para dar segurança aos períodos eleitorais e em grandes eventos, como na Jornada Mundial da Juventude, em 2013, e na Copa do Mundo, em 2014. Nesse mesmo ano, as forças armadas ocuparam o Complexo da Maré. Houve resistência por parte dos bandidos e os tiroteios não cessaram. A ação durou um ano e três meses. Vinte e sete militares ficaram feridos em confrontos. Nove pessoas morreram, entre elas um sargento. Foi a primeira morte de um militar durante um processo de pacificação.

Houve 674 prisões e 255 apreensões de menores. 2016, ano das Olimpíadas do Rio, e mais uma vez os homens da força nacional se queixaram dos alojamentos precários. Em julho de 2017, o governo federal deu início a mais uma ação. Em 2018, veio a intervenção federal na segurança pública do Estado. Foram quase onze meses de forças armadas nas ruas. O combate ao roubo de cargas foi uma das prioridades. O índice caiu em 20%.A primeira vez que forças federais atuaram na segurança do Rio foi em junho de 1992 durante a Conferência Mundial do Meio Ambiente, a Rio 92. À época, O então presidente Fernando Collor assinou uma Garantia da lei e da ordem (GLO), para enviar tropas para a capital. Militares e tanques permaneceram em pontos estratégicos, especialmente no caminho onde passavam as delegações estrangeiras. A Rocinha e o Vidigal foram ocupados.

>>>>Relembre:

1994:

•        Militares estiveram em praticamente todos os pontos de votação para garantir o bom andamento das eleições.

•        Meses antes, as eleições para deputados federais e estaduais tinham sido anuladas por fraude.

•        Nesse ano, militares ocuparam favelas. Uma delas foi o Borel, na Tijuca, onde foi retirada uma cruz, supostamente colocada por uma quadrilha. No lugar, foi hasteada uma bandeira do Brasil. Mais tarde, se descobriu que a cruz havia sido colocada ali por religiosos.

1995:

•        O exército foi novamente acionado.

•        Desta vez, para conter uma onda de sequestros.

2003:

•        Durante o carnaval, o Exército voltou à capital fluminense.

•        Blindados e militares dividiram as ruas com os foliões.

•        O período foi marcado pela morte do professor de inglês Frederico Branco de Farias. Na época, a família disse que ele não viu a ordem de parar durante uma blitz e acabou fuzilado.

2007:

•        Nesse ano, a vinda ao Rio, que seria para dar suporte aos Jogos Pan-Americanos, foi antecipada por causa de uma sequência de atos violentos.

•        Os soldados da Força Nacional ficaram alojados em dormitórios super lotados, sem cama e nem colchões.

2008:

•        O Exército ocupou o Morro da Providência, no Centro.

•        O resultado foi uma tragédia: um grupo de militares deteve três jovens entre 17 e 24 anos. Em vez de prendê-los, entregou os rapazes para traficantes de uma facção rival.

•        Os corpos foram encontrados com dezenas de perfurações.

2010:

•        Ano emblemático, com destaque para as tropas militares na ocupação dos Complexos do Alemão e da Penha.

•        A ação durou dois anos.

2013 e 2014:

•        As Forças Armadas sempre estiveram presentes para dar segurança aos períodos eleitorais e em grandes eventos, como na Jornada Mundial da Juventude, em 2013, e na Copa do Mundo, em 2014.

•        Nesse período, as Forças Armadas ocuparam o Complexo da Maré.

•        Houve resistência por parte dos bandidos, e os tiroteios não cessaram.

•        A ação durou um ano e três meses.

•        Vinte e sete militares ficaram feridos em confrontos. Nove pessoas morreram, entre elas um sargento. Foi a primeira morte de um militar durante um processo de pacificação.

•        Houve 674 prisões e 255 apreensões de menores.

2016:

•        A convocação foi devido às Olimpíadas do Rio.

•        Mais uma vez os homens da Força Nacional se queixaram dos alojamentos precários.

2017 e 2018:

•        Em julho de 2017, o governo federal deu início a mais uma ação.

•        Já no ano seguinte, a intervenção federal na segurança pública do Estado.

•        Foram quase onze meses de forças armadas nas ruas. O combate ao roubo de cargas foi uma das prioridades. O índice caiu em 20%.

 

Fonte: Extra

 

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