quinta-feira, 26 de outubro de 2023

A dor lombar e a metáfora dos sapos engolidos

Desde a faculdade eu entendi que ao pensar em saúde, é preciso olhar o ser humano como um todo. Como assim? Claramente, não somos apenas um joelho, não somos uma coluna e muito menos, somos apenas o diagnóstico médico. Por isso digo que, ao contrário do que se pensa, a saúde não é uma ciência exata e, por isso, temos que ter olhar além dela. 

Mantendo a ética profissional e entendendo a integralidade do cuidado, fiquei pensativa sobre a importância de compreendermos o trabalho de outros profissionais de saúde. Eis que o algoritmo do Instagram me apresentou ao trabalho do psicólogo Victor Moreira. Lembro que fiquei encantada com o seu conteúdo que trazia uma abordagem do corpo e suas dores, embasado em uma vertente da psicologia chamada Análise Bioenergética, desenvolvida por Alexander Lowen, discípulo de Wilhelm Reich, “o pai” da psicoterapia corporal no ocidente. Foi assim que me conectei com o Victor e surgiu o convite para ele colaborar com essa série de coluna da IstoÉ. 

Como fisioterapeuta, sempre observei como acontecimentos externos e estressantes podem arruinar um tratamento que parecia estar progredindo bem ou como acontecimentos podem se tornar gatilhos para crises de dor e recaídas.

Os estudos já comprovam que, estresse, ansiedade e emoções negativas influenciam de forma direta a percepção da dor, a imunidade e até o sucesso do tratamento. Afinal, seria a dor nas costas a causa ou a consequência de algum evento emocional? Seria uma somatização de eventos internos e externos? Victor traz sua perspectiva de que a dor aparece no corpo por diversos motivos, mas que geralmente têm vínculo com nossas emoções. 

Para entender melhor, ele dá um exemplo: “Se você está com medo, seus olhos vão arregalar mesmo que você não perceba. Você vai tender a apertar os dentes, os “ombros” vão se endurecer e a respiração vai encurtar.” Ele ainda destaca que, nem sempre estes movimentos são visíveis e altamente expressivos, pelo contrário, na maioria das vezes eles passam despercebidos.

E após um dia, um mês ou alguns anos, surge a dor. No caso de quem sofre com dores crônicas, ele aborda a partir da perspectiva de que há uma sobrecarga física-emocional na região. Como assim? Ele exemplifica: “Vamos imaginar que alguém “engoliu muita sapo” durante a vida, e não sabia como expressar sua raiva, indignação e estabelecer limites. Ao longo do tempo esta pessoa poderia desenvolver uma dor crônica na cervical, por exemplo, devido ao excesso de controle necessário para suportar ficar sem voz, “fechar a garganta”. Mas o fato é que, todos nós temos alguma ferida emocional, todos engolimos sapos vez ou outra, o que podemos fazer? Ele explica que: “Aí que está o ponto incrível das psicoterapias corporais: expressamos no corpo todas nossas tensões emocionais do passado, e isso alivia não só as nossas dores ou doenças, como também sensações e elaborações internas”. 

·         Mas e a dor lombar? Como ela pode ser interpretada nessa perspectiva? 

O psicólogo, Victor, aborda que a dor na lombar se relaciona com a privação de prazer e com a necessidade de aguentar nossas tarefas e responsabilidade sem pausa e sem autocuidado. Nessa interpretação, a lombar é vista como uma parte do corpo que sustenta o peso da coluna, mas também o local do corpo onde deixamos nosso rebolado aparecer. E aqui ele complementa “Percebe que tem uma ambiguidade? O prazer e a sustentação se encontram no mesmo lugar: a lombar. Se eu só busco o prazer de forma incessante, posso ter dores ali. Mas se só sustento as demandas da vida à seco, também. 

O problema está na cronificação do comportamento emocional do corpo. E é isso que nós chamamos de couraças musculares, estruturas do corpo que tensionam de acordo com nosso funcionamento psíquico. A lombar faz parte da couraça abdominal, que é uma das 7 principais. Cada uma tem uma função afetiva diferente”. Achei super interessante trazermos a visão de distintos profissionais – médicos, fisioterapeutas, inclusive psicólogos com diferentes abordagens – para que você saiba que há linhas distintas do ato de cuidar. Sempre irei enfatizar que o trabalho de todos profissionais unidos trará benefícios – o trabalho multi e interdisciplinar faz diferença no cuidado. 

·         E como as pessoas mantêm uma relação mais leve e saudável com o próprio corpo e alma? 

O corpo sabe o que fazer e ele compartilha uma maneira intuitiva de autorregulação emocional, através de 3 movimentos simples. Victor, nos guia nessa atividade prática para sentir alívio imediato facilitando o fluxo emocional, em que são utilizadas sequências específicas: 

Etapa 1: como passamos a vida segurando e prendendo o ar dentro do organismo, sempre precisamos expirar. Portanto, comece expirando. Sopre longo, forte e de preferência soltando um som espontâneo. Faça pelo menos 6 vezes bem caprichado. Qual será o som que quer sair de você hoje? “aaaaaah, uuuuuuuh, brrrrruuuu?” 

Etapa 2: Após fazer suas expirações longas e sonoras, esquente suas mãos esfregando uma na outra durante um tempo e deixe sua mão tocar alguma parte do seu corpo, sem que você precise pensar. Apenas deixe ela tocar, feche os olhos e receba seu toque. Qualquer parte do corpo vale, basta permanecer ali por algum tempo, respirando e sentindo. Se quiser, pode repetir 3 vezes também.

 Etapa 3: Por último, perceba como você ficou e deixe surgir um movimento no seu corpo. Sempre há algum movimento querendo acontecer. Como você quer se mover? Do que precisa? Siga sua intuição e deixe seu corpo se expressar, seja como for.

 

Ø  Do sedentário ao atleta: por que a dor lombar é tão comum?

 

Hoje vamos iniciar a série de conteúdos para te ajudar sobre um tema que você,  leitor, e os nossos pacientes mais pediram informações. Vamos falar de algo que eu, você e todos nós já sofremos, ou  quem sabe, podemos um dia  sofrer –a tal da dor nas costas! Para esse ciclo sobre o tema, convidamos diferentes profissionais para trocarmos informações a partir de diferentes olhares do cuidar. E para começarmos, convidamos um médico ortopedista.

Antes de iniciar, vale reforçar que esse tema é tão sério e relevante que é considerado uma questão de saúde pública e ainda hoje é um dos problemas que mais levam as pessoas a se afastarem do trabalho, das atividades esportivas e de lazer, e que conduzem a uma perda significativa de qualidade de vida, interferindo em absolutamente todos os aspectos do cotidiano de quem convive com a dor.

Sempre que trazemos mais informações, as pessoas agradecem demais e explicam que nossa matéria se tornou um pontapé inicial para repensar a relação com o próprio corpo ou em como lidam e respeitam os sinais e dores que sentem. Por isso, vale dizer que é isso que desejo para você com essa série de leituras.

·         Mas afinal, por que a dor na lombar é tão comum? 

Para responder essa pergunta, convidamos o médico ortopedista, Rafael Moriguchi. Segundo o médico, a dor lombar é comum pelo fato de que a coluna lombar é um dos principais pontos, senão o principal, ponto de concentração de carga no corpo humano. O que demanda que a musculatura, os discos intervertebrais e outras estruturas da região lombar estejam sob carga e impacto constantes. Além disso, ele reforça que o fator do envelhecimento populacional e a maior longevidade impactam também na ocorrência de doenças degenerativas da coluna lombar, aumentando exponencialmente a procura por tratamentos.

Aqui na nossa rotina, percebemos ainda uma demanda alta em pessoas com rotina de escritório e home-office que podem pecar pela falta de movimentação do corpo no dia a dia ou pela falta de postura adequada na rotina. Atletas de fim de semana também são bastante afetados pela sobrecarga imposta “do nada” no corpo despreparado. 

As gestantes, que estão com o corpo em constante transformação, também, e aproveitando que falamos delas, trago ainda as famílias de quem tem bebês pequenos em casa – os cuidados, avós, etc – que passam a sofrer com cargas mecânicas diferentes ao carregar e cuidar da criança. 

·         Quais são as principais causas de dor lombar? 

Como bons fisioterapeutas, sempre explicamos para os pacientes que a dor na lombar é a consequência e não a causa –  isso é não o diagnóstico que explica a dor – e por isso, pode ter muitas causas diferentes envolvidas. Vamos deixar aqui algumas como: hérnia de disco, degeneração discal, estenose de canal, escoliose, desalinhamento sagital (perda de lordose), alterações posturais, fraturas, tumores, compensações e desordens musculares.

·         Existem tipos diferentes de dor lombar?

Além de causas distintas, segundo o Dr. Rafael, a dor lombar pode ser classificada de acordo com o tempo que a pessoa refere os sintomas de dor nas costas:

  • Dor aguda nas costas acontece de repente e geralmente dura alguns dias a algumas semanas.
  • Dor subaguda nas costas pode surgir repentinamente ou ao longo do tempo e dura de 4 a 12 semanas.
  • Dor crônica nas costas pode surgir rapidamente ou lentamente e dura mais de 12 semanas, ocorrendo diariamente.

A dor lombar é comum na população, seja em homens ou mulheres, e sabemos que o envelhecimento populacional também interfere e aumenta as chances de termos dores nas costas. Mas ser comum não significa de forma alguma que é algo a ser normalizado. Por isso, saiba que há tratamento e prevenção para as crises.

Mas afinal, será que a lombalgia é considerada um problema grave?  Rafael é categórico ao dizer que se a lombalgia não for tratada pode levar a quadros incapacitantes de dor. E você deve imaginar que quem convive com dores, vive num ciclo de dor, não consegue dormir bem, não consegue fazer atividades do dia a dia, toma medicações diversas que alteram o metabolismo, enfim… a pessoa não consegue ser ela mesma física e psicologicamente.

·         Uma pergunta super comum dos pacientes seja no consultório médico ou na fisioterapia é: quanto tempo levo para me recuperar de uma lombalgia?

O tempo para recuperação de um quadro dependerá da causa, dos tratamentos empregados e da capacidade biofuncional do paciente. No entanto, de maneira geral, espera-se que um tratamento empregado para lombalgia comece a apresentar resultados em até um mês.

Aqui, trouxe ainda a fisioterapeuta ortopédica e osteopata da Clínica La Posture, Ana Clara Desidério, que complementa que, apesar de ser comum as pessoas terem histórico de dor lombar, elas não devem normalizar a dor de forma alguma. A maior questão é a dor se tornar crônica e seu tratamento ainda mais penoso. Cada paciente evolui de uma forma diferente e responde diferente ao tratamento. Por isso, ter acesso a diferentes especialidades e recursos da fisioterapia e ter o foco em exercícios corretos é a base de qualquer processo de reabilitação.

Acredito ainda, que essa série possa ser um chamado para que você que ainda não tem dores nas costas, repense a forma como se cuida e como se cuida diariamente. Lembre-se que os grandes vilões das dores na coluna são sedentarismo, sobrepeso e home-office.

 

Fonte: Por Dra. Renata Luri, para IstoÉ

 

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